A vergonha tóxica é alimentada inicialmente
nos relacionamentos que nos são importantes. Se não dermos qualquer valor a
alguém é muito pouco provável que aquilo que essa pessoa diga ou faça tenha
qualquer valor. Mas se os adultos mais próximos (pais e irmãos mais velhos) têm
um comportamento enraizado na vergonha, irão passar essa vergonha (intoxicada)
para nós. Não há qualquer forma de ensinar auto-estima a uma criança se o
próprio adulto não tem a experiência da auto-estima.
A vergonha tóxica atravessa
múltiplas gerações. As pessoas que carregam vergonha irão sentir atracção e
criar laços de intimidade com outras pessoas que também carregam vergonha.
Uma vez que cada um dos parceiros
numa relação amorosa transporte a sua própria vergonha, a relação terá as suas
raízes na vergonha. O resultado mais significativo desta união será uma falta
de intimidade. É muito difícil mostrar a totalidade que somos a alguém que nos
é importante, quando tentamos esconder a nossa vergonha, quando sabemos que
somos imperfeitos.
Os casais cuja relação está enraizada
na vergonha mostram a falta de intimidade através de uma comunicação
empobrecida, disputas constantes, jogos, manipulação, controlo, amuo,
culpabilização e confluência (concordam em agradar um ao outro
independentemente de existir respeito mútuo).
Quando uma criança nasce no seio
de uma família enraizada na vergonha, o seu futuro está já decidido. A função
dos pais é servirem de modelo. Este modelo significa ensinar como ser homem ou
mulher, como relacionar-se intimamente com outro, como reconhecer e expressar
emoções, como estabelecer fronteiras saudáveis com outros, como comunicar, como
lidar e viver com os desafios da vida, como ser auto-disciplinado, e como
amar-se a si mesmo e aos outros. Pais cuja origem seja a vergonha não poderão
ensinar nenhuma destas coisas. Simplesmente não sabem como fazê-lo.
As crianças precisam da atenção e
do tempo dos pais. Dar do seu tempo é parte do trabalho de amar alguém
incondicionalmente. Significa estar presente para a criança, dar atenção ás
necessidades da criança, em vez de prestar atenção ás suas próprias
necessidades.
O que vemos são pais a prestar
mais atenção ás suas necessidades que ás dos filhos. Ditam qual o comportamento
que esperam dos filhos, por exemplo. Ou estão no mesmo aposento que os filhos,
mas a dedicarem-se a algo que não interessa minimamente aos filhos.
Uma parte importante do trabalho
de amar (e trabalho significa tornar sagrado qualquer acção) é saber ouvir. As
crianças sabem muito bem quais as suas necessidades e irão transmiti-las aos pais
de maneira clara. Os pais precisam de saber ouvir. Isto exige um grau de
maturidade emocional acima da média. Para ouvir bem é imperativo que as
necessidades dos pais estejam todas preenchidas. As necessidades de um adulto
são como uma dor de dentes. Quando temos as nossas raízes feitas de vergonha
apenas conseguimos focar a atenção na nossa própria dor.
Pais com necessidades baseadas na
vergonha jamais serão capazes de responder de maneira apropriada ás
necessidades dos seus filhos. A criança é envergonhada sempre que tem uma
necessidade (seja de amor, atenção, afecto, etc.) porque esta irá colidir com
as necessidades dos pais. A criança cresce. E torna-se num adulto. Mas por
detrás da máscara de adulto há uma criança negligenciada com necessidades humanas
básicas de reconhecimento, amor incondicional, carinho. As crianças com estas
necessidades tornam-se insaciáveis. Possuem um buraco na sua alma criado por
mágoas esquecidas e uma dependência na aprovação dos adultos enquanto crescia.
Isto torna-a num adulto infantil. Nunca consegue ter o suficiente como adulto.
Falta sempre qualquer coisa que nem o próprio adulto sabe bem o que é. Um
adulto emocionalmente saudável sente-se satisfeito com a vida e com o que tem,
e sabe que tem que trabalhar mais para ter mais. Um adulto infantil nunca tem o
suficiente porque são as
necessidades da criança que não estão a ser preenchidas.
Quando dois adultos decidem
iniciar uma família, a vergonha será o alimento tóxico que irá germinar novas
vidas. As crianças irão crescer no solo da vergonha em vez de nos braços
nutritivos do amor.
As famílias cuja origem é baseada
na vergonha operam de acordo com as leis sociais impostas a partir do exterior.
Se o sistema social for disfuncional, rígido e fechado, a família irá fazer a
mesma coisa. Todos os indivíduos da família crescem envolvidos num transe que
dita aquilo que não deve nunca ser dito ou feito. A vergonha da família. Em vez
de prestarem atenção ás necessidades das crianças que crescem, estas famílias
prestam atenção ás regras da sociedade e o que outros poderão ou não dizer
deles.
Mais tarde as crianças irão
frequentar uma escola, e será a vez da escola adicionar mais vergonha tóxica à
alma. Ditando o que está certo e errado, e julgando o indivíduo em vez da
acção, ou misturando as duas por forma a tornar-se impossível para a criança
separar quem é daquilo que faz ou diz.
A criança tem uma boa nota e é
apontada pelo professor. Não é a criança que é boa, é a nota que tira que a
torna melhor que os outros. A criança que é “porquinha” porque se suja no
recreio. Não é o acto de se sujar que é criticado e a causa da vergonha, mas
antes a criança.
A proposta de preparação para
esta primeira parte do curso de educação emocional é simples: verificar na
lista abaixo quantas das situações apresentadas estão presentes na sua vida.
Permita-se chorar se sentir que é apropriado. Tente ainda permanecer um pouco
envolvido pelo que é dito e o que o seu corpo sente. Eu posso garantir-lhe que
antes do final deste primeiro trimestre todas as suas vergonhas deixarão de o
afectar de maneira negativa.
O que a Vergonha faz
Quando conseguimos libertar-nos
completamente das nossas vergonhas alcançamos uma paz de espírito em que nada
nem ninguém nos perturba. Deixamos de ter necessidade de ter razão ou de
apontar o dedo.
Para saber se já ultrapassou as
vergonhas incutidas na infância, deixo abaixo os efeitos de termos sido
envergonhados no passado.
1.
Os
adultos que foram envergonhados em criança têm muito medo de mostrar a sua
vulnerabilidade e receiam expor-se.
I.
Uma das formas que fazemos isto é tentando
agradar aos outros, e desta forma tornarmos as nossas necessidades reais
invisíveis. Tomamos a atitude de “quero lá eu saber” quando confrontados com
decisões pessoais.
2.
Os
adultos que foram envergonhados em criança podem sofrer de timidez e
sentimentos de inferioridade. Não acreditam que cometem erros. Acreditam antes
que SÃO um erro.
I.
Escondemos os nossos talentos, vivemos à custa
de outros, e receamos mostrar ao mundo a nossa criatividade e capacidade de ser
livres.
3.
Os
adultos que foram envergonhados em criança receiam a intimidade e tendem a
evitar relacionamentos íntimos. Têm um sentimento de que não precisam de outro
ou podem perder a sua liberdade se se envolverem numa relação íntima. Isto leva
a que nos relacionamentos, o adulto que foi envergonhado seja o que abandona a
relação, em vez de ser abandonado. Sente ainda atracção por aqueles que não
estão disponíveis ou criam um distanciamento através de um excesso de trabalho
ou outras actividades.
I.
É aqui que dizemos “já não tenho idade para
essas coisas”. Conseguimos egoicamente ter desculpas para os fracassos nos
nossos relacionamentos e são sempre os outros os responsáveis pelos fracassos
nas nossas relações.
4.
Os
adultos que foram envergonhados em criança podem aparentar ser superiores e
centrados em si mesmos, ou ainda mostrar que são altruístas. Estes últimos dão
o poder e o controlo da sua vida aos outros. Em ambos os casos há um sofrimento
interior enorme.
I.
Estes adultos foram envergonhados por sentirem
necessidade do apoio dos adultos quando ainda muito jovens. Quanto mais
independente a pessoa aparenta ser, maior terá sido a vergonha na infância.
5.
Os
adultos que foram envergonhados em criança sentem que não importa o que façam
nunca farão uma diferença na vida de outros. Sentem que não são merecedores de
ser amados e definitivamente insuficientemente bons.
I.
A criança que tinha preguiça de fazer os
trabalhos da escola e foi duramente criticada pelos pais. Quando faz os
trabalhos e os pais mostram afecto a criança crê que o afecto dos pais é pelo
trabalho feito e não por ela ser quem é.
6.
Os
adultos que foram envergonhados em criança encontram-se quase sempre na
defensiva mesmo em situações onde não há qualquer ameaça presente à sua
integridade. Sofrem sentimentos de humilhação profundos se alguém lhes faz
notar que cometeram um erro ou não fizeram um trabalho perfeito. Para um adulto
que passou por uma experiência de vergonha na infância, não há erros menores.
Ou se erra, ou não se erra.
I.
Estes adultos sentem-se com frequência
inadequados ou inaptos para a vida em sociedade. Quando cometem um erro, não
pensam “cometi um erro”. Em vez disso preferem pensar “Estou sempre a cometer
erros. Sou um erro.”
7.
Os
adultos que foram envergonhados em criança culpam outros antes que alguém os
possa culpar a eles.
I.
Podem, por exemplo, esquecer-se das chaves do
carro e, antes de dizer que o fizeram perguntam a quem esteja com eles “viste
as chaves do meu carro?”
8.
Os
adultos que foram envergonhados em criança podem sofrer de um sentimento de
culpa debilitante. São pessoas que continuamente pedem desculpa. Assumem total
responsabilidade pelo comportamento dos outros à sua volta.
I.
É o caso da mãe que apresenta um filho a alguém
e começa logo por pedir desculpa pelo comportamento do filho. Ou a pessoa que
aborda um estranho na rua para pedir informações e começa o diálogo com
“desculpe....”
9.
Os
adultos que foram envergonhados em criança sentem não pertencer na sociedade.
Um sentimento de solidão permeia todo o seu ser, mesmo quando se encontram
rodeados de pessoas que gostam deles.
I.
Quando uma criança corre para um adulto à espera
de um abraço e não o obtém, por exemplo. Quando um pai diz “deixa-me em paz”. O
sentimento de não ser merecedor é avassalador.
10. Os adultos que foram envergonhados em
criança projectam os seus sentimentos sobre quem são de verdade nos outros.
Dedicam-se a “adivinhar” o que os outros pensam de uma forma destrutiva.
I.
A pessoa que faz, ou não faz, algo porque já
sabe como os outros irão reagir, e será sempre uma reacção que lhes é
desfavorável.
11. Os adultos que foram envergonhados em
criança sentem-se com frequência enraivecidos e bastante críticos dos
comportamentos dos outros, sobretudo quando observam nos outros qualidades
negativas que sabem também possuir. Isto leva a uma necessidade de envergonhar
os outros, criticando e falando mal nas suas costas.
I.
Isto vê-se mais frequentemente nos
relacionamentos íntimos. O adulto começa a tomar consciência dos “defeitos” do
outro e inicialmente tenta modificá-lo, envergonhando-o.
12. Os adultos que foram envergonhados em
criança sentem-se feios, imperfeitos e com defeitos. Isto pode levar o adulto a
focar a sua atenção na roupa que veste, nas pessoas com quem se relaciona, ma
maquilhagem que utiliza, por forma a esconder os defeitos que vê em si.
I.
As pessoas que dão muito valor ao aspecto
físico, ás aparências. Estão atentas ás modas. E não gostam de se ver muito ao
espelho, a menos que tenham algo de valor acrescentado, como maquilhagem ou um
fio de ouro.
13. Os adultos que foram envergonhados em
criança sentem-se frequentemente controlados por coisas e pessoas exteriores a
si. Não têm respostas espontâneas. Sentem-se envergonhadas se expressarem
sentimentos naturalmente, como a alegria, o medo, a raiva, a sexualidade, a
brincadeira ou a criatividade. Um pensamento típico é “o que vão pensar de mim
se?....”
I.
Estes adultos foram criticados na infância por
serem autênticos. Sentiram-se rejeitados e humilhados.
14. Os adultos que foram envergonhados em
criança sentem que ou bem que fazem algo na perfeição ou não vale a pena fazer.
Esta crença leva a situações de ansiedade ou a deixar para amanhã o que pode
ser feito hoje.
I.
Estes adultos vão deixando de fazer o que
precisam de fazer para evitar fazer asneiras ou ser julgados por outros.
15. Os adultos que foram envergonhados em
criança têm as experiências mais severas de depressão.
I.
Isto sucede ou porque se culpam pelas acções de
outros (raiva direccionada contra si mesmo) ou a sua auto-estima é tão baixa
que sentem não serem merecedores de amor.
16. Os adultos que foram envergonhados em
criança mentem continuamente a si mesmos e aos outros.
I.
Quando as crianças são julgadas, criticadas e
envergonhadas pelas suas acções e escolhas, aprendem a mentir como forma de se
protegerem. Como adultos podemos mentir, por exemplo, no valor de um bem
adquirido.
17. Os adultos que foram envergonhados em
criança bloqueiam os seus sentimentos de vergonha através de comportamentos
compulsivos como o trabalho em excesso, problemas alimentares, necessidade de
fazer compras, jogos, relacionamentos virtuais ou sonhar acordado sem agir.
I.
As crianças sujeitas a situações de vergonha
aprendem a lidar com este sentimento dedicando-se a tarefas que as levem a
esquecer o mundo real. Fantasiam, ocupam-se de coisas onde não têm que pensar e
assim esquecem o sentimento profundo de vergonha.
18. Os adultos que foram envergonhados em
criança têm muitos amigos, mas não são capazes de um relacionamento íntimo
autêntico.
I.
Culpam os parceiros íntimos pelas suas próprias
falhas, sentimentos de culpa e inadequação. Tentam estar sempre acompanhados de
alguém com quem falar de outros de maneira depreciativa, por forma a abafar o
seu sentimento de vergonha.
19. Os adultos que foram envergonhados em
criança envolvem-se em processos de intelectualização e racionalização dos seus
comportamentos como mecanismo de defesa.
I.
Estes adultos são capazes de explicar tudo o que
fazem. As suas vidas acontecem nas suas cabeças.
20. Os adultos que foram envergonhados em
criança ficam amarrados em relações de grande dependência emocional e
financeira.
I.
Uma criança que é envergonhada na infância
aprende que não é autónoma. Torna-se dependente das acções, palavras e
sentimentos dos outros.
21. Os adultos que foram envergonhados em
criança têm pouco discernimento em relação ás suas fronteiras pessoais.
Sentem-se constantemente violados por outros. Criam fronteiras falsas com
frequência, baseadas no amuo, raiva, isolamento ou necessidade de agradar aos
outros. Se foram abusadas fisicamente, ou violadas sexualmente, também serão incapazes
de estabelecer fronteiras físicas, confundindo carinho e afecto com a
sexualidade. Daqui resulta uma necessidade constante de sexo ou a abstenção
quase total.
I.
Esta é mais uma forma de mascarar a humilhação
sofrida na infância.
É imperativo tratar as nossas
vergonhas antes que elas tratem de nós. De que maneira foste envergonhado na
infância? De que forma foste julgado, criticado ou humilhado? Se tinhas boas
notas, a atenção que recebias era pelas notas que tinhas na escola, ou era por
seres quem eras? Se tinhas um irmão que sobressaía, como aprendeste a lidar com
o ficar em segundo lugar na atenção dos teus pais? Qual é a maior vergonha que
escondes?
Estas são perguntas libertadoras.
Ao tomares consciência das vergonhas escondidas na sombra e ao ter a coragem de
falar abertamente de cada uma, estarás mais próximo do Eu Autêntico.
De que partes de ti ainda tens
vergonha? O que tens medo que outros descubram sobre ti e te cause vergonha? De
que forma a tua vergonha está a arruinar a tua vida?
Devido à vergonha o nosso ego
criou um sistema de defesa único: julgar os outros. Ao julgarmos os outros, ao
criticar e apontar o dedo, esquecemos temporariamente as nossas vergonhas. Este
é o motivo porque nem pensamos duas vezes antes de julgar os outros. E este é o
mecanismo que o ego utiliza para reforçar a ideia de separação. Estamos todos
separados uns dos outros, é a litania do ego.
Só quando me permito ver que sou
igual a todos aqueles que julgo e critico é que me permito crescer.
Esta é outra forma de descobrir
as minhas vergonhas: escrever sobre as qualidades negativas que vejo nos outros
e julgo. Começa a tornar-se um jogo divertido. Porque depois de trabalharmos as
nossas vergonhas ouviremos outros a queixarem-se de quem não está presente e
nós, conscientes, sabemos que é deles mesmos que estão a queixar-se. É aqui que
podemos começar a ajudar. Depois de curar os nossos sentimentos de vergonha.
Relacionamentos Vergonhosos
Abaixo ficam algumas das
características de qualquer relacionamento baseado na vergonha. Mais tarde
iremos descobrir como curar definitivamente este sentimento.
1. Perdemo-nos
completamente no amor do outro;
2. Quando
discutimos é como se estivéssemos a lutar pela própria vida;
3. Gastamos
imensa energia a adivinhar o que os outros pensam. Perguntamo-nos a nós mesmos
o que a outra pessoa estará a pensar ou sentir, em vez de perguntar
directamente à pessoa amada;
4. Sai-nos
muito caro o preço pago pelos poucos bons momentos da relação;
5. Quando
damos início à relação é como se assinássemos dois contractos, um consciente e
outro inconsciente (este último garante que iremos sofrer);
6. Culpamos
a outra pessoa e culpamo-nos a nós mesmos;
7. Desejamos
a separação e quando acontece queremos a outra pessoa de volta;
8. Sabemos
que a dinâmica da relação irá mudar, mas queremos que se mantenha inalterada
até ao fim;
9. Sentimos
com frequência que a outra pessoa controla o nosso comportamento;
10. Sentimos
uma atracção irresistível pelas qualidades positivas que vemos na outra pessoa
e que há muito rejeitámos em nós;
11. Com frequência
dedicamo-nos a fantasias que não envolvem a outra pessoa;
12. Procuramos
o amor incondicional da outra pessoa que não conseguimos obter quando ainda
crianças.
Para já é apenas importante que
comece a prestar mais atenção à sua relação. Se descubrir alguma destas
características não entre em pânico. Com tempo tudo se resolverá.
Se todas as vezes que nos dizem e acreditamos no que dizem, que nos provoca vergonha, medo e raiva, fizéssemos como o Ben Affleck aos comentários negativos sobre o filme Batman v Superman, então a vergonha seria muito nossa amiga.
ResponderEliminarObrigado Emídio Carvalho.
https://youtu.be/cwXfv25xJUw