A grande maioria das pessoas vive dentro de uma história que foi construindo desde muito, muito cedo.
Essa história, enraizada no subconsciente, cria cada um dos nossos dias. É essa história que atrai as pessoas com quem convivemos, os colegas, familiares, amigos. Atrai ainda as situações que experienciamos. Os sucessos e os fracassos.
Algures na infância aprendemos que não somos suficientemente bons numa ou em várias áreas. É fácil saber qual o tema da nossa história se tivermos a coragem de olhar para os eventos “negativos” que se repetem nas nossas vidas. E repetem.
Aprendemos ainda que alguém nos salvará. Alguém nos fará felizes. Alguém terá a solução para os nossos problemas. E as situações menos agradáveis sucedem-se. Mudam as personagens, mas as emoções, os problemas e as nossas respostas mantêm-se idênticas.
Sentimo-nos inseguros e com receio de pedir aquilo que em verdade queremos das pessoas que nos são queridas. Fingimos ser quem não somos para agradar e obter a aprovação dos outros.
Medos, vergonhas, culpas, raivas, acumulam-se num caldeirão subconsciente à espera de um momento de distracção para explodir e causar danos à nossa volta. Magoamos e somos magoados. E a nossa história repete-se. E ainda que haja feridas e sofrimento, pelo menos resta-nos o conforto de saber qual será o desfecho de cada situação. Exactamente porque já o vivemos antes.
É aqui que os nossos amigos desempenham um papel importante: validam a nossa história. Enquanto nos queixamos das coisas que estão mal na nossa vida, eles acenam compassivamente a cabeça, afagam-nos os ombros, ficam tristes com a nossa tristeza. E validam a nossa história. São os suportes que nos ajudam a acreditar na história que criámos há muitos anos atrás. Por outras palavra: são a cola que mantém a nossa história intacta.
Um amigo verdadeiro é aquele que nem sempre concorda connosco. Aquele que quando nos queixamos nos interroga. Aquele que consegue ver que nos nossos monólogos estamos a ser vítimas. E muito provavelmente a mentir a nós mesmos.
Mentimos a nós mesmos quando nos queixamos que outros se aproveitam de nós. Ou quando reclamamos do cônjuge ausente, ou do filho desobediente, ou do pai intolerante.
É preciso muita coragem para ver para além das mentiras que nos vamos contando por forma a validar a nossa história.
Uma forma de descobrir as mentiras que nos contamos é escrevendo as nossas queixas numa folha. Todas! E depois trocar o sujeito de cada queixa e colocarmos no seu lugar o nosso nome próprio. E assumir até que ponto a queixa mantém a sua verdade.
É que os outros irão sempre mostrar-nos aspectos nossos. Sem excepções.
Mas esta é uma lição muito dura. Obriga-nos a saltar para fora das nossas histórias e a entrar em território desconhecido. Território onde ocorrem milagres a cada instante. Fora das nossas histórias.
Consciente ou inconscientemente, dentro da minha história eu sei exactamente qual será o desfecho de cada acção minha. Sei quem sou. Ou pelo menos conheço muito bem os papeis que desempenho.
Mas fora da minha história há todo um universo de emoções e eventos que me são desconhecidos.
Hoje perguntei-me várias vezes: quem seria eu sem a minha história?
Alguém imperturbável. Em paz. Sabendo que tudo é perfeito. E, como bónus magnifico, sem uma única vez me queixar! É que sempre que me queixo estou apenas a mostrar ingratidão para com a Vida, Deus, Universo... E eu estou tremendamente grato por cada experiência bela e magnífica com que a Vida me abençoou. Sem queixas. Em paz.
O meu querido amigo João, com quem passei hoje várias horas dentro do carro, recordou-me algo: há uns largos meses atrás eu era um queixinhas de primeira. O meu passatempo favorito era queixar-me das pessoas que se queixavam! Estava farto das pessoas queixinhas, e certificava-me que todos sabiam isto, queixando-me!
Não sei quando dei o salto. Aconteceu. O que sei é que algures num passado não muito longínquo achei que bastava! Cansei-me da minha história. Era monótona e entediante ao ponto do suicídio.
Hoje ouço outros a queixarem-se, a nadar profissionalmente no mar das suas histórias, e não fico afectado. Acho delicioso. Sei que um dia, como eu, hão-de acordar. E dirão, como eu, “basta”!
Comentários
Olá, Emídio. Gostaria de dizer a você, que seus artigos são ótimos! Gostei muito deles. Também tenho um blog. Fiz ele recentemente, mas sempre que posso posto nele. Se quiser entrar nele, aí está o endereço: http://cesar-melo.blogspot.com
ResponderEliminarSou uma pessoa que gosto muito de escrever. No momento, estou escrevendo um livro.
Até breve!!!
o problema, pra mim, está sempre no binarismo de nosso pensamento...
ResponderEliminarViva Emídio.
ResponderEliminarUltimamente tenho passeado muito por este blog... cada texto ressoa como se tivesse sido eu a escreve-lo, passo a presunção!!
A franqueza das suas palavras comove-me.. a sua alma revela-se em cada uma!!
Já tenho comentado outros textos seus, limitando a felicita-lo porque considero que são irrepreensíveis.
Um grande abraço,
Filomena