Redes Sociais e as moléculas da emoção

Somos criaturas sociais - a sobrevivência do indivíduo depende da rede social que consegue manter.

A manutenção de uma rede social provoca a libertação de dopamina quando a interação é positiva ou proveitosa. A dopamina é a recompensa, o prazer, que recebemos quando as nossas ações fortalecem a rede social a que pertencemos. Por outras palavras, sempre que observamos que as nossas ações levam a que outros gostem de nós, a recompensa é dopamina.


A dopamina afecta a nossa motivação. Temos um comportamento que beneficia o grupo e a dopamina resultante deste comportamento leva-nos a comportamentos idênticos no futuro. Neste sentido é uma molécula que estimula a socialização. Mas com as redes sociais virtuais, e com um simples “like”, a produção de dopamina é imediata. O cérebro leva-nos a acreditar que estamos a socializar, quando o oposto é mais real. A dopamina tem um outro efeito, mais perverso. O facto de muitas pessoas “gostarem” de algo que publicámos leva o cérebro a acreditar que estamos certos, somos pessoas boas. As pessoas que mais utilizam a internet são as que mais dificuldade têm em assumir que podem estar erradas. 


A dopamina ajuda-nos a focar a atenção em algo. O problema é que focamos a atenção naquilo que possa provocar uma dose da mesma, e quantas mais doses diárias maior o sentimento de estarmos a fazer algo de bom. Focamos a atenção nos “likes”.

A dopamina é altamente viciante - a nossa sobrevivência depende de outros gostarem de nós.


A dopamina é a responsável por nos assegurar que somos pessoas boas a fazer o que é correcto, que estamos certos e temos razão. Cada dose de dopamina faz-nos acreditar nesta incongruência. Não somos pessoas boas, somos imperfeitos, bons e maus, e isso é importante no processo de maturidade emocional. Saber-me imperfeito leva-me a aprender mais, a estar mais atento aos outros. O que acontece quando o cérebro diz que estamos certos e somos bons? De início tornamo-nos focados, atentos, apreendemos a informação de uma maneira mais rápida. Mas um “caldo" cerebral com um excesso de dopamina em poucos anos terá o efeito oposto. A solução farmacológica para esta situação é aumentar as doses de drogas semelhantes às anfetaminas (os medicamentos dados a crianças e adultos para hiperactividade e deficit de atenção, como o metilfenidato). Pessoalmente acredito que há um número bastante reduzido de crianças que podem beneficiar deste tratamento. Repito, um número reduzido.


Um “like” é o mesmo que alguém dizer-me “tens razão” em termos neurológicos. E isto é perigoso em termos de construção da personalidade. Basta observar como cada vez é mais difícil a um ser humano assumir estar errado ou não saber, assim como também é muito difícil lidar com a rejeição, o ouvir um “não”. No inconsciente o discurso é algo como “então tenho tanta gente a gostar de mim e esta pessoa diz-me “não”?! Tem que haver algo de profundamente errado aqui, e não sei o que é”.  


Um excesso de dopamina leva-nos ainda a falar incessantemente, sem querer ouvir os outros. Ao falarmos estamos muitas vezes a receber as nossas doses de dopamina, a obter a atenção dos outros. O reverso da medalha é este: se falamos demasiado podemos obter altas doses de dopamina, mas quem nos está a ouvir recebe doses elevadas de epinefrina - a molécula da luta ou fuga. A brincar costumo dizer que se não tens uma vida íntima com outros é porque não os estás a ouvir. 


A comunicação com os outros é um outro tema, deixo aqui apenas uma pista. Quando falamos estamos a alardear ou a partilhar? Alardear é o que acontece quando queremos que os outros nos ouçam porque sim, porque somos bons, ou já fizemos muita coisa, ou somos especiais (mesmo que pela negativa). Partilhar acontece quando aquilo que dizemos é útil aos outros, irá beneficiá-los. 


O nosso cérebro nada evoluiu nos últimos milhões de anos. No entanto a tecnologia tem evoluído a uma velocidade de mais de 700% ao ano (a percentagem real é assustadora - imagina isto: és capaz de calcular o resultado de 8x9, certo? E se em menos de um segundo fosses capaz de calcular 894x765432927349? - é a esta velocidade que a tecnologia está a evoluir). 


Qual o esforço necessário para que um grupo reduzido de indivíduos mostre aceitar-nos ou gostar de nós? - a família, vizinhos, colegas, amigos - entre cinco a vinte e cinco indivíduos? 


Com o surgimento das redes sociais passamos a interagir com centenas e milhares de indivíduos, mas o nosso cérebro não compreende que são relacionamentos virtuais que em nada asseguram a sobrevivência. 


Isto leva a uma busca constante de “likes”, “corações” e outros emoticons que nos mostram que os outros gostam de nós. Cada “like” recebido é uma pequena dose de dopamina recebida, uma recompensa e deleite.


Um excesso de dopamina pode levar a condições como a esquizofrenia, loucura, demência. Já uma deficiência leva a Parkinson’s, défice de atenção e hiperactividade. 


Há ainda o reverso da medalha. Quando temos a percepção de os outros não gostarem de nós produzimos epinefrina. A epinefrina leva a uma maior atenção a tudo que há de negativo à nossa volta, a criar medos e ansiedades.


O que acontece quando um elemento da família ou do grupo de amigos não gosta de nós? Tentamos corrigir-nos para alterar a situação ou focamos a nossa atenção num outro elemento. Mas o que acontece quando não é um indivíduo que não gosta de nós, mas dezenas ou centenas de desconhecidos sobre os quais nada sabemos?


Com já afirmei antes, a dopamina é altamente viciante e tudo o que precisamos para ter a nossa dose é um simples “like” em algo que publicamos numa rede social. 


Para uma boa saúde mental são necessárias ainda outras moléculas, como a oxitocina. Este neuropeptideo é produzido apenas numa interação directa com outros indivíduos. Num abraço, um aperto de mão, um beijo, práticas sexuais em que nos sentimos desejados e desejamos o outro. A oxitocina é a hormona que nos faz sentir seguros, amados, a pertencer a um grupo, a confiar na vida, a sentir empatia, generosidade e bondade. Sem oxitocina o individuo não consegue ter qualquer uma das experiências anteriores. Sem oxitocina o indivíduo acredita viver num mundo perigoso, sem uma rede de segurança, incapaz de amar ou sentir-se amado. A oxitocina leva ainda a desconfiarmos de estranhos (sentimento de auto-preservação) e mesmo a afastar-nos de situações potencialmente perigosas. É a hormona do amor. Amor por nós e pelos que nos são próximos. Sem oxitocina não temos discernimento para evitar predadores, como pedófilos, por exemplo.


Um indivíduo viciado em dopamina irá perder muita da sabedoria e experiências proporcionadas pela oxitocina. 


Entramos num ciclo vicioso de sermos bons e essenciais e de estarmos sempre certos, e no entanto aos poucos apodera-se de nós um sentimento de vazio e inutilidade. Quanta mais dopamina, quanto mais nos parece que o mundo gosta de nós, maior a sensação de insegurança, de estar perdido e não ser amado. É o paradoxo das redes sociais.


Podemos ir ainda mais longe nesta análise das moléculas da emoção. A oxitocina é catalisadora na produção de serotonia, a molécula que impede a depressão e ansiedade, reduz a agressividade, ajuda-nos na aprendizagem, provoca o optimismo, combate a dor e deixa-nos num estado de intimidade com os que nos rodeiam. É a molécula da confiança. 


Viciados em dopamina experimentam dias e dias sem uma expressão saudável de serotonina, ou seja, apesar de acreditarem que o mundo gosta deles, no seu mais intimo sentem-se sós. Não confiam na vida.


As redes sociais estão a criar indivíduos que ganham muito, mesmo muito dinheiro pelos “likes” que obtêm, mas que por outro lado os torna prisioneiros de um mundo virtual. Estamos a viver um paradoxo em que quanto mais conectados com o mundo virtual, mais desconectados nos tornamos com o mundo real. 


As redes sociais ajudaram também a acreditar em fantasias. Como os filhos devem ser, ou os maridos, ou os pais. E quando estas pessoas nas nossas vidas não se comportam como deveriam, de acordo com o Facebook, Instagram, e outros, acreditamos que há algo de errado com eles. Acreditamos que devem melhorar-se, deixar de ser imperfeitos. 

Pessoalmente considero alarmante se estiver em casa de amigos e os filhos de quatro ou seis anos forem “bem comportados” ou não se dedicarem pelo menos a uma birra. É suposto as crianças serem desarrumadas, fazerem birra, odiarem os pais e não os respeitar. Isto é a condição humana. Um pai pode apenas aprender a arte da paciência e da autoridade (não é fácil, nem é como mostram as fotos divinais que muitos publicam nas redes sociais).


As redes sociais, o uso de drogas legais para manter-nos focados e capazes de uma super-humanidade têm um preço elevado: ficamos esgotados e incapazes de lidar com as trivialidades no seio da família. Muitos chegam a casa e usam o telemóvel como fuga às suas responsabilidades. E, pior ainda, entregam aos filhos um telemóvel ou tablet para que estes aprendam bem cedo a fugir à realidade.


Posto isto, há alguns, embora poucos, benefícios nas redes sociais. Pese embora que 90% da informação nas redes sociais seja falsa (Pew et al, 2017).


Soluções para a interação com redes sociais


Recuperar o bom senso. Isto implica saber quando e como utilizar as redes sociais. Implica perguntar-nos, quando acedemos a uma rede social, “o que é que eu pretendo agora?” - significa  também perguntar-nos “qual o meu objectivo ao publicar algo numa rede social?”.


Fazer uma lista de prioridades humanas. Muito basicamente, fazer uma lista das pessoas que consideramos importantes na  nossa vida. Pai, esposa, filhos, colegas, amigos. Envolver toda a família neste processo. Durante uma semana colocar um sinal + de cada vez que interagimos com as pessoas desta lista e acreditamos que a interação foi positiva. Isto irá dar-nos uma perspectiva do tempo que despendemos com uma verdadeira rede social. Irá ainda ajudar a compreender deficiências emocionais, porque nos tornamos mais ou menos agressivos, porque atacamos os outros, porque andamos mais ansiosos ou sem paciência. 


Fazer uma lista do que pretendemos de cada rede social, sendo racionais e objectivos. O que pretendo obter quando abro esta aplicação? Facebook, Instagram, Twitter, etc.


Eliminar aplicações de redes sociais dos telemóveis. Pode parecer radical, porque o é. As redes sociais sabem como captar a nossa atenção. Caso precises mesmo da aplicação no telemóvel, desliga as notificações. 


Criar a regra de nunca, mesmo nunca, levar o telemóvel para acompanhante de uma refeição. Mesmo que o telemóvel toque, deixá-lo tocar. Nada é assim tão urgente, o mundo não vai parar por não atenderes um telefonema, e se for uma urgência é melhor que a pessoa que nos liga telefone para o hospital. 


Fora das horas de trabalho escolher uma hora específica em que vamos verificar os emails. Por exemplo, entre as 22h e as 22.15h. Mais de 15 minutos a ver e responder a emails fora das horas de trabalho é roubar tempo e experiências emocionais aos que nos são queridos. 


Decidir o tempo real que queremos dedicar às redes sociais. No meu caso, por exemplo, são 15 minutos de manhã e outros 15 minutos depois do jantar. Publicar algo apenas se efectivamente é útil aos outros. A minha regra de ouro, antes de publicar algo é simples: isto que vou publicar acrescenta bondade ou um sorriso na vida dos outros? Isto que vou publicar é informação útil aos outros e é verdadeira? - um não significa a não publicação. 


Resumindo: o minuto que pensas que és capaz de controlar os teus pensamentos ou ações, é o minuto em que qualquer outro ser humano ou Inteligência Artificial (conhecida por “algoritmos”)  consegue manipular-te. É muito mais fácil do que imaginas.

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