As Descobertas do Verão

Nos últimos três meses vivi imerso numa experiência radical: ver-me em tudo e todos.

E não encontrei uma única excepção à regra: tudo o que pensava dos outros era de mim que estava a falar. Sempre.

Este é o poder das projecções e este é o motivo das guerras. Eu só consigo ver nos outros o que já está em mim, literalmente.

Alguns exemplos, que talvez o possam ajudar a si também.

- A minha mãe é uma queixinhas. (Em realidade ela é quem é, mas eu é que me estou sempre a queixar dela);

- O meu vizinho é teimoso. (Em realidade ele é quem é, só quando eu teimo com ele é que ele se torna teimoso. Quem é o teimoso?);

- A minha amiga L quer ter sempre razão. (E eu, ao não lhe dar razão, estou a agarrar-me à minha “razão”... Quem é que quer mesmo ter sempre razão?);

- A minha vizinha é infiel ao marido. (E eu, infiel a mim mesmo, não me respeitando quando digo “sim” e quero dizer “não”);

O meu trabalho ao longo destes três meses foi estar atento ao que pensava sobre os outros e depois inverter os pensamentos de forma a ser eu o sujeito. E conseguia encontrar sempre a verdade de cada inversão. Por vezes doía. Por vezes deixava-me angustiado. Mas no final destes três meses posso dizer que encontrei uma paz de espírito que nunca imaginei ser possível.

Outras coisas que aprendi: a defesa é o primeiro acto de guerra.

Quando alguém me acusa de algo, deve ter os seus motivos para fazer a acusação. Mas ao defender-me estou a entrar em conflito com o outro. Alguém acusou-me de ter a mania de saber as respostas a tudo. Ouvi a sua acusação. Ponderei o que me dizia e descobri que era verdade. Agradeci. O nosso problema é o querermos ter sempre razão, quando raramente a temos. O problema é que avançamos pela vida a não nos respeitarmos, a não nos amarmos, e depois esperamos que os outros nos respeitem e nos amem. Não vai acontecer nunca.

Há feridas profundas na nossa alma e em vez de as curarmos tentamos encontrar pensos rápidos que acalmem a dor. Uma relação extra-conjugal, um chocolate, um filme, uns boatos sobre alguém que mal conhecemos, a televisão, comida em excesso... Tudo formas de colmatar a dor na nossa alma e, ao mesmo tempo, querer ter razão.

Agora aprendi. Quando alguém me acusa de algo faço questão de repetir a acusação. Vou dentro de mim. Procuro a verdade. E quando a encontro agradeço ao outro o ter-me mostrado algo que ainda tinha para corrigir em mim.

Isto levou-me a outra descoberta: os insultos.

Um insulto é algo que dizem sobre nós e que nós temos medo que descubram por ser verdade. Ninguém quer ser rotulado de burro. Mas já todos fizemos burrices. Ninguém quer ser rotulado de mentiroso, mas já todos mentimos. Ninguém quer rotulado de palerma, mas já todos fizemos palermices. Se alguém me chamar estúpido não levo a peito. É verdade. Já fiz muita coisa estúpida na vida. E quando sou capaz de assumir todas as minhas imperfeições fico em paz. As palavras dos outros não me afectam.

Outra descoberta: eu vou ser para ti quem tu quiseres que eu seja. Sempre.

Cada um de nós vive dentro de uma história. Nessa história o mundo é feito de pessoas boas e más, egoístas e altruístas, simpáticas e antipáticas. E se eu procurar alguém para me confirmar que no mundo há pessoas burras, irei ver burrice em ti, independentemente do que digas ou faças. Eu escrevo estas palavras e se na tua história há pessoas que só dizem disparates, irás ver aqui um grande disparate. E terás razão. Confirmas a tua história.

Outra descoberta: a vida irá dar-me de volta o que eu projecto a partir do meu interior. Sempre. O problema é que o processo é todo ele inconsciente. Como é que sei o que ando a projectar? Observando as pessoas à minha volta. Que tipo de pessoas fazem parte da minha vida? É isso o que eu ando a projectar. Então começo a projectar conscientemente o que quero observar. Amor é um bom começo.

Outra descoberta: não há pessoas más, apenas desconhecedoras da realidade. Cada ser humano só pode fazer aos outros o que acreditar ser o melhor. Claro que aquilo que eu considero melhor para mim não é necessariamente o melhor para os outros. Esta deu-me cabo dos neurónios durante dias a fio. Mas a realidade é que se víssemos todos os outros como pedaços de quem nós somos, alguma vez teríamos a coragem de os criticar, deitar abaixo, envenenar?... Não creio.

O primeiro passo para a cura de qualquer problema é ser útil aos outros. Quando sou útil aos outros esqueço os meus problemas. E quando esqueço os meus problemas há um Poder Maior que os resolve. Claro que o meu ego irá querer ditar a forma como os meus problemas se resolvem. Isto significa não acreditar num Universo Amigo.

Ainda outra descoberta: não sou responsável pelos pensamentos que rodopiam na minha cabeça. Os pensamentos surgem, simplesmente. E um pensamento dá origem a muitos outros idênticos. É função da mente/ego confirmar cada pensamento. Então, quando eu penso que o meu colega é estúpido, a mente irá procurar todas as situações que confirmem este pensamento. A única forma de parar esta tortura é questionando os meus pensamentos, tornando-me observador de mim mesmo. Penso “O Carlos é um idiota”. Ok, será que isto é verdade? E como é que me sinto quando tenho este pensamento e estou com o Carlos? Como é que o trato, quando tenho este pensamento? E sem este pensamento, como é que me sinto? E depois, claro, dou a volta ao pensamento original: “Eu sou um idiota” (sobretudo por não me permitir ver a totalidade do Carlos e reduzi-lo a uma única qualidade!). Se quiser mergulhar a fundo nos seus pensamentos, aprenda com a Byron Katie (www.thework.com).

E agora sei que é verdade: eu não estou no mundo, o mundo está em mim. Obrigado, Krishnamurti.

Comentários

  1. Excelente texto... De facto nós vemos os outros, como nós somos e não como eles são!

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  2. Lindo e tão verdadeiro!! Também eu estou neste processo e revejo-me em cada parágrafo! Hoje consigo amar as trevas (já não digo "que me habitam" porque começo a desconfiar das fronteiras entre o dentro e o fora de mim) que vou denunciando a cada momento! Parece um processo exaustivo mas não é!! Curiosamente, habituei-me a observar cada pensamento, sentimento, atitude, cada reacção dos outros, e tornou-se fluente.. Tornei-me uma observadora atenta e capaz de auto-análise suficientemente objectiva (não deixando de ser subjectiva, dependendo da perspectiva) para me comprazer naquilo que considero "o meu jogo da vida".. hoje, claro! Amanhã, quem sabe o que mudarei?!
    Deixo-lhe um grande abraço e a minha admiração!

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