Aprender a amar


Amar outro ser humano é algo universal e essencial ao bem-estar físico, mental e emocional de qualquer um de nós.

Todavia não há um curso, uma aula, um workshop, que nos ensine com especificidade quais os gestos que demonstram amor e quais os que demonstram carência afectiva ou mesmo abuso.


Sentirmo-nos amados provoca no nosso cérebro um cocktail fascinante de dopamina, serotonina, umas quantas endorfinas, e eventualmente ocitocina. Estas moléculas são responsáveis por nos fazer sentir que estamos protegidos, podemos confiar, é seguro sermos quem somos e podemos expressar-nos sem receio.


Apesar de cada um de nós ter formas específicas de se sentir amado e de mostrar que ama, há comportamentos de base que todos podemos cultivar.


Tradicionalmente as formas como amamos são:


  1. Ser de serviço. Implica preparar uma refeição, dar banho, fazer um recado, ajudar a resolver um problema que afecta o outro, estar disponível para ouvir;
  2. Partilha de momentos. Ir passear de mãos dadas, ver uma série ao lado do outro, ir de férias com o outro, rir e chorar com o outro;
  3. Presentes. Oferecer um presente significa “pensava em ti quando não estavas presente”. 
  4. Elogios e Reconhecimento. Agradecer algo que o outro fez ou disse, notar o novo penteado ou o casaco que combina com os sapatos, o trabalho feito, etc;
  5. Toque físico. Uma carícia, um abraço, ou aconchego.


Todos temos uma forma principal e uma secundária de mostrar que amamos e também temos uma forma principal e secundária de nos sentirmos amados. E podem não ser as mesmas! Por exemplo, eu amo sendo de serviço a outros e com presentes. Mas sinto-me amado com presentes e reconhecimento. Ou seja, eu não preciso que alguém reconheça quando sou útil. Mas quando sou útil e a outra pessoa reconhece o meu serviço sinto a serotonina até aos dedos dos pés!


O mais importante disto é não fingir. Jamais ser de serviço para que o outro nos ame, ou dar um presente porque sabemos que é assim que o outro se sente amado. Ser natural e autêntico é o mais importante.


Outro aspecto do amar: ouvir o outro sem o querer corrigir, mostrar-lhe que está errado ou que deve mudar. Ouvir, mostrar interesse genuíno por aquilo que o outro diz. Não interromper o discurso do outro. Na comunicação com outros é mesmo importante manter presente isto: o que estou a dizer é útil ou acrescenta bondade na vida do outro? A comunicação numa relação íntima deve ser fluída, não mais que dois minutos ou três de conversa e deixar espaço para que o outro se expresse também. Caso não respeitemos estes tempos, e se o que dizemos não é útil ao outro, ele ou ela irá naturalmente produzir epinefrina, a molécula da luta ou fuga. 


Quando amamos é ainda importante ser professor e aluno. Quer isto dizer que faz parte de uma relação indicar ao outro quando tem um comportamento inapropriado, e permitir que o outro também nos diga quando somos nós. Não levar a peito estas aprendizagens. A melhor forma de o fazer é focar a atenção no comportamento e não na pessoa. Há uma diferença entre dizer “Estás atrasado” e dizer “quando te atrasas eu faço filmes mesmo negativos, sei que o problema é meu, como poderíamos ultrapassar isto?” - e ouvir a resposta sem querer que o outro mude. E podemos ainda verificar onde é que nós também nos atrasamos.


Vamos agora ver os sinais que nos indicam que um relacionamento é tóxico e até perigoso.

        1. Intensidade

Uma relação intensa, em que acreditamos que não conseguimos viver sem o outro, mas queremos que o outro seja como nós queremos para podermos estar bem. É normal haver alguma intensidade no início da relação, mas o importante é ficar atento a como evolui. Se a relação é feita continuamente de altos e baixos, estamos muito bem ou estamos muito mal, amo-te muito e não te posso ver à frente, isto significa que estamos a alimentar uma relação tóxica. 

        2. Isolamento 

É natural de início querer estar o máximo de tempo com a outra pessoa. Mas se continuamente queremos o outro presente, em que exigimos que exclua tempo com a família e amigos, em que o outro não pode ter actividades sem a nossa presença, estamos a caminhar para uma relação tóxica. Observa sobretudo se criticas os amigos do outro ou tentas dizer-lhe quais os amigos que deve manter e quais devem ser afastados.

        3. Ciúme 

Quando há uma necessidade de saber onde o outro está, com quem está e o que está a fazer. Acusar o outro de flirtar, de mostrar interesse em outros. Isto demonstra uma insegurança e carência afectiva tóxicas.

        4. Inferiorizar 

O proverbial “deita abaixo”. Quando fazemos acusações e não aceitamos uma explicação, mas quando o outro nos acusa a nós temos sempre uma justificação. Apontamos o dedo para ferir, afirmamos que o outro é menos que, não presta ou tem pouco valor na nossa vida. As nossas palavras fazem o outro saber que é o elemento fraco da relação.

        5. Volatilidade 

Quando a relação é feita de extremos opostos diariamente. Ao invés da Intensidade, na Volatilidade damos por nós a chorar e a dar muita importância a coisas sem importância. Queremos ser o centro do universo do outro. O outro tem que adivinhar o nosso estado emocional continuamente. Afirmamos que o outro é importante na nossa vida e o amamos, e no minuto seguinte estamos a mostrar-lhe todas as suas falhas. Impomos condições mas não queremos assumir a nossa parte da disfuncionalidade na relação. Normalmente acreditamos que as nossas falhas são ridiculamente sem importância enquanto as falhas do outro são um tsunami de horrores e sofrimento.

        6. Imaturidade

Quando interpretamos o comportamento do outro continuamente de forma negativa, vemos no outro alguém que propositadamente nos quer magoar, não comunicamos claramente as nossas necessidades ou exageramos os defeitos do outro. Colocamo-nos no centro da vida do outro e queremos que nos faça garantias que nenhum ser humano pode garantir (“promete nunca olhar para outro homem/mulher”, “tens que me conquistar” ou “prova-me que posso confiar em ti”). 


O Romantismo e como este é tóxico para qualquer relacionamento adulto


Inicialmente o Romantismo era uma corrente literária que passou eventualmente a uma filosofia de vida. Esta filosofia de vida pressupõe uma narrativa fantasiosa impossível de realizar enquanto seres humanos.


No Romantismo os dois apaixonados sentem imediatamente no primeiro encontro que estão destinados um para o outro. Nada nem ninguém os irá separar. Haverá drama, provocado por familiares, amigos e um, ou uma, estranho que irá testar o amor que um sente pelo outro. No Romantismo encontramos uma felicidade intensa, uma atmosfera de luxo (desde banquetes a passeios à beira mar ou num bosque cuidado e lindo como as estrelas). O Romantismo não tem crianças para educar, cozinhas para arrumar, empregos que exigem muito tempo e energia nem horas de carro ou transportes públicos para o trabalho. No Romantismo não há envelhecer, os personagens morrem cedo, por vezes dias depois de se conhecerem. O amante compreende e conhece na totalidade o ser amado. Sabe o que outro quer, quando quer e como quer. 

E, acima de tudo, o Romantismo afirma que a pessoa amada não tem defeitos e é possível amar a totalidade que é, sem tirar nem pôr. 


Obviamente isto é uma receita para o desastre. 


Primeiro, é impossível compreender o outro. Compreendermo-nos a nós mesmos é em si uma tarefa herculeana, como poderá o outro compreender um décimo da complexidade que somos?


Em segundo lugar, sabemos hoje que aquilo a que chamamos “apaixonar” nada mais é que um truque do nosso cerebelo que reconhece na outra pessoa alguém que nos irá proporcionar as mesmas experiências emocionais que vivenciamos nos primeiros anos de vida (o cérebro não gosta de aprender novas formas de se relacionar com outros, prefere manter a aprendizagem inicial, gasta menos energia). 


Terceiro, amar outro ser humano significa aceitar as suas falhas tanto como as suas virtudes. Isto significa que as duas pessoas numa relação assumem um compromisso de se educar um ao outro. Sem levar a peito nem exigir que o outro assimile a aprendizagem imediatamente ou mude logo que é chamado à atenção. 


Quarto, amar outro ser humano não pode ser uma vida de passeios, banquetes e hotéis de cinco estrelas. Significa sim momentos gratificantes e momentos difíceis, confusos e de um desentendimento temporário. 


Quinto, amar outro ser humano é sabê-lo tão vulnerável quanto nós. Que muitas vezes iremos falhar, como o outro também irá falhar. Significa uma aventura. Ao contrário do Romantismo, que é todo ele rosas e perfumes caros, com a adição de um personagem que tenta desestabilizar a relação, uma aventura significa momentos de stress, de não saber o que fazer, parar, respirar fundo, e continuar. 


Sexto, o Romantismo diz-nos que não deve haver qualquer esforço na relação, tudo deve ser fluído e transparente. A realidade diz-nos que a transparência não é possível enquanto ficarmos amuados com os comportamentos do outro.


Maturidade implica saber que não é o comportamento do outro que nos magoa, mas apenas a nossa interpretação desse comportamento. Qualquer “deverias” ou “tens que” ou “precisas de” são elementos tóxicos numa relação a dois. Porque cada uma destas obrigações implica a rejeição da individualidade. 


Para terminar, já pensaste porque os filmes do Walt Disney terminam sempre após a boda com um “foram felizes para sempre”?… Porque se o filme continuasse iríamos descobrir que o “felizes para sempre” não existe, é um mito. 


Então, ao invés do Romantismo, podemos criar na relação um espaço para aprendizagem, para sentir medo, mágoa e ternura, sexo e arrumar a cozinha. Uma relação com maturidade incluirá o bom e o mau, em medidas muito idênticas. 


O importante é manter presente que não é o que o outro faz ou diz que nos causa qualquer emoção, mas sim a nossa interpretação daquilo que o outro diz ou faz. Então, perante uma situação de stress que é aparentemente provocada pelo outro, podemos questionarmo-nos. Qual a interpretação que estou a fazer deste comportamento? Onde aprendi a reagir desta forma a este comportamento? De que maneira eu tenho o mesmo comportamento?


E isto é, resumidamente, o que torna uma relação a dois madura, adulta.


PS. A única pessoa que pode rejeitar-nos, magoar-nos ou deixar-nos infelizes é aquela que vemos em frente do espelho todas as manhãs. Os outros irão reflectir aquilo que tentamos esconder.

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