Por favor nota que apesar dos NIH (National Institutes of Health) calcularem que 1 em 6 pessoas possui características narcisistas, isto significa que há um espectro, como no autismo (embora o narcisismo não seja algo que nasce com a pessoa mas algo que a pessoa, desde muito cedo, cultiva e investe), desde o pai ou mãe que por vezes neglicenciam as necessidades emocionais da criança, até aquele que nunca tenta uma conexão emocional com a criança. Transtorno narcisista (patologia sem tratamento) é muito diferente de traços da personalidade narcisistas. Quantos mais traços narcisistas uma pessoa possui, maior a desconexão emocional e controlo sobre um filho. Muitas vezes, se o pai ou mãe é considerado como sofrendo de Transtorno da Personalidade Narcisista (cerca de 16% a 20%, NIH), a única opção saudável para o filho é o distanciamento e corte da relação logo que consiga a sua independência e autonomia financeiras. Apesar de ser uma opção bastante dolorosa para o filho, é a única que lhe permitirá manter a sua sanidade mental.
Nota ainda que todos nós, sem excepção, por vezes temos um comportamento narcisista. É importante estar atento se o comportamento é habitual e típico da pessoa, ou se é algo que acontece quando o adulto está cansado, irritado, etc.
- Toda e qualquer ação ou afirmação é negável. Quer isto dizer que a atitude é sempre questionável como positiva ou negativa. Expressões agressivas são ditas com carinho (enquanto acaricia a cabeça da criança poderá dizer, afectuosamente, “és tão inútil como o teu pai.”). Um presente esconde uma oportunidade de manipulação futura (a boneca que a filha tanto desejava é oferecida, para mais tarde, quando a filha não quer ir com a mãe visitar a avó, é capaz de ouvir da mãe algo como “És uma ingrata. A mãe oferece-te a Dolly-Doll e é assim que agradeces.”). Críticas e atitudes de desprezo são mascaradas com uma preocupação saudável (“O pai tem que ir sem ti porque és muito distraído e não consegues prestar atenção a nada.”). Decide pelo filho/a, mesmo que tenha 20 ou 30 anos, porque ninguém conhece o filho/a como ele/a, nem mesmo o próprio filho/a. E, claro, quer decidir pelo filho porque, francamente, as suas decisões têm sido um falhanço monumental atrás de outro. Raramente afirma directamente que há algo de errado com a criança, preferindo fazê-lo através da comparação (“Tiveste 18 a matemática mas põe os olhos na tua irmã que teve 19 a tudo.”). Qualquer elogio é feito com um toque de desprezo ou desvalorização (“Foste o melhor aluno do teu ano, mas se eu não te ajudasse nem aluno médio do ano conseguias.”). Todos estes comportamentos são executados com uma máscara de “melhor pai/mãe do ano”, com afecto aparente, um sorriso, preocupação “genuína”, por forma a que quem esteja a assistir não consiga ver a manipulação, desprezo, desvalorização, continuadas.
- Continuamente viola os limites da criança. A criança não consegue sentir-se como pertencendo no seio da família mas antes uma extensão da mãe ou pai narcisista. Qualquer objecto da criança, mesmo depois da adolescência, é oferecido a outros sem qualquer consulta prévia ou respeito pelo que a criança sente em relação ao dito objecto. A boneca é oferecida à prima que tem menos bonecas, o quadro pintado na escola é atirado ao lixo ou oferecido à tia. Não há qualquer consideração pelo que a criança deseja (coloca comida no prato e não importa se a criança quer menos, terá a que a mãe ou pai decidem ser a quantia certa, tira um presente oferecido antes porque a criança não merece). Verbaliza opiniões como sendo da criança que não correspondem à verdade (“A minha filha também não gosta da professora de matemática.”). Divulga a terceiros informação acerca da criança que provocam sentimentos de inferioridade, humilhação, vergonha ou culpa (“O meu Pedrinho ainda faz chichi na cama, não sei que mais posso fazer.” Todos estes comportamentos servem para mostrar o quão perfeita é a mãe ou pai, o difícil que é ser mãe ou pai da criança ou os sacrifícios continuados para se ser um bom pai ou mãe. Qualquer tentativa de autonomia por parte da criança, adolescente ou mesmo adulto, de um pai ou mãe narcisista, é rejeitada com severidade (desde punição corporal até ao “tratamento silencioso” = amuos). Rituais associados ao crescimento (cortar a barba, usar pensos higiénicos) são roubados da sua importância ou mencionados com desdém (“Só porque tem 2 pêlos na cara já se julga gente.” ou “Então queres que a mãe te compre um sutiã, para quê?”). Jogos de manipulação acontecem com frequência na presença de qualquer tentativa de independência (“Se já tens idade suficiente para sair à noite, então também tens idade suficiente para contribuir para s despesas da casa.”).
- Favoritismo fraterno. Quando no seio da família há 2 ou mais crianças, um pai ou mãe narcisista mostra claramente que tem um filho/a favorito, a criança prodígio, linda, bonita e bem comportada. Esta “criança favorita” muitas vezes vai passando de um filho para outro, dependendo sempre de qual a criança que deseja manipular. Em oposição, os restantes filhos irão funcionar como bodes expiatórios. A criança vítima do favoritismo deve ter a atenção de todos os membros da família, enquanto o bode expiatório é visto como não tendo necessidades algumas e deverá cuidar do irmão/ã. O Favorito parece não cometer erro algum, e quando comete é sempre culpa de outros (quase sempre do bode expiatório). Se o Favorito tirar negativa a biologia a culpa é do bode expiatório por não ter ajudado a estudar, ou porque fez barulho enquanto o Favorito estudava, ou o Favorito andava preocupado com o bode expiatório, etc. Já o bode expiatório é culpado de praticamente tudo o que acontece na família, chegando ao cúmulo de, numa situação de desentendimento entre o casal, ser-lhe pedido que decida quem tem razão, ou, em situações ainda mais violentas, decidir se os pais deveriam divorciar-se. Estas atitudes criam um fosso emocional, e desconexão, entre o Favorito e os restantes filhos. Enquanto o Favorito tenta manter-se o preferido do pai/mãe narcisista, bajulando com elogios e agradecimentos, mas pouco ou nada participando nos deveres domésticos. Por mais que o bode expiatório se esforce, arrumando o quarto, ajudando na cozinha, aspirando a alcatifa, irá passar despercebido aos olhos do pai/mãe narcisista (e se for mencionado será quase imediatamente desvalorizado como “não faz mais do que o seu dever”), este nunca será tão bom quanto o Favorito, o qual será elogiado desmesuradamente por ser o primeiro a estar pronto para ir para a escola. Neste ambiente o Favorito irá concordar com toda e qualquer atitude do pai/mãe narcisista e apontar o dedo ao bode expiatório como responsável pelo que quer que seja que corra mal na família. Esta dinâmica é tão poderosa que o bode expiatório irá acreditar em muitas das falsas acusações, vivendo num estado constante de confusão, medo e culpa. Por vezes o Favorito irá maltratar fisicamente o bode expiatório só para que não seja o pai/mãe narcisista a fazê-lo.
- Desvalorização. Qualquer sucesso da criança será valorizado apenas se isso significar uma valorização da mãe/pai narcisista. Se a filha foi a melhor da turma é porque a mãe soube ajudá-la nos trabalhos de casa, pagou ao explicador, estava atenta aos seus estudos, etc. Se o filho ganha uma medalha na meia-maratona da escola, teve sorte, qualquer miúdo teria ganho a medalha de qualquer forma. Em qualquer situação em que a criança possa ser o centro das atenções só será possível se o pai/mãe narcisista tiver o mérito pelo sucesso do filho, caso contrário não haverá qualquer tipo de reconhecimento. Um exemplo disto é o dia de aniversário do filho, em que a mãe/pai irão repetir a benção que é ter aquele filho porque os obrigou a crescer como pais, ou os sacrifícios feitos, ou o difícil que foram os primeiros anos de vida da criança. A outra opção é adoecer, ter um compromisso muito importante ou qualquer outra situação, justificável, para não participar na celebração, ou fazê-lo de mau agrado. Qualquer alegria ou sentimento de haver conseguido algo por parte da criança será rapidamente destruído com algo em que a criança pode ser vista como má, falhada ou egoísta (“Pronto, entraste em Medicina, só é pena que não sejas tão aplicado a arrumar o teu quarto.”). Não importa o tipo de sucesso do filho/a, se o crédito não for do pai/mãe narcisista então não será um sucesso mas uma sorte.
- Denegrir, diminuir ou ridicularizar. Este pai/mãe irá aproveitar qualquer oportunidade para deixar claro que os outros, vizinhos, primos, Favorito, são de alguma forma melhores e o quanto ele/a (narcisista) se tem esforçado para ajudar sem qualquer resultado. Isto serve para alimentar a ideia, na criança, de uma dívida que jamais será paga, embora surja em qualquer situação em que o filho mostre autonomia. Se a criança se queixar de ter sido maltratada por outro (professor, amigo, familiar), o pai/mãe narcisista irá ficar do lado do agressor. Este é um dos motivos porque crianças vítimas de abuso sexual não contam aos pais o sucedido. É a história da jovem violada porque usava mini-saia. A culpa é da jovem, de mini-saia estava mesmo a “pedi-las”. Basicamente é alimentada a ideia de que a criança nunca tem razão. Algumas das afirmações recorrentes do pai/mãe narcisista que incluem requintes de malvadez disfarçada de benevolência: “com esse feitio ninguém te atura”, “nunca terminas nada do que começas”, “sempre foste uma criança difícil”, “Nos primeiros 6 meses não me deixaste dormir duas horas seguidas”, “só me casei com a tua mãe porque ficou grávida de ti”, “só me dás dores de cabeça”… Muitas vezes este diminuir é feito de forma indirecta, quando o pai/mãe narcisista está a falar para ninguém em particular e afirma “ninguém me compreende”, “sou uma escrava nesta casa”, “ninguém aprecia o que faço para que todos estejam bem nesta casa”, “vivo rodeado de egoístas insensíveis”. Estas preciosidades costumam ser vomitadas quando apenas a mãe/pai narcisista se encontra no mesmo espaço em que está apenas o filho. Não aponta o dedo ao filho, embora ninguém mais esteja presente. É capaz de deixar escapar numa conversa com outro adulto o quanto era feliz ao dedicar-se a uma actividade que teve que abandonar quando o filho/a nasceu. A opinião, experiência, amigos ou sucessos do filho são continuamente relegados para segundo lugar ou ignorados. O filho médico está a explicar a um familiar a importância de se submeter a um exame específico para eliminar a possibilidade de uma doença séria e o pai/mãe narcisista interrompe com tom de voz condescendente, cinismo ou desprezo, dizendo algo como “Dá-lhe ouvidos e quando deres por ela estás internado num manicómio.” A filha adolescente começa a namorar e o namoro é visto como ameaça à integridade da mesma, e tudo é feito para terminar o namoro (em realidade a ameaça é perder a atenção da filha). O namorado/a do jovem cujo pai/mãe é narcisista é visto como o mau da fita, tóxico, perigoso ou mesmo criminoso. A mãe/pai narcisista nunca concordará com a escolha de parceiro/a de um filho, excepto se for o Favorito.
- Consegue convencer o filho/a que é louco/a. Se a filha confrontar a mãe/pai narcisista com algo que tem a certeza ser verdade e mostra o progenitor como o mau da fita, errado, falível, será acusado de uma imaginação incrível, desmentido, que não sabe do que fala ou o pai/mãe não compreende o que o filho/a está a dizer. Afinal tudo é feito a pensar no melhor bem do filho/a. É capaz de negar a pés juntos de que uma situação alguma vez tenha ocorrido, incutindo no filho/a a dúvida. Isto é repetido tantas vezes que o filho/a começa a duvidar das suas memórias, capacidades de decisão, amor-próprio e valorização pessoal. Com muita frequência “picam” a filha/o onde sabem que dói e haverá reatividade. Por exemplo, sem aviso prévio nem algo a acontecer, a mãe/pai narcisista é capaz de acusar o filho de ter um feitio difícil ou ser descompensado ou de quem se espera nada porque nada é o que sabe fazer, o que provoca uma reação imediata por parte do filho, a qual é usada para provar que afinal têm razão na acusação, que por sinal “é para o teu bem.”. O narcisista absolve-se de qualquer erro ou asneira justificando-se de maneiras que impossibilitam questionar o seu erro, obrigando o filho/a a um maior sentimento de culpa e a uma manipulação facilitada. Por exemplo, o filho pode afirmar que foi continuamente ignorado na infância, ou que a violência exercida pelo progenitor foi abuso e agressão injustificados, ao que a mãe/pai narcisista responde algo como “Falas de barriga cheia, sabes lá como era a minha vida na altura. Olha que pensei muitas vezes em pôr fim à minha vida.” Esta pessoa não precisa de perdão porque nunca errou tendo em conta as circunstâncias da altura.
- É uma pessoa invejosa. Quando a criança (mesmo que tenha 40 anos de idade, é sempre vista como criança) recebe algo inesperado (presente, convite para o teatro, prémio de funcionário do mês), a forma como a mãe/pai narcisista admira o que tenha sido oferecido ao filho/a é envolvido num tom de voz cheio de inveja ou ciúme. O tio que oferece uma esferográfica cara irá ter um reconhecimento do gesto por parte do pai/mãe narcisista do tipo “Estás com sorte meu filho, eu que ajudei o teu tio a acabar os estudos nunca recebi dele sequer um obrigado.” Esta inveja leva a que muitas mães narcisistas compitam com a filha na arena sexual, desde desvalorizando namorados de uma forma despudorada (“aposto que é uma nódoa na cama”, “Ai minha filha, namoras uma amostra de homem”) a uma concorrência activa (veste-se provocadoramente, faz olhinhos ao namorado da filha, critica o filho pelo seu mau gosto na escolha de namoradas, etc. O pai/mãe narcisista tentará destruir qualquer relação amorosa do filho/a, sem qualquer sentimento de culpa. Irá ainda interferir na educação dos netos, muitas vezes mascarando os seus gestos de desautorização do poder parental com carinho ou sentindo-se ofendido/a (“Já não posso dar um chocolate ao meu netinfo favorito, é?”).
- É mentiroso/a patológico/a. Sempre que fala, se for algo com importância para si mesmo/a, é praticamente garantido que estará a mentir. Mentir é a forma como a mãe/pai narcisista alimenta o conflito entre as pessoas à sua volta, retorcendo factos, dizendo a um filho que outro filho disse algo que efectivamente não disse, comentando algo que alguém fez mas que em realidade nunca aconteceu ou pelo menos não como é contado, falando acerca do tipo de relação que tem com outros e que não tem (adora fazer parte do circulo “chegado” da Drª X ou ser íntimo com o juiz Y ou ser prima afastada do presidente da associação de mentecaptos de aqui-vai-disto, desde que mostre que a sua vida social é melhor que a dos outros ou possui mais qualidade). Mente ao revelar aspectos da vida privada dos outros. Mente acerca da sua interminável generosidade e serviço em prol dos outros. O pai/mãe narcisista é muito cuidadoso nas mentiras. Sabe como mentir e a quem. A um filho ou cônjuge mente descaradamente, aprendeu a controlar as situações e a impor a sua “verdade” retorcida através de um tom de voz agressivo ou vitimizando-se. Aos que não lhe são próximos mente embelezando o que diz por forma a mais tarde, se confrontado, poder dizer que não foi bem compreendida, não era bem aquilo que queria dizer. É mesmo capaz de mentir por antecipação a uma outra mentira. Sabendo que o filho não irá querer ir passar o fim‑de‑semana com os tios, dias antes mente dizendo algo como “Os teus tios querem tanto ver-te. E como sei que também gostas deles disse-lhes que terias todo o gosto em ir visitá-los. Até passar o fim‑de‑semana com eles.” Um dia antes é capaz de afirmar que o filho disse o que efectivamente não disse. Mente ao afirmar que não se recorda de algo de que é acusado, mente ao retorcer qualquer erro seu do passado como tendo sido mal interpretado ou vitimizando-se e acusando outros de não reconhecerem as suas boas intenções. Em último recurso, quando não consegue escapar a uma acusação porque há várias testemunhas, elimina a necessidade de pedir desculpa ou assumir o erro acusando os outros de guardarem ressentimentos e viverem no passado. É mesmo capaz de mentir acusando a honestidade de mentira. Por exemplo, o filho pede autorização para ir lanchar com os amigos porque é o aniversário de um deles, a mãe/pai narcisista não dá autorização para uma tarde inteira na brincadeira sem estudar primeiro. Quando o filho responde que ele não precisa da tarde inteira, apenas hora e meia e é para lanchar, irá ouvir um “mas foi isso que eu disse, que hora e meia é muito tempo.” Basicamente, para estes adultos tudo é acerca deles, levam tudo a peito, nunca erram e nunca pedirão desculpa ou assumirão ter falhado. No pior dos piores cenários, em que a pessoa que os confronta é vista como autoridade e íntegra, afirmarão muitos “acho que”, “talvez”, “possivelmente”… Porque é sempre uma questão de ganhar ou perder.
- Tem que ser sempre o centro das atenções. Este é um traço comum a todos os narcisistas, mas no caso do pai ou mãe narcisista, a criança é usada para benefício pessoal do progenitor. Em casa é incutido na criança, de forma mais ou menos subtil, um sentimento de obediência e serviço para com o adulto. É exigido à criança que interrompa o que quer que seja que esteja a fazer para agradar à mãe ou pai narcisista (“Pedrinho, vai buscar um copo de água à mãe.”). Outras vezes isto é feito através da falsa promessa de afecto (“Nina anda ajudar o pai a regar o jardim para seres a menina mais linda da rua.”). Seja num jantar de família ou num velório, o pai/mãe narcisista tem que ser o centro das atenções. Ninguém conhecia o defunto tão bem, ou tinha histórias mais interessantes, ou viveu momentos mais intensos do que eles. À mesa tudo é motivo para ter a atenção de todos. Desde humilhar um filho por não ter lavado as mãos, castigar por não estar sentado à mesa na hora estipulada ou ainda não saber usar o garfo na mão esquerda, até o sentimento de injustiça porque ninguém notou a dificuldade na preparação do “coq au vin”, ou o que ficou a saber que alguém disse acerca da sua pessoa (o que muito provavelmente é mais uma mentira). Se se dedicar a alguma forma de voluntariado muito rapidamente chega a coordenador ou qualquer posição próxima da direção. É natural nestas pessoas, por exemplo, fazer voluntariado em prol de grupos desfavorecidos e aparecer vestidos de forma inapropriada, embora aparentem “não querer dar nas vistas”, o que é impossível visto serem pessoas tão generosas, inteligentes, bondosas, etc. Com o passar dos anos, a mãe/pai narcisista irá jogar a carta da “idade avançada” para alimentar o drama, sentimento de culpa e obediência dos filhos. Os seus lamentos irão desde um “Eu sei que irei terminar os meus dias abandonado num lar para idosos, depois de tantos sacrifícios que fiz pelos meus filhos”, até “um dia vêm visitar-me e encontram-me morta, estendida no chão da cozinha”.
- Manipula as emoções do/a filho/a para se alimentar do sofrimento criado. Esta atitude é descrita por muitos filhos de pais narcisistas como “vampirismo”. Muitas vezes esta atitude é uma manifestação de puro sadismo. O pai/mãe narcisista atormenta a criança repetidamente com uma narrativa que sabe magoar ou envergonhar a criança, ou algo que sabe que a criança receia (“A vida que eu teria se não tivesses nascido.” ou “Tantas noites mal dormidas para isto.” = ‘isto’ é tudo e qualquer coisa que não seja do agrado do progenitor). É capaz de contar uma história horrível, como morreu um tio ou a prima da vizinha, e depois rir-se da reação do/a filho/a, desvalorizando a história contada. É capaz de rir ao saber que o filho é vítima de bullying porque é “um mariquinhas”. É capaz de iniciar conversas acerca de temas que sabe que causam à filha mágoa ou sofrimento, apenas para voltar a ver o quanto sofre (“Sabes que o teu divórcio não tem a ver com o Carlos andar com a secretária, tu é que não sabias estabelecer limites.”). Tudo atitudes de vampirismo emocional, alimenta-se da dor que causa. O maior gesto deste tipo de comportamento é a auto-comiseração ou auto-vitimização, em que se transforma no mártir que ninguém ama, ou apoia, ou compreende, apesar do quanto se sacrifica em prol da família. Muitas vezes isto é feito a partir do sofrimento de outros (“O que posso fazer agora? O teu pai com um cancro em fase terminal e eu aqui só a cuidar de todos.”). Ou chora ao ver nas notícias a violação e morte de alguém desconhecido mas que poderia muito bem ser a sua filha.
- É egoísta premeditadamente. Certifica-se de ter sempre o melhor de tudo, para depois, abnegadamente, dar ao filho ou prima. É capaz de se queixar das dificuldades económicas da família e no mesmo dia comprar o tacho translúcido avant-garde que a vizinha já tem. Recorre à manipulação muitas vezes através de um pedido de desculpa que tem o efeito de fazer o filho/a sentir-se ainda mais culpado (“Que mãe sou eu que me esqueci do teu aniversário, andava tão preocupada com a tua irmã que estava com febre…”). Uma característica típica de qualquer narcisista é oferecer presentes que já não lhe são úteis (“Quero oferecer-te aquele cachecol que sei que gostas muito e já não me faz falta, comprei um novo ontem.”, “A tua avó ofereceu-me esta caixa de chocolates, podes ficar com eles que não gosto desta marca, e ainda por cima estou a fazer dieta.”). Ou oferece algo com um preço oculto que a filha/o só descobre mais tarde. É capaz de gastar um pouco mais para oferecer a bicicleta que a filha tanto deseja, e mais tarde espera que a filha faça uma série de recados, uma vez que agora já tem bicicleta. A maioria das vezes oferece algo que a criança não quer, não é bem o que quer ou simplesmente não é apropriado à criança (é capaz de oferecer um livro de histórias ao filho que ainda não sabe ler, ou uma boneca à filha que gosta de puzzles). Os filhos de pais narcisistas recebem com tensão qualquer presente a partir de uma certa idade (por norma no final da adolescência) porque sabem que mais cedo ou mais tarde haverá uma obrigação, retribuição, exigida associada ao presente. Um exemplo clássico é o de oferecer uma avultada quantia para que a filha/o possa comprar um apartamento e mais tarde ameaçar que se se mudar para outra cidade terá que devolver o dinheiro oferecido.
- O foco da sua atenção é ele/a mesmo/a. A suas necessidades, sentimentos, dificuldades são sempre mais importantes que as dos filhos. Os seus problemas exigem a atenção imediata do filho/a, já os problemas do filho/a são vistos como irrelevantes excepto se afectam a imagem pública do pai/mãe. Se fizer algo em benefício do filho/a, irá relembrar o feito com frequência, mesmo que tenha sido algo expectável de um pai/mãe (“Eras uma criança muito difícil, praticamente não dormi nos teus primeiros dois anos.”, “Corri os pediatras todos quando estiveste doente, ninguém me sabia dizer o que tinhas, sofri tanto…”). Perante uma situação difícil que afecta apenas a vida do filho/a, irá ignorar a mesma, muda de assunto ou, como último recurso, quando é acusado/a deste comportamento, reverte para uma narrativa de sacrifícios da sua parte, o quanto sofre por causa da situação que afecta o filho/a, ou apela aos sentimentos de empatia do filho/a (criando um sentimento de culpa), (“Queixas-te de barriga cheia, tiveste a vida facilitada, no meu tempo…”).
- Vive insanamente à defesa, sendo extremamente sensível a qualquer crítica. Se a filha a acusar de algo ou criticar costuma reagir com um acesso de raiva ou de mártir. Faz acusações infundadas, críticas destrutivas, justificações violentas, é capaz de agredir fisicamente a criança, castigar inapropriadamente (deixar a criança na rua ao frio, por exemplo, ou ameaçar matar-se, entregar o filho aos ciganos, dizer que provavelmente trocaram o filho no hospital quando nasceu, etc.). Haverá sempre agressão, física ou psicológica.
- Aterroriza. Para muitos agressores, o medo é uma ferramenta poderosa para controlar a vítima. A mãe ou pai narcisista recorre a esta ferramenta muito cedo, sem escrúpulos, na vida da criança. O pai/mãe narcisista ensina a criança a recear intensamente os seus acessos de raiva, mesmo quando não está presente. A única solução para a criança é viver num estado de constante vigilância e tentar agradar a tempo inteiro. A criança aprende que se der ao pai/mãe tudo o que ele/a lhe pede, será poupada à sua violência. Mesmo adulto, o filho/a de um pai/mãe narcisista sente medo (na forma de tensão muscular) quando não se comporta como é esperado. Um simples olhar frio e reprovador é suficiente para criar um medo cuja origem se perde no tempo. Nem todos os pais/mães narcisistas recorrem à violência contra a criança, embora sejam muitos os que o fazem. A agressão permite-lhes um tubo de escape perante o filho/a que não é a solução para o seu caos interno, ao mesmo tempo que lhe ensina a ter medo e a obedecer. Muitas vezes a violência física contra a criança é acompanhada de um sentimento de culpa e/ou vergonha que tenta impingir ao filho/a. Afirmações como “Dói-me mais a mim do que a ti”, “Isto é para o teu bem”, são ditas durante ou depois da agressão. Há ainda o pai/mãe narcisista que consegue conter a sua raiva durante horas ou dias, enquanto mentalmente vai arranjando justificações plausíveis para a agressão. A criança sente essa raiva a aumentar e sabe que irá ser agredida, só não sabe quando. Se a criança adoece, o ter que cuidar dela é um peso, uma frustração ou desespero porque a doença exige que o pai/mãe deixe de ser o centro das atenções. A violência também ocorre na forma de falta de proteção. A criança que é vítima de bullying e lhe é dito que aprenda a defender-se. Seja de que maneira for, o pai/mãe narcisista irá certificar-se que a criança, até ao fim dos seus dias, tenha medo de o/a contrariar e lhe faça todas as vontades.
- É infantil e mesquinho. Pais narcisistas têm muitas vezes comportamentos infantis, como por exemplo chorar ou amuar quando o filho/a não faz algo que querem (“Se gostasses mesmo da mãe… fazias-me companhia em vez de ir à festa de aniversário do Pedrinho.”). Se por acaso a criança magoa os sentimentos da mãe/pai narcisista, esta irá admoestar com sentimentos futuros de arrependimento (“Tu saberás a mãe que tens quando eu morrer.”). Todos estes comportamentos poderão soar anedóticos, mas o narcisista não está a brincar, é mesmo muito sério e definitivo. A vingança, ou “ficar por cima”, é um comportamento habitual destes pais. Por cada situação em que a criança não obedece, não se comporta como esperado, não tem em consideração os sentimentos ou desejos do pai/mãe narcisista, este irá vingar-se. Seja através de algo prometido que não acontece (a ida ao parque, o brinquedo, a sobremesa, será anulado para que a criança saiba quem manda em casa). O pai/mãe narcisista tem que se certificar que qualquer interação com o filho/a serve apenas para que ele/a se sinta com poder, merecedor/a de atenção e a única autoridade em casa.
- É agressivo/a e sem vergonha. Este tipo de pai/mãe nunca pede, exige. Com frequência exige do filho/a um comportamento adulto, assim como também é capaz de criticar a criança de uma forma agressiva que mesmo um adulto não consegue digerir. Jamais aceitará um “não” como resposta, questionando, acusando a criança de mentir, recorrendo à chantagem e manipulação até que a criança ceda. Este comportamento, como praticamente todos os anteriores, irá manter-se como base da dinâmica estabelecida com o filho/a até ao fim dos seus dias.
- Transfere a responsabilidade parental para a filha/o. Tão cedo quanto possível dá a entender que o filho/a é responsável pela sua vida emocional, por qualquer problema ou dificuldade que é natural na vida de qualquer adulto. Nega ao filho/a qualquer conforto ou alegria que não esteja também disponível para si. Uma festa de aniversário da criança será um momento de drama, ou nem sequer tem direito a essa festa, os amigos da criança não são bem-vindos em casa. Da mesma forma a criança não pode ir a festas dos amigos porque o pai/mãe não está disponível para a levar ou ir buscar. Se a criança consegue ganhar algum dinheiro com pequenas tarefas (cortar a relva dos vizinhos, distribuir panfletos etc.), ser-lhe-á dito que agora que ganha dinheiro pode muito bem comprar algum do material escolar. É capaz de exigir que a criança se ocupe de tarefas que são suas e inadequadas a uma criança (pedir à filha de 6 anos para descascar batatas, ou ao filho de 8 anos para lavar as janelas da casa, sabendo que são altas, havendo a possibilidade da criança cair e magoar-se). Quando a criança se torna adulta ser-lhe-á exigida responsabilidade pela vida do pai/mãe (desde pagar medicamentos até levá-la uns dias a passear).
- É explorador/a. Irá manipular a filha/o por forma a conseguir dinheiro ou bens que outros possuem e inveja. Se abrir uma conta poupança para a criança, ele/a será responsável habilitado/a a movimentar esse dinheiro. Chora e mostra-se mártir por forma a conseguir o que quer que seja do filho/a. Se se comprometer com o filho/a, facilmente rompe o compromisso a partir do momento que não lhe convém (“Eu sei que prometi dar-te os brincos da avó quando te casasses, mas como o teu marido não mostra respeito por mim não posso dar-te, compreendes?”). Por vezes agride a criança porque não recebeu a atenção que merecia (seja na repartição das Finanças ou no café), ou como aviso de algo pior (uma bofetada antes de sair de casa, para saber que se pedir alguma coisa em casa da tia…). É ainda capaz de se manter num casamento tóxico “por causa da criança”. Se a criança for abusada, seja sexualmente ou não, e se queixar ao pai/mãe narcisista irá ser acusada de mentirosa.
- Projecta aspectos seus na criança. O fenómeno da projeção (C Jung), em que vemos nos outros qualidades nossas, é aterrador na relação do pai/mãe narcisista com o filho/a. Em vez de assumir que é mentiroso/a, desonesto, falso, prefere ver esses atributos no filho/a. Por este motivo quando a criança se queixa é rotulada de mentirosa. A vergonha de sentir-se por vezes um produto danificado é projectado no filho/a como desajustado, esquisito, difícil ou impossível de aturar. A criança que insiste em não comer a sopa é uma afronta e um insulto, capaz de despertar uma fúria descontrolada. Gosta de afirmar, preferencialmente em frente a outros, “Quem te conhece que te compre” ou “Só eu é que sei quem és”. Afirmações que implicam uma diminuição da criança como ser humano.
- Nunca está errado/a seja acerca do que for. Não importa o que tenha feito, jamais irá assumir responsabilidade. De cada vez que estiver numa situação em que tem que pedir desculpa irá amuar, enfiar-se na cama com um problema qualquer de saúde, desculpar-se de maneira insultuosa para o filho/a, justificar-se de maneira a que a criança se sinta mal ou culpada, ou mesmo recorrer à chantagem e vitimização com o objectivo único de humilhar a criança. Afirmações como “Desculpa se te magoei, não sabia que eras tão mariquinhas”, “Desculpa se te fiz sentir imbecil, mas tu não bates bem do quinto andar”, “Desculpa, estava a brincar contigo”, “Tanto que faço por ti e ao mínimo deslize atacas-me”, e outras preciosidades em que jamais assumirá responsabilidade pelas suas palavras ou ações. Há pais/mães narcisistas que após agredirem fisicamente o filho/a exigem um pedido de desculpa.
- Parece não ter consciência que os outros têm sentimentos. A sua falta de empatia leva o pai/mãe narcisista a facilmente humilhar o filho/a publicamente. Não lhe ocorre por um momento ponderar qualquer possibilidade de ferir os sentimentos dos outros, sobretudo dos filhos. A ausência de empatia é uma das qualidades que define a pessoa narcisista. Ao contrário de um psicopata, o narcisista compreende a diferença entre o certo e errado, bom e mau, assim como causa e consequência. Agride o filho mas nunca ao ponto de o mesmo ir parar ao hospital ou chegar à escola com hematomas. Deixa a criança ao frio, molhado, ao ponto de se sentir infeliz e a não querer viver mas jamais deixa que chegue a um estado de hipotermia. Fecha o filho/a num pequeno compartimento às escuras, mas só por duas horas.
- A culpa é sempre dos outros. Sobretudo irá culpar o filho/a por tudo o que está errado na sua vida e por todas as decisões tomadas. Irá inclusive culpar o filho/a pela sua violência desmesurada. O filho é que o leva a um extremo, é difícil, problemático. A vida já estava mal e o filho só veio torná-la ainda mais difícil. Esta culpa é feita muitas vezes de uma maneira tão subtil que a criança sabe que o que o pai/mãe lhe fez está errado e no entanto não consegue evitar um sentimento de culpa. Um vizinho agride o filho do pai/mãe narcisista e este/a reage queixando-se de como o mundo está perdido e as pessoas não têm sentimentos. O namorado da filha termina a relação e o pai/mãe narcisista até compreende, afinal com aquele feitio difícil da filha, ou se ao menos deus pudesse passar o sofrimento da filha para ele/a. Irá ainda culpar a criança pelos seus acessos de raiva, violência ou infantilidade.
- Destrói os relacionamentos do filho/a. O pai/mãe narcisista age como um furacão, por onde passa deixa um rasto de destruição. Por norma qualquer forma de comunicação entre filho/a e progenitor é superficial (por forma a evitar um ataque, sentimento de culpa ou drama familiar), e no entanto quando a filha/o inicia um relacionamento amoroso isto é visto como uma afronta (deveria consultar o pai/mãe antes para opinar acerca do valor do futuro genro/nora), ou uma ameaça à sua posição de grandiosidade na família. A menos que o filho/a possua uma estrutura psicológica suficientemente forte para enfrentar as “crises”, ou o namorado/a seja alguém com uma boa inteligência emocional, toda e qualquer relação será de curta duração. O pai/mãe narcisista instiga a raiva, ressentimento, culpa e inveja no seio da família por forma a que não se consiga um consenso, capacidade de resolução de conflitos ou aceitação de novos membros. É ainda capaz de recorrer às queixinhas e ao “ouvi dizer” como arma de arremesso para impedir o filho/a de criar laços emocionais com um potencial parceiro/a. Esta é uma das poucas vezes em que é dito ao filho o quanto vale e é especial, em comparação com a pessoa que namora, que não merece alguém assim.
- Como último recurso transforma-se em alguém estúpido. Quando confrontado/a com toda a sua maldade e toxicidade é capaz de reagir com um choro inconsolável, uma lamentação apenas superada pela dor de Jesus Cristo na cruz. É tudo culpa sua, nada do que faz ou diz está certo, é uma pessoa má, não merece ser amado/a e não há maneira de corrigir os danos causados à família. Aquilo que jamais fará: assumir responsabilidade pelos seus actos e palavras. Mais uma vez é tudo à volta de si mesmo, do quanto sofre e é incompreendido/a, e a responsabilidade de todo e qualquer mal-estar é o filho/a egoísta que não consegue ver a boa intencionalidade das suas ações. Se o filho/a não pedir desculpa ou o/a fizer sentir melhor, será ele o mau da fita, a criança sem coração, insensível, sem qualquer empatia e que não é capaz de mostrar apreço por todos os sacrifícios feitos pelo progenitor.
- De uma só assentada o pai/mãe narcisista é capaz de:
- Mentir. Sabe que o que fez/disse é errado e que a reação do filho/a é razoável;
- Manipular. Consegue que o filho/a seja visto como o mau da fita por fazer frente à sua maldade;
- Ser egoísta. Não tem qualquer problema em fazer o filho/a sentir-se mal ou humilhado desde que consiga atingir os seus fins;
- Culpabilizar. Ele/a fez asneira, mas a culpa é da filha/o;
- Projectar. O seu comportamento infantil, malévolo e egoísta é descrito aos outros como sendo do filho/a;
- Encenar um drama de autocomiseração. É um/a mártir que esperava mais da filha/o mas infelizmente estava errada;
- Parentalidade invertida. O filho/a é responsável pelos seus sentimentos, embora o pai/mãe jamais assuma responsabilidade pelos sentimentos do filho/a.
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