Sem ocitocina não há como confiar nos outros


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o ponto de vista da biologia são muitos os estudos que demonstram uma relação directa entre o adulto com dificuldade em criar laços saudáveis com outros e o tipo de interação na infância com os pais. Por forma a sermos capazes de confiar nos outros e em nós, a saber a diferença entre um comportamento tóxico e saudável, a reconhecer a pessoa que procura genuinamente construir um relacionamento saudável e aquela que vê em nós alguém que deverá preencher apenas as suas necessidades, é necessário que nos primeiros cinco anos da nossa vida sintamos que os adultos à nossa volta nos desejam, amam, cuidam de nós e sobre os quais podemos confiar as nossas vidas. Desta forma os nossos cérebros, ainda em desenvolvimento, irão produzir ocitocina, também chamada de
  molécula do amor, da conexão e confiança. Este processo nos primeiros anos é fundamental para que mais tarde, já adultos, possamos confiar no que sentimos ao interagir com outros e saber em quem podemos confiar ou não.

Pais que não validam as emoções dos filhos, que colocam as suas necessidades emocionais acima das da criança, irão educar alguém que muito provavelmente irá sofrer  de ansiedade crónica na idade adulta, terá dificuldade em socializar, com uma maior probabilidade de experienciar relacionamentos em que a traição ocorrerá. Apesar de bastante complexo, sabemos que um adulto com problemas em confiar nos outros terá um comportamento negligente, arrogante ou ausente, continuamente na defensiva, em que consegue uma explicação razoável para as suas falhas mas é incapaz do mesmo em relação ao companheiro. Ou seja, quando eu me atraso é porque a reunião demorou mais do que era esperado, quando tu te atrasas é porque és uma besta que não respeita o meu tempo.


Como podemos saber que comportamentos por parte dos pais indicam uma presença emocional, mostram à criança que é bem-vinda na família e é seguro ser quem é, e quais os comportamentos que mostram ausência emocional, criam um sentimento de não merecer ser amado só por fazer parte da família e pode ser abandonada ou rejeitada quando não satisfaz as necessidades emocionais dos adultos? 


Nos casos em que os pais magoam intencionalmente a criança como forma de educar, seja com gritos e ameaças, seja recorrendo à violência, quando há uma visível agressão verbal ou física, é fácil saber que estamos perante pais que negligenciam as necessidades emocionais da criança. Há ainda formas subtis, e que passam despercebidas, de um pai ou mãe mostrarem despeito pela criança.


Afirmações como “O que os outros irão pensar se?…” indicam uma preocupação maior pela opinião que outros possam ter do que pelas necessidades da criança. 


Fazer questão de mostrar desagrado sempre que a criança faz asneira ou não cumpre os requisitos comportamentais satisfatórios indicam que a criança não merece ser cuidada e amada pelo simples e natural facto de existir. Exemplos disto é manipular a criança até que esta dê o beijinho mendigado pela tia mentecapta, o pai fica triste quando a criança tem uma nota menos boa na escola, ou quando a mãe acusa a criança de não saber fazer algo que em realidade é inapropriado para a sua idade (o facto de a criança de 6 anos não saber descascar batatas ou arrumar os copos no lugar certo). 


Os pais que criticam qualquer amigo da criança ou que estão atentos a qualquer actividade da criança e ensinam assim que não pode confiar nos outros. 


Pais que ignoram um pedido da criança ou, pior, ensinam desde muito cedo que a criança não deve falar quando adultos conversam, ensinam a criança a ter medo de afirmar o que quer ou não quer dos outros, dificuldade em dizer “não” - tudo sob uma ameaça nunca falada de abandono ou rejeição. Por vezes estes pais podem chegar a um extremo em que afirmam algo como “se não deres um beijinho ao tio ele não gosta de ti”.


Um adulto cujos pais tenham sido negligentes emocionalmente terá que aprender a confiar em si mesmo antes de poder confiar nos outros. Isto significa conhecer, interpretar e reconhecer os sinais físicos e/ou emocionais sentidos quando os nossos limites pessoais são violados. Há pelo menos quatro tipos diferentes de limites pessoais a que devemos prestar atenção.


1. Limites físicos: tudo o que esteja relacionado com o nosso corpo e espaço à nossa volta. Isto implica autonomia suficiente para nos afastarmos de qualquer situação. Pais que ensinam a criança a abraçar ou beijar qualquer e toda a pessoa conhecida da família é uma das formas de ensinar a não respeitarmos os nossos limites. Em vez disso, pais deveriam ensinar que é ok por vezes não querer dar beijinhos e um aperto de mão é suficiente. Ensinar a criança a criar um tempo para ela mesma, para estar consigo, nem que seja apenas 20 minutos, é outra forma de ensinar a criança a reconhecer os seus limites físicos. Forçar a criança a fazer algo que a repugna é errado, o saudável é ouvir a criança, pelas suas palavras, dizer o que gosta e não gosta. Ensinar a criança, quando esta tem idade suficiente para compreender, a pedir autorização antes de mexer em objectos que não lhe pertencem. O oposto é mexer nos objectos da criança sem a sua autorização. Muitos pais, incapazes de validar as emoções da criança, exigem resposta a um “porquê?”, a que a criança não tem vocabulário suficiente para responder;


2. Limites emocionais: Os sentimentos da criança fazem parte de quem ela é. Estes limites são destruídos pelos pais de cada vez que dizem a terceiros algo inapropriado ou mesmo com um efeito humilhante para a criança, como por exemplo dizer à vizinha que a criança ainda usa fralda. Ignorar o choro da criança ou até ridicularizar por chorar é outra forma de ensinar a criança a não ser capaz de estabelecer limites saudáveis. Um outro exemplo bastante comum é discutir com familiares ou amigos as más notas do filho na sua presença. Saber os nossos limites emocionais implica afastarmo-nos de um grupo cujo tema de conversa é denegrir o carácter de alguém ausente, ou pedir a alguém para mudar o assunto de uma conversa porque é um tema que nos perturba, como o uso da violência para fins pacíficos, ou informar uma criança que falar aos gritos é uma provocação e não haverá uma resposta da nossa parte;


3. Limites Sexuais: estes limites dizem respeito à nossa expressão sexual e ao espaço que para nós é apropriada tal expressão. Isto inclui a nossa preferência por determinadas práticas, tempo em que para nós é ok (à noite, ao fim-de-semana, etc.), e parceiros. Estes limites são violados quando alguém nos pressiona para agirmos em discordância com o que é para nós aceitável ou apropriado. Quando a criança mostra curiosidade em relação aos genitais é uma oportunidade para falar destes limites, sem vergonha nem culpa;


4. Limites intelectuais: As nossas crenças, ideias e opiniões. Respeitar o facto de que podemos ter opiniões ou crenças diferentes, experiências diferentes. Os nossos limites são violados quando alguém nos ridiculariza ou despreza as nossas opiniões. A atitude saudável é admitir que podemos estar errados, e os outros também. Há uma diferença entre discutir dois pontos de vista opostos por forma a uma melhor compreensão por ambas as partes e discutir para forçar uma opinião como sendo válida e outra não.

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