Os efeitos da vergonha na infância


Quando conseguimos libertar-nos completamente das nossas vergonhas alcançamos uma paz de espírito em que nada nem ninguém nos perturba. Deixamos de ter necessidade de ter razão ou de apontar o dedo.
Para saber se já ultrapassou as vergonhas incutidas na infância, deixo abaixo os efeitos de termos sido envergonhados no passado.

1. Os adultos que foram envergonhados em criança têm muito medo de mostrar a sua vulnerabilidade e receiam expor-se.
1.1. Uma das formas que fazemos isto é tentando agradar aos outros, e desta forma tornarmos as nossas necessidades reais invisíveis. Tomamos a atitude de “quero lá eu saber” quando confrontados com decisões pessoais.

2. Os adultos que foram envergonhados em criança podem sofrer de timidez e sentimentos de inferioridade. Não acreditam que cometem erros. Acreditam antes que SÃO um erro.
2.1. Escondemos os nossos talentos, vivemos à custa de outros, e receamos mostrar ao mundo a nossa criatividade e capacidade de ser livres.

3. Os adultos que foram envergonhados em criança receiam a intimidade e tendem a evitar relacionamentos íntimos. Têm um sentimento de que não precisam de outro ou podem perder a sua liberdade se se envolverem numa relação íntima. Isto leva a que nos relacionamentos, o adulto que foi envergonhado seja o que abandona a relação, em vez de ser abandonado. Sente ainda atracção por aqueles que não estão disponíveis ou criam um distanciamento através de um excesso de trabalho ou outras actividades.
3.1. É aqui que dizemos “já não tenho idade para essas coisas”. Conseguimos egoicamente ter desculpas para os fracassos nos nossos relacionamentos e são sempre os outros os responsáveis pelos fracassos nas nossas relações.

4. Os adultos que foram envergonhados em criança podem aparentar ser superiores e centrados em si mesmos, ou ainda mostrar que são altruístas. Estes últimos dão o poder e o controlo da sua vida aos outros. Em ambos os casos há um sofrimento interior enorme.
4.1. Estes adultos foram envergonhados por sentirem necessidade do apoio dos adultos quando ainda muito jovens. Quanto mais independente a pessoa aparenta ser, maior terá sido a vergonha na infância.

5. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem que não importa o que façam nunca farão uma diferença na vida de outros. Sentem que não são merecedores de ser amados e definitivamente insuficientemente bons.
5.1. A criança que tinha preguiça de fazer os trabalhos da escola e foi duramente criticada pelos pais. Quando faz os trabalhos e os pais mostram afecto a criança crê que o afecto dos pais é pelo trabalho feito e não por ela ser quem é.

6. Os adultos que foram envergonhados em criança encontram-se quase sempre na defensiva mesmo em situações onde não há qualquer ameaça presente à sua integridade. Sofrem sentimentos de humilhação profundos se alguém lhes faz notar que cometeram um erro ou não fizeram um trabalho perfeito. Para um adulto que passou por uma experiência de vergonha na infância, não há erros menores. Ou se erra, ou não se erra.
6.1. Estes adultos sentem-se com frequência inadequados ou inaptos para a vida em sociedade. Quando cometem um erro, não pensam “cometi um erro”. Em vez disso preferem pensar “Estou sempre a cometer erros. Sou um erro.”

7. Os adultos que foram envergonhados em criança culpam outros antes que alguém os possa culpar a eles.
7.1. Podem, por exemplo, esquecer-se das chaves do carro e, antes de dizer que o fizeram perguntam a quem esteja com eles “viste as chaves do meu carro?”

8. Os adultos que foram envergonhados em criança podem sofrer de um sentimento de culpa debilitante. São pessoas que continuamente pedem desculpa. Assumem total responsabilidade pelo comportamento dos outros à sua volta.
8.1. É o caso da mãe que apresenta um filho a alguém e começa logo por pedir desculpa pelo comportamento do filho. Ou a pessoa que aborda um estranho na rua para pedir informações e começa o diálogo com “desculpe....”

9. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem não pertencer na sociedade. Um sentimento de solidão permeia todo o seu ser, mesmo quando se encontram rodeados de pessoas que gostam deles.
9.1. Quando uma criança corre para um adulto à espera de um abraço e não o obtém, por exemplo. Quando um pai diz “deixa-me em paz”. O sentimento de não ser merecedor é avassalador.

10. Os adultos que foram envergonhados em criança projectam os seus sentimentos sobre quem são de verdade nos outros. Dedicam-se a “adivinhar” o que os outros pensam de uma forma destrutiva.
10.1. A pessoa que faz, ou não faz, algo porque já sabe como os outros irão reagir, e será sempre uma reacção que lhes é desfavorável.

11. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem-se com frequência enraivecidos e bastante críticos dos comportamentos dos outros, sobretudo quando observam nos outros qualidades negativas que sabem também possuir. Isto leva a uma necessidade de envergonhar os outros, criticando e falando mal nas suas costas.
11.1. Isto vê-se mais frequentemente nos relacionamentos íntimos. O adulto começa a tomar consciência dos “defeitos” do outro e inicialmente tenta modificá-lo, envergonhando-o.

12. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem-se feios, imperfeitos e com defeitos. Isto pode levar o adulto a focar a sua atenção na roupa que veste, nas pessoas com quem se relaciona, ma maquilhagem que utiliza, por forma a esconder os defeitos que vê em si.
12.1. As pessoas que dão muito valor ao aspecto físico, ás aparências. Estão atentas às modas. E não gostam de se ver muito ao espelho, a menos que tenham algo de valor acrescentado, como maquilhagem ou um fio de ouro.

13. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem-se frequentemente controlados por coisas e pessoas exteriores a si. Não têm respostas espontâneas. Sentem-se envergonhadas se expressarem sentimentos naturalmente, como a alegria, o medo, a raiva, a sexualidade, a brincadeira ou a criatividade. Um pensamento típico é “o que vão pensar de mim se?....”
13.1. Estes adultos foram criticados na infância por serem autênticos. Sentiram-se rejeitados e humilhados.

14. Os adultos que foram envergonhados em criança sentem que ou bem que fazem algo na perfeição ou não vale a pena fazer. Esta crença leva a situações de ansiedade ou a deixar para amanhã o que pode ser feito hoje.
14.1. Estes adultos vão deixando de fazer o que precisam de fazer para evitar fazer asneiras ou ser julgados por outros.

15. Os adultos que foram envergonhados em criança têm as experiências mais severas de depressão.
15.1. Isto sucede ou porque se culpam pelas acções de outros (raiva direccionada contra si mesmo) ou a sua auto-estima é tão baixa que sentem não serem merecedores de amor.

16. Os adultos que foram envergonhados em criança mentem continuamente a si mesmos e aos outros.
16.1. Quando as crianças são julgadas, criticadas e envergonhadas pelas suas acções e escolhas, aprendem a mentir como forma de se protegerem. Como adultos podemos mentir, por exemplo, no valor de um bem adquirido.

17. Os adultos que foram envergonhados em criança bloqueiam os seus sentimentos de vergonha através de comportamentos compulsivos como o trabalho em excesso, problemas alimentares, necessidade de fazer compras, jogos, relacionamentos virtuais ou sonhar acordado sem agir.
17.1. As crianças sujeitas a situações de vergonha aprendem a lidar com este sentimento dedicando-se a tarefas que as levem a esquecer o mundo real. Fantasiam, ocupam-se de coisas onde não têm que pensar e assim esquecem o sentimento profundo de vergonha.

18. Os adultos que foram envergonhados em criança têm muitos amigos, mas não são capazes de um relacionamento íntimo autêntico.
18.1. Culpam os parceiros íntimos pelas suas próprias falhas, sentimentos de culpa e inadequação. Tentam estar sempre acompanhados de alguém com quem falar de outros de maneira depreciativa, por forma a abafar o seu sentimento de vergonha.

19. Os adultos que foram envergonhados em criança envolvem-se em processos de intelectualização e racionalização dos seus comportamentos como mecanismo de defesa.
19.1. Estes adultos são capazes de explicar tudo o que fazem. As suas vidas acontecem nas suas cabeças.

20. Os adultos que foram envergonhados em criança ficam amarrados em relações de grande dependência emocional e financeira.
21.1. Uma criança que é envergonhada na infância aprende que não é autónoma. Torna-se dependente das acções, palavras e sentimentos dos outros.

21. Os adultos que foram envergonhados em criança têm pouco discernimento em relação às suas fronteiras pessoais. Sentem-se constantemente violados por outros. Criam fronteiras falsas com frequência, baseadas no amuo, raiva, isolamento ou necessidade de agradar aos outros. Se foram abusadas fisicamente, ou violadas sexualmente, também serão incapazes de estabelecer fronteiras físicas, confundindo carinho e afecto com a sexualidade. Daqui resulta uma necessidade constante de sexo ou a abstenção quase total.
21.1. Esta é mais uma forma de mascarar a humilhação sofrida na infância.

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