Reinterpretar o Eu

Se deixarmos o passado sem o curar, ele irá destruir as nossas vidas. O passado esconde o nosso dom, a nossa criatividade e os nossos talentos.

Fomos ensinados que é difícil ir atrás dos nossos sonhos. E não nos disseram que é ainda mais difícil viver cada dia sabendo que não estamos a viver os nossos sonhos.

Se não tivermos a coragem de fazer as pazes com o nosso passado, iremos sempre transportar ás costas a raiva, o ressentimento, a culpa, a impotência, a vergonha e o medo.

O poder para fazer as pazes com o passado está já dentro de si, mas só irá surgir quando você estiver preparado e desejoso de fazer as mudanças na sua vida. Quando o desejo de mudar for mais forte que o desejo de querer manter tudo como está. Claro que é sempre mais fácil culpar os outros pela situação que estamos a viver agora, neste momento.

Tem que estar preparado para abraçar o passado se quiser fazer verdadeiras mudanças no seu presente. O nosso passado é o que dá forma ao que vemos, ao que dizemos e à maneira como vivemos.

Saiba que os preconceitos são passados de geração em geração, de maneiras muitas vezes subtis. A dor também é passada de geração em geração. O medo, a vergonha, a culpa, a impotência, também são passados de geração em geração. Não sei se já tinha mencionado: o medo é passado de geração em geração. Os seus problemas actuais são seus, ou herdou-os?

Muitas pessoas decidiram já que não seriam como os seus pais! Mas temos que ter sempre presente que passamos os anos mais importantes da nossa aprendizagem a absorver os conhecimentos e comportamentos dos nossos pais. Todas as suas qualidades e defeitos.

Saiba que todos os eventos negativos da sua vida são na verdade bênçãos disfarçadas de problemas. A dor tem um propósito. Ensina-nos e guia-nos a níveis mais elevados de consciência.

Há um ditado chinês que diz “O mundo é um mestre para o homem Sábio, e um inimigo para o louco”. Nenhum evento é doloroso em si. É tudo uma questão de perspectiva. É importante saber que tudo o que acontece no mundo acontece porque tem que acontecer, e é perfeito na forma como acontece. Não há erros. Não há acidentes. O mundo é um paraíso e um inferno. Qual a sua perspectiva?

Não há ninguém neste mundo que diga o que eu digo da maneira que o digo. Ninguém neste mundo faz as coisas que eu faço na forma exacta em que as faço. Eu sou eu e tu és tu. Cada um de nós é único e cada um de nós tem um caminho especial a percorrer.

Por forma a ganhar sabedoria e liberdade do seu passado, tem que aceitar total responsabilidade por todos os eventos que ocorreram na sua vida. Aceitar a responsabilidade significa afirmar: “Fui eu quem fez aquilo.” Há uma grande diferença entre o mundo fazer-lhe coisas a si e você fazer coisas a si mesmo. Quando aceita a responsabilidade pelos eventos na sua vida, e pela sua interpretação desses eventos, sai do mundo da criança e entra no mundo do adulto. Ao aceitar a responsabilidade pelas suas acções e inacções , você desiste da sua história pessoal (que é sempre qualquer coisa à volta de “Porquê eu?”) e transforma-a em “Isto aconteceu-me porque eu precisava de aprender uma lição. Isto faz parte da minha caminhada”.

De acordo com Nietzsche, desejar que o nosso passado não tivesse acontecido é desejar que nós não tivéssemos acontecido. É praticamente impossível mudar de direcção na nossa vida sem antes fazer as pazes com o passado. Cada evento significativo da nossa vida muda a forma como interpretamos a própria vida, e a perspectiva que temos dela.

A ideia de revisitar o passado pode parecer aterradora, mas é uma parte essencial do processo. O nosso passado é uma bênção que nos pode guiar e ensinar, e transporta consigo tantas mensagens negativas como positivas.

A nossa dor pode ser o nosso melhor mestre. Irá levar-nos a lugares que nunca teríamos a coragem de ir de outra maneira. Quantas pessoas estariam dispostas a sofrer durante 20 ou 40 anos só para descobrir a vontade da sua alma?

Aceitar a responsabilidade total pelo nosso passado é uma tarefa avassaladora. A maioria de nós está preparada para aceitar responsabilidade pelas coisas boas que nos aconteceram, mas resistimos aceitar a responsabilidade pelas coisas más que foram sucedendo. Mas quando aceitamos a responsabilidade total por todos os eventos, tornamo-nos mais fortes com cada evento ocorrido. Mesmo que nos sintamos envergonhados ou magoados por qualquer evento, podemos encontrar paz no saber que de alguma forma o evento está a ajudar-nos a descobrir o nosso dom. Tornamo-nos responsáveis por tudo o que acontece. Dizemos ao Universo: “Eu sou a fonte da minha própria realidade!” Este é o lugar de poder a partir do qual pode alterar a sua vida.

Enquanto não for capaz de olhar o seu passado olhos nos olhos, ele estará sempre por perto, trazendo-lhe mais experiências em tudo iguais ás do passado. Mas tudo o que precisa é de uma mudança na sua perspectiva.

Para alterar a nossa percepção precisamos de encontrar cada momento do nosso passado até encontrar uma interpretação poderosa que nos permita aceitar a responsabilidade. Não faz ideia da energia que gasta para provar a si mesmo que tem razão e que não foi ‘culpa’ sua! É claro que é sempre mais fácil culpabilizar os outros pelas coisas que não gostamos no nosso mundo. Mas esse caminho leva-nos sempre a um único local: nenhures!

Há sempre dor quando somos vítimas das circunstâncias: a dor do desespero e do desalento. Mas você vive num universo onde tudo acontece por um motivo. Procure a bênção em todos os eventos da sua vida e irá dar por si no caminho da gratidão. Irá ter a experiência do que é ser-se abençoado.

Cada palavra, incidente e pessoa em relação à qual ainda sente existir uma carga emocional tem que ser estudada, olhada na cara, reconstruída, re-perspectivada e abraçada. Temos que caminhar até à origem da nossa dor. E tomamos as rédeas da nossa vida ao escolhermos as nossas interpretações.

Ao inventarmos uma nova interpretação estamos a utilizar a forma mais simples de transformar uma experiência negativa em outra, positiva. Tudo o que acontece no nosso mundo é objectivo. Não possui um significado inerente. Mas cada um de nós vê o mundo com um olhar diferente, sendo que cada um irá atribuir um significado diferente a dado evento. É a nossa percepção e interpretação que afecta as nossas emoções, e não o incidente em si. É a nossa percepção e interpretação quem nega a nossa responsabilidade e atribui as culpas.

Cada um de nós tem que tomar uma decisão consciente de alterar o nosso mundo, alterando as nossas percepções. Mude a percepção, a interpretação, de uma palavra ‘má’ apenas, e irá descobrir que não só a palavra perde a sua carga emocional, como esta carga lhe é devolvida com poder.

Vou deixar-lhe um exercício simples para integrar este conceito. Irei pegar numa palavra que, para mim, ainda tem alguma carga emocional. Uma palavra que ainda hoje eu não suporto que me chamem: coitadinho. Eu recuo no tempo para descobrir um incidente na minha vida que me causou dor e ajudou a interpretar ‘coitadinho’ como algo mau. Chego a um ponto, quando tinha uns dez anos, em que a minha mãe falava com amigas sobre mim e depois de enunciar todas as ‘asneiras’ que eu tinha cometido terminou com um “coitadinho, se eu e o pai morremos não sei o que será dele!”. Isto causou em mim sentimentos de impotência, raiva e vergonha. A minha interpretação foi a de que a minha mãe não gostava verdadeiramente de mim, e os coitadinhos só fazem asneiras e vivem ás custas dos outros. Então eu tenho que me permitir experienciar novamente as emoções negativas do evento. E só depois começo a criar uma nova interpretação da palavra “coitadinho”

A interpretação negativa:

1. A minha mãe odiava-me e estava sempre a deitar-me abaixo;

2. A minha mãe pensava que eu era inútil e parasita.

A nova interpretação:

1. Eu sou poderoso, o que deixava a minha mãe nervosa. A única forma que ela tinha de lidar com este nervosismo era chamar-me nomes que considerava apropriados;

2. A minha mãe pensava que chamar-me “coitadinho” era uma forma de mostrar-me afecto;

3. A minha mãe gostava tanto de mim que me queria preparar para o mundo duro e cruel que ela imaginava, tentando assim impedir que eu caísse na preguiça.

A questão que se deve colocar é: esta nova interpretação dá-me poder ou retira-me poder? Esta nova interpretação deixa-me mais forte ou mais fraco? Se a vozinha dentro da sua cabeça segue um dialogo que lhe rouba poder, não irá mudar nada enquanto a vozinha não se transformar numa que lhe dá poder, segurança interior e um pensamento optimista.

É por este motivo que é tão importante escrever tudo e olhar para os eventos sob tantos ângulos quantos lhe for possível. Só o simples acto de escrever as coisas obriga a que as palavras e os incidentes comecem a perder uma parte do domínio que detêm sobre si.

É sempre uma responsabilidade sua escolher interpretações poderosas. Quanto mais consciente estiver dos presentes da vida, mais depressa irá escolher uma perspectiva positiva sobre os eventos da sua vida. Quando nega um aspecto que seja de si, está a negar uma parte que o impedirá de ser completo. E todos nós, sem o esforço necessário, iremos sentir a falta da coragem para admitir que estamos errados, que somos inteiramente responsáveis.

E por outro lado, temos receio que o nosso brilho, o nosso poder, nos isole da sociedade. Porque a sociedade que vemos à nossa volta é medíocre a todos os níveis.

A compaixão por nós mesmos é essencial neste processo. Se a compaixão estiver ausente iremos sentir medo e ódio. E uma vez que é infinitamente doloroso sentirmos medo e ódio por nós mesmos, iremos projectar esse medo e ódio no mundo à nossa volta. É-nos mais fácil ser vítimas do mundo do que vítimas de nós mesmos. E ao culpar o mundo evitamos a dor de nos vermos tal como somos.

Quando abraçamos um aspecto negativo do nosso ser, regra geral, o seu oposto surge espontaneamente. Ao abraçar o aspecto ‘medricas’ trazemos à superfície o ‘corajoso’. Temos que abraçar o nosso lado negro na totalidade para podermos abraçar a luz.

Quando nos abrimos à possibilidade de abraçar, a partir do coração, tudo o que existe, e começarmos a olhar para aquilo que está bem, em vez daquilo que está mal, iremos ver Deus.

E se tu conseguires ver o teu dom no final da caminhada, isso significa que eu conseguirei ver o meu. Porque tu és eu e eu sou tu neste mundo que é espírito momentaneamente a passar por uma experiência como matéria.

Exercício

Lembra-se dos exercícios em que entrava num elevador para poder encontrar o seu eu superior e o ego? Volte a entrar nesse elevador, criando antes um ambiente calmo, tranquilo, em que não será perturbado.

Respire fundo cinco vezes. Imagine-se a entrar no seu elevador interior e descer 7 pisos. Quando as portas se abrirem estará no seu jardim sagrado. Caminhe até ao lugar onde medita. Desfrute um pouco da beleza à sua volta. Depois pergunte-se a si mesmo esta questão: Que crenças de fundo orientam a minha vida? Aguarde uns minutos e depois faça uma lista.

Depois volte a cerrar os olhos e imagine a primeira crença da sua lista. Faça a si mesmo as seguintes questões (leve o seu tempo para ouvir as respostas que virão do seu mais íntimo):

1. Esta ideia é mesmo minha, ou adoptei-a de outra pessoa?

2. Porque motivo tenho esta crença?

3. Esta crença dá-me poder?

4. Do que teria que desistir se alterasse esta crença?

Depois anote as respostas no seu caderno especial.

Desejo-lhe uma aventura maravilhosa.

Comentários

  1. _________________________________________


    Boa noite, Emidio!

    Já faz algum tempo que procuro tomar a responsabilidade da minha vida. Também, como você, acho que somos os causadores de nossas alegrias e das nossas tristezas... Por mais que as influências existam, temos sim, o poder de decidir os nossos caminhos.

    Há uma regra que eu considero de ouro e adotei na minha vida: - Cada um tem o que merece, nem mais nem menos! Colhemos apenas o que semeamos...

    Gostei muito do seu texto! Beijos de luz e uma noite serena de bons sonhos...

    ______________________________________________

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  2. Há coisas do passado que não são esquecidas, porque a resposta não está do nosso lado... e quando há respostas que não foram dadas, como se pode esquecer alguma coisa?

    Pode-se ignorar, sim. Arrumar-se para o canto do subconsciente, mas de repente qualquer coisa bate e ela volta sempre. O que ficou sem resposta.

    Gostei muito de te ler.
    Bj

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  3. Pessoalmente considero um erro esquecer o passado, isso significa perder uma parte de quem somos, uma amputação ao Eu completo. O curioso é ouvir pessoas dizerem "eu já esqueci isso" precisamente quando estão a recordar-se do evento! O que querem dizer é que é melhor fazer de conta que nunca aconteceu... Mas o facto é que aconteceu.
    E depois há aquelas pessoas eternamente vítimas que apontam o dedo sem cessar e sem se questionar até que ponto também elas tiveram um papel activo no passado... Mas isso fica para a próxima :)
    Beijinhos mil

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    1. Eu não consigo esquecer o passado, porque no meu dia a dia confronto com ele.

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  4. Os seus textos são claros como a luz. Transcrevem os meus pensamentos e desejos/lições como eu nunca poderia fazê-lo. Obrigada!

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  5. Fernando Pessoa disse: "ser tudo de todas as maneiras e, no final, não ser nada!"

    Eu digo: "cada um de nós é 360º do circulo".. a questão é percebermos em que graus (dos 360) é que pomos o nosso foco e se estamos a integrar o seu oposto.. ou seja, se vivo no extremo (foco) ou no centro do circulo (oposto integrado)...

    Bênçãos de Luz Amor

    Filomena Nunes

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