Dança com a culpa


“Haverá sempre agressores enquanto eu for vítima.”
Esta dança só possui dois passos: ora culpo-te a ti, ora culpo-me a mim.
Independentemente do passo que estejas a dar, o sentimento nunca é agradável.
A culpa é um sentimento assente completamente na mentira. E a mentira é simples: na altura em que tu, ou outro, tiveste determinado comportamento deverias ter agido de maneira diferente. É mentira porque agiste como agiste, tendo em conta aquilo em que estavas a acreditar na altura.
Um exemplo simples. Tu sabes que roubar é errado, e tirar aquilo que não te pertence é errado. E um dia pegas na caneta do colega, que até é gira, e depois de a usar mete-la ao bolso. No preciso momento em que guardaste a caneta no bolso do teu casaco tinhas que obrigatoriamente estar a acreditar que precisavas daquela caneta, ou que o colega não precisava dela, ou que não tinhas possibilidade de comprar uma caneta igual e aquela fazia-te falta. Ou simplesmente acreditaste que a caneta deveria ser tua. Naquele preciso momento acreditavas numa mentira, e agiste de acordo com a mentira em que estavas a acreditar.
Outro exemplo. A mãe agride-te com a vassoura. No momento em que a mãe te bate está a acreditar que agredir é a forma de educar, ou acredita que a vergonha que ela sente por qualquer coisa que tu tenhas feito ou dito só pode ser eliminada agredindo-te. Ela irá agredir-te porque está a acreditar que a agressão é a solução para o que ela está a sentir. Não é, e ela não sabe que não é.
Observação: Fica atento da próxima vez que alguém tiver um comportamento que reprovas. Consegues ver que o sentimento em ti é causado pelo que tu acreditas nesse momento e que nada tem que ver com a outra pessoa? Tu és a causa do que tu sentes.
O teu namorado envolve-se com outra mulher. No momento em que se envolve está a acreditar que gosta mais da mulher à frente dele do que de ti. Ou acredita que aquela mulher lhe poderá dar o que tu não lhe dás. Ou acredita que está farto de ti e aquela mulher poderá aliviar o sentimento negativo que alimenta em relação a ti. Não alivia nem melhora nada, mas ele acredita nisto.
Tu ficas furibunda com o marido e dás-lhe uma bofetada. Nesse preciso momento estás a acreditar que o sentimento de revolta em ti é causado pelo marido (não é). E tens que o atacar porque acreditas que isso te irá deixar a sentir-te melhor (não deixa).
Isto não significa que as nossas acções não têm consequências. Têm! Há policias e juízes para tratar dessas questões (e a vizinha do lado, que embora menos legal, é mais poderosa). Entretanto tu só podes lidar contigo. Isto é bom de saber. Nunca irás saber porque motivo os outros agiram como agiram. Nunca poderás estar dentro das suas cabeças para saber em que acreditavam quando agiram como agiram. Mas podes tratar de ti.
Este jogo da culpa leva-nos a campos de sofrimento sem saída possível. Quando acreditas que outro é o culpado por algo que aconteceu na tua vida irás sentir qualquer coisa entre a mágoa e frustração até à raiva e ódio. E depois culpas o outro pelo que sentes. E ao culpá-lo irás perpetuar estes sentimentos, estas emoções tóxicas. Compreendes o processo quando culpabilizas outro?
Talvez estejas a viver a história da namorada que te foi infiel, e o que podes fazer com essa informação? Culpá-la pelos teus sentimentos negativos não me parece ser uma solução para a paz na tua vida. Mas podes aprender que não é com essa namorada que queres estar. Talvez a tua história seja a do pai que te maltratou na infância, e agora podes continuar a culpá-lo ou podes aprender que a violência não é a solução.
Culpar os outros pelos nossos sentimentos é a saída fácil. E é também a entrada fácil num mundo de sofrimento.
O pai bateu-te há trinta anos atrás e na altura tu eras inocente e o pai foi o culpado pela sova que levaste. E com esta história de culpa irás sentir algo de menos agradável. E depois irás sentir-te pior porque no teu intimo sabes que o que sentes não é bom para ti. E culpabilizas o pai pelo que sentes. E regressas ao início do sofrimento.
É impossível ser-se violento excepto se acreditarmos numa mentira. A mentira é a causa da violência.
E lembra-te que nada podes fazer em relação ao comportamento que outros tiveram para contigo. É de ti que se trata, é do teu bem-estar emocional.
As pessoas são inocentes. Ver as pessoas de outra forma não resolve nada. São inocentes porque num estado de confusão mental acreditam que a violência funciona. A mentira funciona. A vergonha funciona. E o medo funciona.
Poderias tu parar com a violência que infliges a ti mesmo? Porque se não és capaz de o fazer não podes pedir que outros o façam por ti. Acorda da ilusão que a tua vida será maravilhosa quando os outros mudarem. Ninguém muda até tu seres o exemplo a seguir.
E não tens que te sentir culpado. És tão inocente como nós.
Aprende a criar um espaço entre a situação que te causa sofrimento e a tua resposta à mesma. Por vezes terás mesmo que te ausentar fisicamente. Se a esposa grita contigo, sai de casa, respira fundo e tenta compreender a situação sem a necessidade de teres razão. Só quando estiveres mais calmo é que é aconselhável regressar para junto da esposa que grita. Compreende-a. Compreende porque grita. Afinal é o que tu queres, que te compreendam. Mostra que é fácil compreender-te, compreendendo os outros.
A culpa está muito associada ao conceito de responsabilidade. Este tema é abordado em pormenor mais adiante. Entretanto, pondera isto: quando acreditas que a violência resolve uma situação de conflito, consegues manter-te sereno?
Muitas vezes pais maltratam os filhos exactamente porque acreditam que são os responsáveis pelo comportamento do filho. E não são, não podem ser. Os pais só podem ser o exemplo. E os filhos olham para o exemplo e decidem segui-lo, ou não.

Comentários