Em média, um português com mais de 18 anos, despende 7 horas por dia a consumir media no seu telemóvel. Este número aumenta durante o fim-de-semana.
Se não conseguirmos utilizar o telemóvel como um bem funcional, que deve ser usado como uma ferramenta, nós tornamo-nos num bem disfuncional. Por outras palavras, nós somos o produto.
Cada pessoa que conhecemos, nós incluídos, está a prejudicar-se como nunca antes na história da humanidade, em termos da utilização do tempo. Tempo, energia, criatividade, atenção, prioridades e lazer.
Isto acontece porque não nos apercebemos que o mundo em que vivemos sofreu uma mudança tecnológica nunca antes vivida, e em tão pouco tempo. Esta mudança deve-se à forma como o telemóvel contemporâneo, desde o primeiro iPhone, em 2007, é concebido com um único propósito: exigir a nossa atenção constante e, como efeito secundário, roubar-nos tempo de vida.
Hoje em dia é possível comercializar tudo e mais qualquer coisa através do telemóvel. Podemos ainda mostrar pequenos momentos da nossa vida privada, não só a quem nos é próximo mas a qualquer desconhecido a milhares de quilómetros de distância. Estamos todos aparentemente disponíveis para atender uma chamada, video-chamada, mensagem de texto, ou o que quer que seja que nos passe pela cabeça e consideremos de utilidade para outros (o sarcasmo é intencional).
Mas como é viver a saber que cada pessoa que conhecemos, ou não conhecemos, tem à distância de um palmo ou dois um equipamento que permite estabelecer uma ligação imediata? Como reagimos quando do outro lado não há um atendimento imediato? E como é viver sabendo que vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, podemos receber um telefonema, ou ver o último video que se tornou viral?
A tecnologia do telemóvel é concebida para roubar a nossa atenção. Vivemos agora no que muitas empresas de tecnologia rotulam de Economia da Atenção, e é urgente compreender que a maioria das pessoas no mundo ocidental encontra-se actualmente viciada no seu tablet ou telemóvel.
Vivemos num mundo totalmente novo em que se comercializa a atenção de cada ser humano tão cedo quanto possível (para muitos antes dos dois anos de vida). Isto significa que a nossa atenção está à venda, que o tempo que passamos a ver videos, a seguir “influencers”, a navegar pela internet, a clicar em certas coisas com um gosto ou “smile”, a comprar coisas que não precisamos, há muitas empresas a ganhar dinheiro, muito dinheiro, com o tempo que gastamos a olhar para um ecrã.
O telemóvel está hoje concebido para nos roubar a atenção e, consequentemente, tempo. É assim que as empresas de tecnologia ganham dinheiro, oferecendo-nos aplicações, exigindo depois o uso e abuso das mesmas diariamente. Basta tirar os olhos do pequeno ecrã para nos apercebermos que a maioria das pessoas à nossa volta é incapaz de qualquer actividade sem o seu telemóvel por perto. Incluindo situações potencialmente perigosas e fatais, como enquanto conduzem ou atravessam uma rua.
E porque motivo, apesar de sabermos que o telemóvel nos rouba tempo, energia, tranquilidade e atenção, não conseguimos pousar o objecto em algum lugar sem lhe dar atenção durante algumas horas?
O nosso cérebro produz naturalmente uma molécula, a dopamina, associada ao prazer, satisfação e motivação. Esta molécula é essencial à sobrevivência enquanto espécie, afecta a nossa vida de muitas maneiras, desde o nosso humor, memória, concentração, sono, aprendizagem, regulação intestinal e coordenação dos movimentos físicos.
Quando acordamos pela manhã o nosso cérebro tem uma capacidade limitada para produzir dopamina. A pessoa que pega no telemóvel após acordar, para ver e-mails, chamadas não atendidas, quem publicou o quê numa rede social, ou ouvir o último podcast da Maria 4Fun, esgota a capacidade de produção de dopamina antes de sair de casa. Não é de admirar andarmos muitas vezes com ar cansado, desmotivados, desanimados, rabugentos, etc. Não é por acaso, nem porque somos pessoas com um mau humor. É porque esgotamos a capacidade de nos sentirmos bem connosco e com os outros ainda antes de sair de casa.
Por outro lado as plataformas digitais, que compreendem e investigam todo o processo
dopaminérgico, prometem-nos algo melhor, mais divertido, mais sério, mais actual, mais importante, logo, logo a seguir. A cenoura à frente do burro. O ser humano está geneticamente programado para ir atrás de qualquer coisa que signifique a promessa de algo melhor. Por este motivo muitos ficam viciados nas raspadinhas, jogos de sorte, maus casamentos (sim, muitas pessoas numa relação tóxica permanece, sem se aperceber, pelo simples facto, dopaminérgico, de que talvez amanhã seja diferente, para a semana as coisas mudam, nas próximas férias será melhor…).
A dopamina é a molécula que durante mais de quinhentos mil anos nos impulsionou a correr atrás de animais para alimentarmos a nossa tribo, a mudar de lugar em busca de alimentos, etc.
Hoje leva-nos a ir atrás do que é inútil, dispensável, fútil ou irrelevante. Com a promessa de mais alegria, mais dinheiro, mais saúde, mais vida. A nossa incapacidade de compreender como realmente funcionamos leva-nos a acreditar que as nossas ações e escolhas estão certas quando somos nós a usar o telemóvel temos uma boa justificação.
Quantas horas gastamos num dia atentos ao telemóvel? Seja à espera de uma mensagem, chamada ou notícia de última hora? O pior disto é que no final do dia chegamos a casa e pegamos no telemóvel para relaxar. Embora o resultado, invariavelmente, seja um aumento dos níveis de impaciência, cansaço, irritabilidade e desalento. Temos depois dificuldade em adormecer, ou um sono pouco reparador. Acordamos cansados. E repetimos tudo o que fizemos no dia anterior na falsa esperança de um resultado diferente.
Estamos viciados numa tecnologia que nos deixa ansiosos durante todo o dia. E se não acredita, faça-se a si mesmo estas perguntas:
- Uma das primeiras coisas que faz, depois de acordar, é pegar no telemóvel?
- Verifica muitas vezes ao longo do dia as mesmas aplicações, à espera de notificações, mesmo que não haja uma nova notificação?
- É capaz de ver um filme, fazer as lidas da casa, passear, estar numa fila no supermercado, ou mesmo existir, sem consumir conteúdos através do telemóvel?
- A ideia de ir a qualquer lugar sem o seu telemóvel deixa-o ansioso ou desconfortável?
- A sua forma de relaxar, no fim do dia, é através do uso do telemóvel, a jogar ou a fazer scrolling, com o resultado final a ser um sentimento de cansaço existencial, deprimido, ansioso ou sem ânimo?
Se respondeu “sim” a qualquer das questões anteriores pode considerar-se um produto que está a ser comercializado por muitas empresas. O seu tempo, a sua atenção, a sua auto-estima e o seu valor humano estão nas mãos destas empresas.
Sete horas por dia, cinquenta horas por semana, duas mil quinhentas e cinquenta horas por ano. Mais de cem dias por ano. Cem dias que poderiam ser utilizados para ficar a saber mais acerca das pessoas à sua volta, a desfrutar de pequenos momentos de lazer, a estudar (ver videos educacionais não é estudar, é passivamente receber informação sobre a qual pouco aplicamos na nossa vida e que, paradoxalmente, produz em nós um sentimento de não sermos suficientemente bons).
A tecnologia móvel actual é criada e melhorada com o objectivo real de sequestrar o nosso cérebro. Limita a nossa interação social, aumenta o sentimento de não merecer e não pertencer, diminui a nossa auto-estima, altera os nossos valores pessoais, cria estados de ansiedade e depressão, aumenta a nossa irritabilidade e dificuldade em ouvir-nos e ouvir os outros, distancia-nos das pessoas que nos são próximas, aumenta a nossa tolerância à violência, torna-nos pessoas distantes e difíceis, e excelentes consumidores de bens e serviços que não precisamos.
Da mesma forma que depois de passar a fila do controle de passaportes e bagagem em qualquer aeroporto somos obrigados a atravessar as lojas do aparente “duty-free” (com preços superiores aos praticados fora do aeroporto), de cada vez que utilizamos uma aplicação no telemóvel ou tablet, de uma forma mais ou menos explícita, ser-nos-á sugerido algo que ainda não temos e que ao adquirir irá tornar-nos pessoas melhores.
O telemóvel é uma excelente ferramenta de comunicação, sem dúvida. Todavia, se não aprendermos a utilizar esta ferramenta iremos ser nós a ferramenta, escravos de uma tecnologia que manipula e condiciona os nossos comportamentos, escolhas, e relacionamentos.
No entanto, só é uma ferramenta se de cada vez que pega no telemóvel reconhecer que é você que o está a usar intencionalmente como ferramenta, e apenas quando realmente precisa dela.
Algo que a maioria das pessoas não sabe sobre a tecnologia móvel são as mentiras diárias a que são sujeitas e que acreditam ser verdade.
Hoje em dia, quando pesquisa algo no Google, a IA (Inteligência Artificial) gera uma resposta com base no seu histórico de internet, nos vídeos que vê com mais frequência, nas coisas que compra online e assim por diante. Pode até fornecer respostas e ligações inventados. E isso inclui, por exemplo, coisas que as pessoas estão a dizer online sobre um tema que é importante para si, quer esteja certo ou não.
Digamos que acredita que a sua relação passada foi com uma pessoa narcisista, e tem dedicado os últimos meses a pesquisar o narcisismo. Entretanto muda de médico dentista e, por curiosidade e perda de tempo, tenta ficar a saber mais acerca dele. Se, por qualquer motivo, o pobre dentista comentou no passado uma publicação online sobre o seu pai narcisista, a IA dar-lhe-á um breve resumo sobre o seu dentista, com palavras que o próprio usou online, apenas para o descrever como portador de uma perturbação de personalidade narcisista.
A IA é agora capaz de criar conteúdo para reforçar o que acredita nós acreditarmos ser real. É melhor ler a afirmação anterior novamente. Isto acontece porque a IA está programada para captar a nossa atenção, dando-nos aquilo que sabe que gostamos de ver, passamos mais tempo a ver e a pesquisar.
Quando pegamos no telemóvel seria uma boa ideia sabermos de antemão o objectivo para o fazer. Esquecemos de desfrutar de um tempo em silêncio ou sem algo para fazer? Queremos provar aos nossos amigos que sabemos mais que eles? Acreditamos ser importante termos razão durante uma tertúlia de amigos?
A Economia da Atenção é por natureza manipuladora, e só funciona enquanto recebe a sua atenção, o seu tempo, a sua vida. Foi criada para causar dependência e sintomas de abstinência. Repare como está a usar menos vocabulário para se expressar, ou o quão pouco fala para contar a um amigo sobre uma experiência que teve, ou como espera que as outras pessoas entendam o seu dia sem que diga mais do que algumas palavras, e como está constantemente focado em “mais". Mais felicidade, mais dinheiro, mais saúde, mais férias, mais paz, mais, mais, mais.
A forma como as aplicações móveis são criadas, assim como o seu telemóvel, implica estimular o seu cérebro para que lhe dê uma dose de dopamina.
A quantidade de dopamina que o nosso cérebro consegue produzir é limitada, e no entanto esta dopamina cria uma dependência superior à cocaína.
Se fosse “influencer” terminaria com um simples “isto é overwhelming!”.
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