Há muitos adultos que não sabem quais os seus limites pessoais e uma vez que comecem a fazê-lo perdem-se em detalhes, exigem um esforço sobre-humano aqueles que fazem parte das suas vidas. Qualquer coisa dita que seja do seu desagradado é rotulado de “violação do meu espaço”, e por aí fora. É importante manter presente que os outros não são responsáveis pelos nossos limites pessoais saudáveis, nós somos. Não temos que reagir agressivamente nem exigir que o outro se lembre em cada interação. A nossa função, quando as ações ou palavras do outro causam desconforto, é questionar os motivos. Alguém diz-nos que estamos a ser um fardo no grupo, por exemplo. Primeiro respirar fundo, não queremos reagir como se estivéssemos em guerra. Calmamente perguntar algo como “Quando dizes que eu sou um fardo no grupo estás a pedir-me para me retirar ou a deitar-me abaixo? Não estou a compreender.” Se a pessoa estiver com boas intenções será capaz de explicar os seus objectivos.
É saudável começar com pequenos passos. Elaborar uma pequena lista, não mais que meia dúzia de itens, de comportamentos ou afirmações que efectivamente são para nós depreciativas, invasivas ou simples maldade.
Alguns exemplos de afirmações que são, 9 em cada 10 vezes, uma violação dos limites pessoais de qualquer pessoa:
- “Desculpa se feri os teus sentimentos.” - A pessoa que diz isto está a querer fugir às consequências das suas palavras. Uma boa resposta será algo como “Não peço para assumires responsabilidade pelos meus sentimentos, peço-te apenas para assumires responsabilidade pelas tuas palavras.”;
- “Estava só a brincar.” - Invariavelmente isto é dito depois de uma afirmação que diminui ou ridiculariza a outra pessoa. Mais uma vez é uma maneira de não assumir o impacto daquilo que se diz. Uma boa resposta pode ser algo como “Então sugeria-te que fosses engraçado da próxima vez, porque não tiveste piada” ou “por favor explica-me onde está a piada porque não me fez rir.”;
- “Eu gosto muito de ti, mas…” - Este tipo de afirmações, em que se diz algo de positivo primeiro, coloca-se um “mas” para depois dar o soco emocional e evitar qualquer acusação (“amo-te, mas és entediante” - entediante é como te vejo, “tens bom gosto mas esse casaco é uma aberração” - tens um péssimo gosto e não sou eu que te vou dizer isso, “És uma pessoa que eu estimo, mas os teus atrasos…” - ou seja, não suporto quando te atrasas . Um “mas” é regra geral uma acusação disfarçada de boas intenções;
- “Sabes que podes confiar em mim, não sabes?” - Qualquer afirmação em que há uma necessidade de informar acerca do quanto a pessoa é honesta, sincera ou de confiança é um subterfúgio, uma forma de incutir no outro um sentimento que não pode ser fabricado nem fingido. Por outras palavras, quando somos honestos, de confiança ou sinceros não temos qualquer necessidade de o afirmar. Da mesma forma que não temos necessidade de afirmar que sabemos ler ou que vemos televisão;
- “Eu só quero o que é melhor para ti.” - Este tipo de afirmação insinua, por parte de quem o diz, um conhecimento e uma certeza acerca do futuro. Em realidade este é o tipo de afirmação utilizada para manipular, através muitas vezes da culpa, por forma a que façamos o que nos é pedido ou, pior ainda, aconselhado;
- “Estou muito preocupado contigo.” - Sabermos que alguém está disponível para nos ajudar ou cuidar de nós numa altura difícil provoca em nós um sentimento muito diferente daquele que surge quando alguém se preocupa. Na preocupação há medo, e onde há medo há tensão. E, de uma maneira mais ou menos subtil, a pessoa preocupada está a responsabilizar-nos pela sua preocupação e a exigir da nossa parte uma qualquer melhoria por forma a sentir-se aliviada.
Como adultos poderemos ainda encontrar um predador muito perigoso, porque se disfarça de inocente com boas intenções. A pessoa que admiramos pelos seus conhecimentos numa área do nosso interesse, um professor ou artista, e que se voluntaria para transmitir a sua sabedoria sem que tenhamos sido nós a pedi-lo. O jogo costuma começar com o predador a mostrar um interesse pelo nosso trabalho, actividade ou investigação, palavras de admiração pelo que conseguimos ou pelo nosso potencial. Deixam claro que será para nós um privilégio tal mentoria. Esta atitude de ajuda voluntária, sem um pedido da nossa parte, é uma indicação de violação dos nossos limites pessoais e, regra geral, terá consequências desastrosas.
Há ainda comportamentos, ações, piadas, que demonstram uma violação dos nossos limites pessoais. Alguns exemplos:
- A pessoa que insiste connosco depois de respondermos “não”;
- O comentário “engraçado” acerca da nossa dieta ou da quantidade de comida no nosso prato;
- Ignorar o nosso amigo, namorado, esposa, estando nós na sua companhia;
- Interromper o que estamos a dizer sem motivo (estamos a contar uma aventura das nossas férias e somos interrompidos com uma conversa acerca do discurso do presidente - uma forma pouco simpática de mostrar desinteresse no que temos para dizer);
- Um abraço demasiado constrito ou desconfortável, ou uma carícia sem que haja intimidade para tal;
- Falar mal acerca de alguém que não está presente (mais cedo ou mais tarde seremos vistos como fazendo parte do grupo de pessoas que espalham boatos, etc.);
- Usar um tom de voz condescendente (tratar a pessoa como se fosse uma criança), ou aumentar o tom de voz uns decibéis (por forma a incutir insegurança, medo, culpa ou vergonha);
- Interromper consecutivamente a pessoa que se encontra a falar;
- Abordar assuntos privados em público (querer saber acerca da relação com a esposa durante o almoço com colegas de trabalho);
- Invalidar os sentimentos de qualquer pessoa (o que cada um de nós sente é válido e verdadeiro, a história que alimenta o que sentimos é que pode não o ser. Podemos chorar porque perdemos o autocarro, e o choro é uma reação verdadeira para nós, ninguém tem o direito de diminuir ou ridicularizar o que estamos a sentir. A história em que acreditamos pode ser que se chegarmos tarde por perder o autocarro seremos despedidos, e isto é que pode ser questionado.);
- Mostrar desprezo ou rejeição por algo em que acreditamos (lugar-comum na política, desporto, religião e sexualidade);
- Exigir responsabilidade pelos sentimentos de outros (a mãe que fica triste se a filha não jantar com a família no domingo, por exemplo);
- Mexer nos pertences de outra pessoa (carteira, diário, telemóvel) sem a devida autorização;
- Fumar num local fechado ou num grupo de não-fumadores;
- Afirmações generalistas difamatórias (“As mulheres são oportunistas”, “Toda a tua família é uma aberração”, “Os árabes são todos terroristas”, etc.;
- Acusar outro sem o total conhecimento da situação;
- Aconselhar sem que tenha sido pedido qualquer conselho;
- Mostrar desprezo pelas escolhas de outro;
- Atitudes de grandiosidade por forma a manipular o outro (desde afirmar algo como “mãe é mãe” até “eu sei exactamente o que está certo” - a pessoa assume um papel ditatorial, inquestionável e que de uma maneira mais ou menos subtil exige submissão);
- Recorrer a ameaças (“se não apareceres no jantar da avó eu juro que não volto a olhar para ti!”);
- Querer saber acerca da nossa vida privada (se namoramos, com quem, onde passamos tempos livres, etc.) sem que a pessoa faça parte da nossa vida privada. Isto é feito de maneira subtil e disfarçado de interesse e preocupação pela nossa integridade, embora muitas vezes mais tarde a informação recolhida seja usada contra nós, com acusações como “eu não deveria saber tanto acerca da tua vida, mas tu contaste-me…”).
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