A Biologia Do Presente

Ouço com frequência pessoas a afirmar que só seremos felizes mantendo-nos no momento presente. Se estivermos no presente, dizem estas pessoas, não temos problemas e a vida flui com harmonia.

Pensamentos tão lindos e simpáticos. Pergunto-me quantas destas pessoas conseguem de facto estar no presente... Como serão as suas vidas, sempre no presente? Sem ter que pensar em objectivos ou compromissos, nem em coisas que ficaram por fazer ou dizer... Deve ser uma forma de viver muito saudável.

Estas pessoas esquecem-se de um pormenor curioso: o cérebro humano.

O nosso cérebro é composto por dois hemisférios, direito e esquerdo, e enquanto o hemisfério direito vive no presente, é uno com a realidade e incapaz de distinguir entre o “eu” e o “tu”, já o hemisfério esquerdo trata de dividir, separar, criar a sensação de espaço e tempo, etc. Poderíamos dizer que enquanto o hemisfério direito do cérebro é o subconsciente, o hemisfério esquerdo é o consciente. E é o hemisfério esquerdo o responsável por nos ajudar a saber onde termino eu e começas tu. Ambos são importantes. Mas vivemos numa sociedade onde o hemisfério esquerdo impera desde tenra idade. Tem sido assim ao longo de vários milénios.

É bom que assim seja. Seria impossível viver nesta realidade se não fossemos capazes de nos distinguir uns dos outros. Já imaginou uma realidade onde não é capaz de saber onde terminam os seus dedos e começa a torneira? Ou uma realidade onde o passado, presente e futuro se manifestam em simultâneo?

Mas é isto que muitas pessoas ditas “mestres” nos pedem e impingem.

Pessoalmente já passei por momentos em que todo o meu ser estava no presente. Foram momentos de puro êxtase! Senti todo o Universo dentro de mim. Senti-me Deus. Jamais serei capaz de colocar em palavras as sensações que me avassalaram. Eu era tudo e todos. Deixei de saber o que era o “eu”. Não sabia onde o meu corpo terminava porque o meu corpo era o TODO. Imagine o momento do orgasmo, multiplique a sensação por cem mil e ficará com uma ideia daquilo que estou a dizer. Não será por acaso que muitas pessoas, no momento do orgasmo, exclamam “meu Deus”! É Deus presente e sentido no corpo físico.

Mas a nossa biologia humana é um pouco diferente. No dia-a-dia os nossos neurónios encarregam-se de relacionar dados, comparar informação e interpretar situações. Fá-lo viajando ao passado ou ao futuro. É assim que o cérebro funciona.

Viver na forma humana em êxtase continuo seria simplesmente impossível. Viver o momento presente, sem relacionar o que se está a vivenciar, sem os neurónios a interpretar, é ser-se simplesmente inumano.

Mas podemos aproximar-nos desta experiência de viver o momento presente. Integrando todas as experiências do passado. Recordando o passado, aprendendo o que cada evento do passado tem para nos ensinar e deixando partir qualquer ideia de sofrimento. Não é uma tarefa fácil e apenas os mais corajosos o farão.

De seguida temos que questionar as experiências à medida que vão ocorrendo. A pergunta que eu mais gosto de fazer, e que me ajuda a viver o momento, é simples: isto que estou a pensar é verdade?

Se for honesto comigo irei aperceber-me que a maioria das coisas que eu interpreto como sendo verdade não o são. A verdade é simples e libertadora. As nossas interpretações é que são complicadas e nos aprisionam.

Um exemplo simples: chego ao trabalho e um colega não me cumprimento. Posso pensar que ele está zangado comigo, que é mal-educado, que tem um feitio desgraçado, que tem problemas em casa, etc. A verdade? A verdade é que este colega simplesmente não me cumprimentou. Não tenho por que interpretar o seu comportamento.

Gosto especialmente de ouvir as pessoas que se queixam que outros são maus e criticam tudo e todos e não compreendem as pessoas à sua volta. Enquanto se queixam não se apercebem que estão a ser pessoas más, criticas e que não compreendem os outros. A verdade? Cada um é como é. As pessoas nunca serão como nós queremos que elas sejam mas apenas como elas são de verdade. E o mundo é um lugar muito mais colorido porque há pessoas boas, e pessoas queixinhas, e pessoas altruístas, e pessoas estúpidas, e pessoas bonitas, e pessoas mesquinhas. Sem uma destas pessoas o mundo seria incompleto. Em realidade, sem um destes aspectos presentes em mim, eu seria incompleto.

Quanto mais me estudo mais consciência tenho que tudo o que vejo nos outros está já em mim. Sempre que falo de outro é de mim mesmo que estou a falar. Tenho trabalho para várias vidas!
E a verdade é que todas as pessoas fazem o que fazem por um único motivo: a necessidade de amor! E como poderei eu amar os outros se ainda não aprendi a amar-me na totalidade por quem eu sou?

Ando por aqui, carregando ás costas um saco cheio de opiniões sobre como os outros deveriam ser, à espera que os outros mudem. E só eu posso mudar.

Termino com uma pergunta para reflectir, e que faço com frequência às pessoas que gostam de se queixar dos outros: quem é que precisa de Deus quando já temos a tua opinião?

Comentários

  1. nossa, adorei teu texto, poseria ter sido escrito por mim, parece que vc estava aqui, falando comigo. muito legal

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