As Notícias

Em primeiro lugar, pessoalmente sou a favor do distanciamento social e do isolamento, nesta notícia do covid-19.

Este artigo é apenas uma análise de como as notícias são muito mais um desserviço do que um meio de informação. Para esta análise irei pegar na grande notícia do momento a nível mundial: a pandemia provocada pelo covid-19.

As notícias falham sobretudo devido a três factores: não contextualizam a informação, não permitem um espaço para a reflexão, e não apontam qualquer resolução perante uma situação de conflito ou perigo. 

Abrir um noticiário, com um tom de voz grave a anunciar “33 mortes em Portugal até ao momento causadas pelo covid-19” é sensacionalismo puro. É uma forma de semear o pânico, o terror e a instabilidade social. Tal como as religiões, é uma forma de dizer “quem fica em casa é contra quem não fica em casa”, “nós contra eles”. Isto é perigoso em termos de manter uma estrutura social coesa e colaborativa. O ser humano, quando faz asneira, aprende e corrige-se mais facilmente através de um melhor conhecimento das suas falhas e efeitos produzidos nos outros do que através de uma simples acusação. Se dissermos a quem quer que seja que está a ser estúpido, essa pessoa agora é forçada a provar que não o é. 
Esta notícia poderia ser divulgada de outra forma. “Em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística, morrem em média, todos os meses, 400 pessoas devido a pneumonias de origem bacteriana. Desde o início da pandemia do covid-19 morreram 33 pessoas.” - isto é contextualizar. Poderia este serviço noticioso ir mais longe e informar que de momento não há um tratamento para a pneumonia provocada pelo covid-19, pelo que a melhor solução é o isolamento social. Notem que em vez de dizer que o covid-19 mata, dizer que ainda não há um tratamento seria muito mais produtivo. 
Por outro lado sabemos que a melhor forma de um grupo se tornar imune a um vírus é através da exposição ao mesmo. Isto deixa-nos numa situação periclitante. Por um lado ganhamos imunidade ao expormo-nos ao vírus, por outro lado não há tratamento e não sabemos quem reúne as condições físicas para superar o ataque viral. 

Aqui entra a parte da reflexão. Vamos ponderar, mantendo-nos isolados uns dos outros. E nesta ponderação poderemos descobrir muita matéria interessante. Deixo aqui apenas algumas das minhas descobertas feitas em isolamento nos últimos dias.

  1. Ao longo da história da humanidade houve muitas pandemias, esta é mais uma. As pessoas que adoram teorias de conspiração, por favor notem que esta pandemia não é uma novidade. Houve outras antes;
  2. Quando nos é diagnosticado um cancro, ou uma doença potencialmente fatal, o nosso organismo entra em modo de sobrevivência e utiliza todos os seus recursos para destruir a causa da doença. O Planeta Terra, enquanto organismo vivo, terá o mesmo comportamento;
  3. No presente, a humanidade, todos nós sem excepção, estamos a comportar-nos como um cancro, querendo mais e mais, nunca satisfeitos, não olhando a meios para atingir fins, e, de uma maneira geral, destruindo o nosso próprio habitat;
  4. O Planeta, enquanto organismo vivo, activou as suas defesas, neste caso através de um vírus a que chamamos covid-19. Pessoalmente considero golpe de génio. Basta observar a redução nos níveis de poluição, no tempo livre que de repente temos para repensar a nossa vida e decidir o que realmente é uma prioridade e importante, começarmos a dar importância às pequenas coisas que antes ignorávamos, e descobrimos que há muita coisa na nossa vida que é apenas excesso de bagagem;
  5. Somos obrigados a reflectir sobre a nossa mortalidade. Alguns de nós, levados na onda de pânico, falamos da morte como se fosse uma novidade. “Ah! Foda-se! Afinal sou mortal e a minha vida pode acabar a qualquer momento!” - A sério ?! Não sabiam disto? Cada dia que vivemos é um milagre. São tantas, mas tantas, as coisas que podem pôr um fim à nossa vida diariamente. Foi preciso um vírus para nos despertar para esta coisa da mortalidade;
  6. Ninguém quer morrer. Isto é um absoluto disparate. A única coisa que é garantida quando nascemos é precisamente a nossa morte. A nossa fragilidade. E se vivermos cada dia como sendo o último neste planeta? Talvez nos tornássemos pessoas melhores, mais atentos uns aos outros, mais colaborativos;
  7. Saber-me mortal, saber que este corpo pode não ter vida ao final do dia de hoje leva-me a ponderar acerca das minhas escolhas. Por exemplo, escolho não ir para a aldeia para junto dos pais, a ideia de os poder infectar é algo com o qual talvez não saiba lidar. Isto leva-me a pensar que participo no isolamento social não pelo medo de ser infectado ou morrer, mas pelo respeito à vida dos outros;
  8. Pessoalmente este corpo tem um sistema imunitário que de momento é bastante frágil. Isto leva-me a viver em paz cada dia sabendo que pode ser o último neste maravilhoso planeta. Leva-me a amar este corpo por manter-se vivo, só por hoje;
  9. A possibilidade de não estar vivo amanhã pode levar-nos a ser amáveis com os que nos rodeiam, a ser mais cuidadores, a esquecer as nossas birras infantis e a ser adultos que sabem mimar e cuidar e divertir-se também (se alguém tiver um Sancerre aí por casa que não precise, eu mando um Uber buscar);
  10. Enquanto espécie somos demasiados e o planeta não tem, no presente, recursos para sustentar a vida humana. Cada ser humano que morre é uma ajuda para a saúde do planeta. Esta é difícil de digerir, estou consciente disso. Por outro lado, e como pessoalmente estou em paz com a minha mortalidade, se tiver que ser um dos que deixa o planeta para que gerações futuras tenham uma vida melhor, que assim seja.

O problema das notícias é que não educam. Tentamos controlar as massas através do medo, como sempre se fez ao longo da história. E a história tem este hábito de se repetir até aprendermos. Talvez fosse possível controlar as massas sem a necessidade de as controlar, mas antes educando-as. A educação é fundamental. Tornámo-nos numa espécie tão perversa que pagamos mais a pessoas que nos entretém, desde jogadores da bola a actores de cinema, do que aqueles que realmente contribuem para o bem-estar da sociedade, como os professores e cientistas. 

Uma última reflexão, dirigida a todo o movimento de desenvolvimento pessoal e auto-ajuda que tem vindo a ganhar terreno. Esta é uma excelente oportunidade de aprender que frases feitas como “tu és capaz”, “nada é impossível”, “segue os teus sonhos”, são em realidade apelos ao consumismo desenfreado, a um desrespeito total pelos outros, a um egoísmo doentio em que não se considera a vida no seu todo. Seria mais saudável, como qualquer professor poderia explicar, que às vezes somos capazes e às vezes não somos. Por vezes conseguimos realizar os nossos sonhos, e por vezes não (e são mais as vezes em que não conseguimos). Aprender que acreditar que podemos controlar a vida é uma ilusão criada pela mente egóica e doente.

Por fim vamos olhar para a resolução das notícias, que não existe de momento. 
No caso do covid-19, seria excelente terminar qualquer notícia com informação acerca dos avanços que cientistas estão a fazer, como podemos reforçar o sistema imunitário. O nosso sistema de defesa pode ser fortalecido com alimentos, com boa disposição, alegria, anedotas, serenidade. Em vez disso, as notícias alimentam-nos com medo, pânico e ansiedade.

Há um quarto problema com as notícias, e que com a ajuda das redes sociais, se torna mesmo destrutivo. O excesso de informação. Somos bombardeados com muita, mesmo muita informação, desde o velhote na Suazilândia que matou os filhos até ao último disparate do presidente dos Estados Unidos. Como não processamos esta informação e nos limitamos a “engolir”, o nosso cérebro entra em modo de ansiedade e sobrevivência muito facilmente. O modo de sobrevivência por longos períodos de tempo inibe o sistema imunitário. 

Termino com o ditado oriental com o qual vivo há uns três anos.
“Sabendo tu que a tua morte é inevitável, e sabendo ainda que o dia da tua morte é desconhecido, o que realmente é importante hoje?”

Mimem-se.

Comentários

  1. Emidio adorei este artigo. Como smp consegues dar voz aos meus pensamentos e dar sentido aquilo que aparentemente nao o tem. Contigo aprendi isto...estar bem com a minha condiçao humana. Sou falivel, fiz merda, ainda vou fazer mais e um dia vou morrer. Obrigada pelo teu contributo neste mundo que esta a pedir transformaçao. Um gnd beijo. Ana

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    1. És um doce! Só falta descobrires-te na doçura, e acredito que o estás a fazer. Beijufas mil

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  2. Emídio o planeta não se pode livrar de ti tão cedo 🙏 Brilhante,tranquilizante,clarificante. Ai as saudades da Escola de Verão e de questionar, acalmar, perceber isto que se chama de vida...

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    1. Bem-hajas, Susana. A realidade é que não nos ensinam a questionar a realidade, aprendemos a viver a partir do medo, motivados pelo medo e com medo do medo. Vemos as notícias mas sem a capacidade de analisar o que é transmitido. E isto deixa as pessoas confusas, ansiosas, tristes e enraivecidas. Quanto à Escola de Verão, este ano há uma forte probabilidade de ser em território nacional :) Bjinhos mil

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