Uma sociedade de ansiedade



Estamos a construir uma sociedade ansiosa e deprimida. Isto é um facto. A venda de antidepressivos e ansiolíticos aumentou 300% nos últimos 10 anos em Portugal.


Há hábitos essenciais a um funcionamento adequado do nosso sistema nervoso, e caso esses hábitos não sejam praticados, o nosso cérebro possui formas de alerta que, mal compreendidas, nos empurram para a depressão ou ansiedade crónicas.


Biologicamente o nosso corpo está formatado para o movimento, ação física, contacto com a natureza, a socialização presencial, e adormecer de acordo com a diminuição de estímulos visuais e sonoros.


Produzimos naturalmente serotonina (um neurotransmissor, também apelidada de molécula da felicidade, parcialmente responsável por regular o nosso humor, sono, apetite, ritmo cardíaco  e a  temperatura corporal) de uma forma saudável quando caminhamos na natureza. Já há estudos científicos que demonstram que o simples caminhar na natureza 40 minutos 3 vezes por semana reduz os sintomas da depressão tanto quanto um antidepressivo (no estudo comparou-se com a sertralina). Uma diminuição dos níveis de serotonina provoca um aumento de respostas violentas a situações banais, aumenta a ira, agressividade, dificuldades no sono e na empatia, assim como acelera os processos de osteoporose.


A molécula do amor, ocitocina, é produzida sobretudo em situações sociais, quando tocamos fisicamente outro ser humano com carinho, abraçamos, beijamos. Este neurotransmissor é responsável por criar laços emocionais com outros, diminui a ansiedade, diminui o aparecimento da osteoporose, regula o ritmo cardíaco, melhora a qualidade do sono, diminui os sintomas associados ao medo e actua de forma a diminuir os efeitos danosos do stress diário. Promove o bem-estar social.


A dopamina, um neurotransmissor responsável por sensações de prazer, chamada de molécula do prazer e recompensa, contribui para um bem-estar geral, melhoria da auto-estima, aprendizagem, um bom funcionamento do sistema músculo-esquelético, actua no controle do apetite e na memória. É produzida sobretudo quando agimos por forma que outros beneficiem das nossas ações. O prazer que sentimos pela libertação de dopamina leva-nos a repetir um comportamento que beneficia a sociedade onde estamos inseridos.


Para estar minimamente bem é essencial um contacto regular com a natureza, 3 a 4 horas semanais, socializar com alguma frequência, pelo menos 3 a 4 vezes por semana, e trabalhar por forma a contribuir para o bem-estar dos outros.


Em vez disso estamos a fazer exactamente o oposto. Passamos mais horas em frente a um ecrã do que a ouvir um amigo, vemos mais séries na televisão do que árvores na natureza, recebemos mais estímulos de aparelhos electrónicos do que do ambiente natural que nos cerca. 


As plataformas digitais, construídas para nos “prender”, roubam-nos anos de vida. Sabemos a última novidade de um “influencer”, a piada de uma humorista ou o desastre aéreo nas Honduras. Não sabemos das dificuldades dos nossos vizinhos, do problema de saúde de um familiar ou do desespero silencioso da pessoa à procura de emprego. Estas plataformas, desde o Facebook ao Instagram, passando pelo Snapchat e Whatsapp, são responsáveis em grande parte pelo aumento da ansiedade e depressão, sobretudo nas faixas etárias mais jovens, provocam sentimentos de insegurança e medo do futuro, estimulam o parasitismo, levam-nos a criar falsas expectativas sobre a vida, criam uma sociedade polarizada (ou concordas comigo ou és inimigo), a insensibilidade perante os problemas dos que nos cercam, diminuem a capacidade de empatia e contribuem para um sentimento de solidão. As empresas por detrás destas plataformas possuem departamentos chamados de “engenharia da atenção” em que neurocitentistas estudam novas formas de prender a nossa atenção, com o custo de a nossa capacidade de atenção ir diminuindo de ano para ano. Hoje em dia, no último trimestre de 2023, são poucos os adultos com idade inferior a 40 anos capazes de focar a sua atenção numa única tarefa de cada vez. Não conseguem ver televisão, por exemplo, sem estar a mexer no telemóvel, ou conversar com um amigo sem estar a jogar a última novidade a surgir no Facebook. 


Se já antes tínhamos dificuldade em ouvir os outros, agora não conseguimos nem ouvir-nos a nós. 


Já reparaste que duas pessoas a conversar não vêem qualquer problema em permitir que um telemóvel interrompa a conversa, mas já uma pessoa a conversar ao telemóvel não interrompe a dita se um ser humano de carne e osso, um amigo, surgir à sua frente?


Para piorar a situação, quanto mais cedo uma criança usar um telemóvel mais dificuldades motoras, emocionais, e mentais irá ter. Há uma relação directa entre distúrbios alimentares na adolescência e o uso do telemóvel à refeição entre os 2 e 4 anos de idade (altura em que o cérebro deveria aprender a identificar sabores, aromas, e texturas nos alimentos). Uma criança de 8 anos já foi exposta a mais violência nos ecrãs do que Napoleão Bonaparte em toda a sua vida. 


Situações difíceis sempre houve. A morte de alguém que nos é querido, o início de um relacionamento amoroso, a perda de um emprego, o diagnóstico de um cancro. Mas hoje não possuímos ferramentas para lidar com estas situações. A moda do “coaching” a vender a ideia de que um indivíduo possui um poder divino e é capaz do que quer que seja que “sonhe”, não só é tóxica mas acelera o isolamento social, a depressão e comportamentos anti-sociais. Em qualquer actividade humana, desde o médico que efectua uma cirurgia, à cabeleireira que penteia estrelas de cinema, passando pelo estilista ou alfaiate, são necessários muitos anos de prática, depois de obtido o conhecimento académico, até sobressair e ser alguém único. Mas o “coaching” “forma” “coaches” em seminários de um fim-de-semana. Alguém atende um workshop de 5 ou 6 horas e de repente é especialista em “coaching da felicidade” ou “coaching da “neurociência” ou o outra qualquer especialidade. Este facilitismo está a deixar-nos ausentes da vida real, ao mesmo tempo que aumenta a polarização da sociedade (hoje é fácil encontrar online o que quer que seja que “prova” qualquer opinião como facto - isto conduz a comportamentos extremistas em que qualquer pessoa se julga dona da verdade). 


A ausência de uma vida social, do contacto com a natureza, de estar presente para as pequenas coisas deliciosas do dia-a-dia estão a levar-nos a estados de ansiedade permanente.


No entanto espero que ninguém acredite no que escrevo aqui. Façam a experiência. Uma semana apenas em que estejam online um máximo de 30 minutos por dia, caminhem num parque diariamente, partilhem um café ou refeição com amigos 2 ou 3 vezes, e depois verifiquem como se sentem ao iniciar uma nova semana.

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