Regra
geral dois adultos começam uma relação íntima devido a carências afectivas.
Sinto-me só e na ausência de afecto, e como não gosto da minha companhia,
procuro alguém que preencha esta ausência. Posso ter um trabalho, posso ter
comida para comer, água para beber, uma cama para dormir, amigos com quem sair,
mas falta-me o carinho, a intimidade. E o sexo, claro.
Então
a necessidade de preencher esta carência afectiva torna-se o aspecto mais
importante na minha vida. Como se a minha vida só pudesse funcionar
harmoniosamente depois de partilhá-la com outro que me dê carinho, afecto,
sexo. O trabalho, a comida, os amigos,
passam todos para segundo plano.
Eventualmente
surge alguém especial. Alguém com exactamente as mesmas carências afectivas.
De
início a relação funciona bem, porque o outro torna-se o aspecto mais
importante da minha vida. E o oposto também ocorre. O outro torna-me o aspecto
mais importante da sua vida.
O
que acontece a seguir é o que acontece quando passamos dois dias sem beber
água. Sedentos e prestes a entrar em delírio. Alguém oferece-nos uma garrafa de
água. De repente esta garrafa é o que há de mais importante na minha vida. Mas
só até ficar saciado. Uma vez a sede mitigada, a garrafa passa a ser algo
secundário, menos importante. Lembramo-nos da sede anterior e temos algum
receio de perder a garrafa de água. Mas já não temos sede! Sentimo-nos
satisfeitos e podemos ocupar-nos de outros aspectos da nossa vida, como o
trabalho ou os amigos ou a limpeza da sala. Porque sabemos que quando voltarmos
a sentir sede há uma garrafa de água mesmo ali ao lado.
Num
relacionamento acontece o mesmo. O outro vem saciar a nossa sede de afecto. Nós
fazemos o mesmo ao outro. Tornamo-nos muito importantes um para o outro. Mas só
até estarmos saciados. Uma vez saciados, o outro passa a um plano secundário.
Há que dar importância ao trabalho, aos amigos, hobbies, televisão. Porque
sabemos que o outro está ali ao lado da próxima vez que tivermos sede de
afecto.
Antigamente
este esquema funcionava relativamente bem. Não havia Tinder®
nem Grindr® nem outras aplicações fabulosas que enchem a memória dos
telemóveis.
Como
hoje temos toda uma tecnologia que “aproxima” as pessoas, conhecemos alguém num
momento de carência afectiva, envolvemo-nos até ficar saciados, passamos o
outro para segundo plano e se o outro não compreende que há coisas mais
importantes que uns afectos então damos início ao processo de apontar falhas e defeitos
até que o outro se afaste (estava muito carente, era um cromo, colava-se como
uma lapa, etc.). E da próxima vez que voltemos a sentir esta carência de afecto
remediamos a coisa numa aplicação do telemóvel.
Manter
uma relação a longo prazo exige primeiro que tudo tornar o outro o aspecto mais
importante da nossa vida. É um trabalho a tempo inteiro. Aquilo que fazemos no
início da relação? É para fazer até ao dia que quisermos terminar a relação.
Já
agora, conhecem alguma aplicação que seja mais eficiente a encontrar alguém
carente como eu? Mas só para esta manhã, que à tarde já tenho a agenda
preenchida.
NB. O
que escrevi não se aplica a toda a população mas apenas a uma grande,
grande maioria da população (auto-excluo-me, obviamente)
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