Eu
valido a minha existência através das histórias que me conto acerca de quem
sou, de quem fui, de quem quero ser. Sem estas histórias não há um eu, há
apenas vida a viver-se, momento a momento. Vida alegre, vida triste, vida
ansiosa, vida preocupada, vida eufórica. Vida.
Acredito
em vidas passadas como acredito no dia de ontem. Ontem existiu, sim. Mas existe
agora? E se não existe agora, qual o benefício, para mim, de trazer ao presente
algo que já não existe? Talvez para validar esta história de quem eu sou e de
quem os outros são.
Recordo
como ontem tu me ofereceste uma caixa de chocolates, conto a história do quanto
tu me amas, e hoje eu aproximo-me de ti. Digo-te que te amo. Este “amo-te” é o
amor dos romances, condicionado por feitos ou palavras. Não é amor no sentido
da vida, no sentido de “tudo-incluído”.
Recordo
como ontem estavas em silêncio e a não querer partilhar o teu dia comigo, e
conto-me a história que já não me amas. E assim consigo, neste momento, que é o
único real, ausentar-me de ti.
E
este movimento de afastamento ou aproximação não passou de uma história acerca
de ontem, que não existe agora.
Com
as vidas passadas acontece exactamente o mesmo. Ou seja, a necessidade de
contar uma história para explicar porque me aproximo ou afasto de ti. Em
realidade aproximo-me ou afasto-me de uma história.
Se
eu apenas te amo quando tu te comportas como eu quero que te comportes, isso
não é amor, é um jogo de interesses. E quando não te comportas como eu quero,
conto uma história acerca do passado.
Digo
que te amo se tu fores meigo, atencioso, presente. Mas só quando eu precisar,
ok? Porque há alturas que eu quero ficar só comigo, a chafurdar em histórias de
um passado que já não existe.
A
nossa loucura acerca do passado é tal que procuramos formas de a alimentar. Recordo
como eu alimentava o passado ouvindo música deprimente, lendo romances de faca
e alguidar, ou visitando mentalmente situações do passado que não estavam a
acontecer.
Amar
alguém porque se comporta como queremos não é amor: é acreditar num regime
ditatorial.
Quando
afirmo que o amor é todo-inclusivo refiro-me a amar a criança que faz birra, e
a respeitar essa birra. É amar o pai alcoólico, a mãe ausente, o patrão
ganancioso, a tempestade que me impede de ir trabalhar, a doença que me leva ao
hospital onde médicos e enfermeiros cuidarão de mim tanto quanto são capazes. Isto
é amor.
O
resto? O resto são histórias de um passado que já não está aqui, ou um futuro
que também não existe.
Usamos
as vidas passadas, incluindo a de ontem, para justificarmos algo tão surreal
como uma escolha. Não escolhemos, tal não é possível. Acreditamos que sim, que
fazemos escolhas “conscientes”. Em realidade contamos uma história e a escolha
faz-se a partir da história em que acreditamos, raramente a partir do momento
presente.
Entre
duas pessoas, amor é algo tão simples como isto: eu amo-te porque me faz sentir
bem amar-te, e não sei porque te amo.
Ah,
consegues sentir a liberdade?
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