Uma boa comunicação implica saber ouvir

Nos nossos dias a humanidade, nos países ocidentais, encontra-se muito mais dividida, a compreender-se menos. Temos todos uma opinião formada sobre qualquer assunto e sentimo-nos facilmente ofendidos quando outros têm opiniões diferentes das nossas. Em vez de ouvirmos os que nos rodeiam, seja um pai, filha ou amigo, tentamos impingir a nossa versão da realidade como se se tratasse da mais pura verdade. A realidade nunca precisou de ser defendida. Ninguém tem necessidade de defender a cor do céu ou o estado líquido da água. O problema surge quando se trata de interpretar a realidade. Um exemplo simples: dois seres humanos agridem-se e insultam-se. Até aqui é provável que o/a leitor/a pense apenas que isto é um comportamento inapropriado. Mas se acrescentarmos alguns detalhes, irá formar uma opinião, mesmo não sabendo os motivos nem o contexto do conflito. Um polícia agride um homossexual. Um homem caucasiano agride um negro. Um casal agride-se mutuamente. 

Então, antes de tentar estabelecer uma comunicação eficiente e produtiva com outro ser humano seria um bom começo observar algumas regras básicas (embora por vezes difíceis devido à forma como somos educados).


  1. Para comunicar é importante parar todas as actividades, incluindo olhar para o telemóvel, ver as horas, olhar para a televisão, etc. Fica presente para a outra pessoa a cem por cento. Este não é o momento para pensar na discussão de ontem à noite, ou no que vais cozinhar mais tarde. Se o tema da conversa não te interessar, abandona-a. É melhor abandonar uma conversa que não nos interessa do que ficar enquanto pensamos nas mil maneiras de ganhar um argumento.
  2. Não assumas que a razão está toda do teu lado. Se queres ter razão, publica algo no facebook ou outra rede social e bloqueia os comentários. Não há nada pior numa conversa do que estar frente a alguém que já sabe e tem razão. Sobretudo alguém que eleva o tom de voz para mostrar o quanto está certo. Estas pessoas são tão previsíveis que o tédio ou a revolta destroem a comunicação. É importante comunicar a partir de um espaço em que assumimos que temos algo a ensinar e algo a aprender. Se a pessoa com quem tentamos comunicar sentir que está a ser julgada, que a sua opinião não conta, é pouco provável que nos fale do seu mundo, da sua realidade. Parte do principio de que cada pessoa que encontras sabe algo que tu não sabes.
  3. Levanta questões abertas que permitam ao outro falar da sua experiência. Quem, como, onde, o quê e porquê. Evita perguntas complexas ou longas. É provável que a outra pessoa se canse, perca o rumo da questão ou fique entediado. Há uma diferença enorme entre perguntar “Doeu muito a extração do quisto?” E perguntar “Como foi para ti a experiência da extração do quisto?” - na primeira questão vais ter um sim ou não. Na segunda o interlocutor irá revelar a sua experiência.
  4. Deixa que a conversa flua naturalmente. Irão surgir outros pensamentos na tua mente, deixa-os ir. Irão surgir outros temas na tua mente, deixa-os ir também. Já vi pessoas a perguntarem-me sobre a minha experiência com a morte de um amigo e antes de eu terminar interrompem o meu discurso com a novidade da Maria e do Manuel que se vão casar para a semana. Mantém-te presente para o tema, não cries diversões ou temas alternativos. Quando interrompemos alguém no seu discurso isso significa muito simplesmente que não estávamos a ouvir. Durante uma conversa é natural que surjam várias histórias e situações do passado, deixa-as ir da mesma forma que surgiram, sem fazer nada. Interrompe o discurso do outro, sim, mas apenas para saber um pouco mais ou ficar melhor elucidado. “Conta-me mais” ou “E depois?…” São perguntas que revelam o teu interesse no discurso do outro.
  5. Se não souberes algo, ou não compreenderes, informa a outra pessoa que não sabes ou não compreendes. Não inventes. Se não tens formação adequada em filosofia não finjas compreender a expressão de misantropia cartesiana. Se não sabes como o fígado funciona e quais as suas funções, não discutas hábitos alimentares ou medicação inadequada. Se o que sabes tem como fonte original um video no Youtube ou uma publicação no facebook, a probabilidade de estar errada é superior a noventa por cento (Pew et al, 2017). Enquanto comunicas recorda que apenas aprende a pessoa que sabe que não sabe. A que já sabe não aprende, tona-se arrogante e um verdadeiro tédio.
  6. Nunca assumas que as experiências dos outros são idênticas às tuas. Raramente o são. Se alguém está a falar acerca da perda de um filho, só porque tu perdeste o teu cachorro não significa que sabes o que a outra pessoa está a experienciar. Mesmo que também tenhas perdido um filho, não sabes o que o outro está a sentir. Não sejas condescendente. Se alguém referir o quanto odeia o seu trabalho, falares que não suportas o teu chefe não é a mesma coisa. Cada ser humano tem uma experiência única, a sua. Deixa que a conversa seja acerca do outro ou do tema que estão a falar, e não a transformes em algo pessoal acerca da tua pessoa.
  7. Tenta não te repetir. Isso significa condescendência e assumir que o outro não tem a capacidade de compreensão necessária à conversa. A repetição é aborrecida, enfadonha, frustrante. Se alguém te responde um “não”, aceita a resposta, não há qualquer necessidade de repetir a questão. Repetimo-nos sobretudo quando estamos errados, muitas vezes com desconhecimento de causa e inconscientes da realidade, e queremos à força que o outro aceite o nosso ponto de vista como sendo mais válido. E se aumentarmos o volume, então definitivamente estamos errados e sem a mínima ideia acerca do assunto que se discute.
  8. Evita os detalhes. As pessoas não estão assim tão interessadas no nome ou data ou cor do casaco. Os detalhes matam qualquer conversa. Não tens que te recordar do nome do atleta que venceu os 100 metros nas olimpíadas de Barcelona, a outra pessoa estará muito mais interessada em ouvir a tua experiência de estar presente no evento. Nós não estamos interessados tanto nos detalhes como na pessoa e na sua experiência singular. 
  9. Ouve. Ouve. Ouve. Não aprendemos o que quer que seja enquanto falamos, e  a probabilidade de dizer asneira aumenta exponencialmente. Enquanto falamos não aprendemos. Ficamos sem saber acerca do outro, das suas experiências, do seu conhecimento, da sua vida. Da mesma forma, se enquanto falas o outro interromper, é um sinal de que não te está a ouvir e nesse caso é melhor ficar calado. O problema é que preferimos falar a ouvir porque enquanto falamos acreditamos ter o controle da conversa. Em realidade estamos a dizer “não estou interessado no que tens a dizer, o que eu tenho para dizer é muito mais importante”. Quando interrompemos o outro estamos a afirmar que queremos ser o centro das atenções e o centro do universo. O nosso cérebro consegue a proeza de dizer uma média de 225 palavras por minuto, e ouvir 500 palavras por minuto. Isto significa que enquanto o outro fala nós estamos a preencher os intervalos das suas palavras com o nosso discurso interno.


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