Nós aprendemos quem somos através
do que os outros nos mostram. Os outros reflectem sempre quem somos.
Isto é de extrema importância
sobretudo nos primeiros anos de vida, quando somos capazes de comunicar
unicamente através das nossas emoções.
Mas como pode um adulto
mostrar-nos amor próprio e auto-estima, quando as suas necessidades básicas não
estão preenchidas? Quando o próprio adulto, pai e mãe, necessitam do amor dos
outros para serem validados?
Se o pai ou mãe são incapazes de
amor-próprio irão procurar satisfazer as suas necessidades básicas através do
filho. Precisam do filho para se sentirem amados. É aqui que tem início a
vergonha tóxica.
A família vive de acordo com uma
série de regras que nunca são faladas mas são o berço da vergonha tóxica.
Segundo John Bradshaw, as regras
vividas pela família, e que provocam a vergonha tóxica, são as seguintes:
1. Controlo
ou Caos: o progenitor tem que controlar todas as situações e comportamentos a
todos os momentos. O controlo passa a ser a estratégia de defesa para a criação
da vergonha. A criança aprende assim a viver num mundo governado pelo caos,
porque nunca sabe o que está certo ou errado no seu comportamento, dependendo sempre
do estado de espírito do progenitor;
2. Perfeccionismo:
o progenitor tem que ter sempre razão. Para ter sempre razão o progenitor usa
diferentes pesos e medidas, impedindo a criança de saber quando o seu
comportamento é adequado. E, invariavelmente, a criança nunca consegue
satisfazer as necessidades de perfeccionismo do progenitor. Num ambiente em que
as regras são continuamente alteradas, a criança aprende que é falhada,
incompleta;
3. Culpa:
sempre que as coisas não correm de acordo com os padrões do progenitor, este
culpa a criança. Esta atitude de culpar os outros é mais um mecanismo de defesa
da vergonha tóxica;
4. Negação
da liberdade: a necessidade de um falso perfeccionismo leva à quebra das
liberdades mais básicas da criança. Isto diz à criança que não tem o direito de
apreender a realidade tal como ela é, não tem o direito de pensar e sentir
livremente, não pode ter desejos para além dos acordados em silêncio pelos
progenitores, nem poderá ser imaginativa. Tudo isto deverá ser feito apenas de
acordo com o perfeccionismo invisível do progenitor;
5. Proibido
falar: esta regra exige que a criança nunca expresse a totalidade dos seus
sentimentos, necessidades e desejos. Assim, a criança, tal como o progenitor,
está proibida de falar da sua solidão ou da sua verdadeira identidade;
6. Proibido
cometer erros: os erros revelam um eu incompleto, com falhas e vulnerável. Ao
assumir um erro, o adulto expõe-se ao ridículo. Da mesma forma, como não quer
esta experiencia, o progenitor procura os erros na criança;
7. Proibido
ouvir: todas as pessoas na família encontram-se tão ocupadas a defenderem-se ou
a desempenhar um determinado papel, que ninguém ouve ninguém. Quando a criança
fala das suas necessidades, o progenitor ouve apenas as suas necessidades
(preciso que estejas calado, preciso que sejas bom aluno, preciso que tenhas
saúde, preciso que sejas bem educado – estes precisos são uma forma de dizer
que o progenitor só consegue alguma paz quando o comportamento da criança é o
desejado. A criança é amada por fingir e não por revelar quem é de verdade);
8. Infidelidade:
o progenitor ensina a criança a não confiar nos outros. Fá-lo de uma maneira
velada, ou abusiva. A relação entre o pai e a mãe ensina a criança a não
confiar nos relacionamentos íntimos (a mãe que fica triste quando o pai chega
tarde a casa, o pai que discute porque a mãe gasta mais dinheiro, etc.). Por
outro lado, o progenitor que abandona a criança mostra-lhe que aqueles de quem
depende para a sua sobrevivência, não estão presentes. Há muitas formas de
abandono, desde o mais violento (abuso físico da integridade da criança) até ao
abandono quando a criança necessita de ser ouvida e o progenitor prefere ver
televisão;
9. O
mundo é um lugar perigoso: uma vez que ninguém ouve nem confia, e tudo é
imprevisível, a criança aprende que o mundo é um lugar perigoso onde nunca se
sabe como ser autêntico.
É assim que a Pedagogia Tóxica é
exercida pelos progenitores, há milhares de anos. Basicamente os progenitores
ensinam a criança que:
- Os
adultos são senhores absolutos das crianças e estas são inteiramente
dependentes;
- Os
adultos é que determinam o que está certo e errado;
- A
criança é responsável pelos acessos de fúria dos pais;
- Os
pais devem esconder continuamente os seus sentimentos;
- Os
sentimentos verdadeiros da criança são uma ameaça para os pais;
- As
necessidades emocionais da criança deverão ser secundárias ao bem-estar dos
pais;
Tudo isto deverá acontecer nos
primeiros dois ou três anos de vida da criança, por forma a que ela não consiga
descobrir as falhas e, assim, não exponha os adultos ao ridículo.
A vergonha tóxica é libertada
seguindo regras precisas e nunca faladas. Um exemplo disto é quem pode
maltratar quem. Por exemplo, o pai é o que pode falar mais alto em casa, e
discordar de tudo e todos. A mãe pode falar mais alto e discordar de tudo e
todos, excepto o pai. O filho mais velho pode falar mais alto e discordar de
tudo e todos, excepto o pai e a mãe. Eventualmente chegamos ao filho mais novo,
que pode maltratar o gato.
Como os pais começaram a sua
relação partindo de necessidades que ninguém pode preencher (de amor-próprio e
auto-estima), irão cada um procurar no outro o preenchimento dessas
necessidades. No fundo são dois adultos-criança à procura de um pai e uma mãe
no outro. Eventualmente descobrem que o outro não consegue preencher as suas
necessidades. Muitas vezes o próprio adulto não tem a coragem de afirmar quais
as suas necessidades. Tem medo do abandono se afirmar o que deseja do outro.
Espera que o outro adivinhe.
Quando um filho nasce, ambos os
progenitores procuram satisfazer as suas necessidades através da criança.
Pervertem a hierarquia natural da família. Assim, o comportamento da criança
irá ditar o comportamento do adulto.
A criança sabe instintivamente
que as suas emoções são saudáveis, precisa de um adulto que a ensine que estas
emoções são erradas. Gritar é errado. Alegria excessiva é errado. Tirar uma
negativa é errado. Falar mal dos outros é errado. E entretanto é este o exemplo
que os progenitores dão à criança.
Apenas com o intuito de elucidar
os pais, descrevo brevemente de que maneira cada emoção rotulada de negativa é
realmente saudável:
- a
Raiva é a energia que nos dá força. O Incrível Hulk torna-se poderoso e ajuda
os fracos depois de um acesso de fúria;
- a
Tristeza é a energia que nos permite curar a dor de um evento. Libertamos a dor
de uma perda através da tristeza. Os pais evitam a tristeza (criando mais
tristeza) porque não querem sentir a vergonha de mostrarem vulnerabilidade;
- o
Medo liberta em nós a energia que nos previne de possíveis perigos. Ao
ridicularizar a criança com medo, o adulto ensina a criança a esconder uma
parte vital de si. O medo saudável leva-nos à nossa sabedoria interior;
- A
Culpa é o nosso juiz que nos informa da nossa responsabilidade. Diz-nos quando
violamos a nossa integridade e a dos outros. Empurra-nos para a mudança. Como
os pais não sabem lidar com a mudança usam a culpa para impedir o crescimento
saudável da criança;
- A
Vergonha ensina-nos a evitar sermos perfeitos ou mais que humanos. A vergonha
assinala os nossos limites;
- A
Alegria é a emoção que surge quando todas as nossas necessidades se encontram
preenchidas. A criança quer cantar, pular, saltar. Mostra que tudo está bem;
- O
Desespero é a emoção que procura equilibrar as nossas necessidades básicas. É o
desespero que nos leva a procurar alimento, água, conforto. Mas quando
mostramos à criança que este comportamento é inadequado, ensinamos-lhe a
preocupação e o preconceito. O desespero doente leva a muitos comportamentos
disfuncionais da nossa sexualidade;
- O
Descontentamento segue um padrão idêntico ao desespero. Inicialmente era útil
para procurar alimento, por exemplo. Hoje em dia é utilizado de maneira pouco
saudável numa separação. As vitimas de abusos carregam ás costas vários níveis
de descontentamento tóxico. Os violadores e assassinos fazem o que fazem
impelidos por níveis elevados de descontentamento, raiva e desespero.
Quando os pais são incapazes de
amar a criança por demonstrar abertamente as suas emoções, ensinam-ma a
esconder quem ela é de verdade. A criança passa a desempenhar o papel de pai,
na medida em que é responsável pela resposta emocional do progenitor.
Começamos assim a compreender que
enquanto precisarmos que um filho esteja bem (de acordo com os padrões e
necessidades individuais de cada progenitor) para nós estarmos bem, esse filho
será nosso refém.
Por isto é que a juventude está como está.
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