A
felicidade é uma construção mental com menos de duzentos anos. E é uma
construção mental porque a vida, a vida real, não se limita a um estado nem é
estagnada.
Foi-nos
impingida esta ideia de que a felicidade está dependente de factores externos.
Serei feliz quando tiver a relação que desejo, o carro que desejo, a casa que
desejo, os filhos que desejo. Quando a vida acontecer como eu desejo então
haverá espaço para ser feliz.
Muitos
autores e promotores do bem-estar emocional impingem esta ideia de que é
importante ser-se feliz e, obviamente, eles sabem que se fizermos isto ou
aquilo seremos felizes.
E
contudo é impossível permanecer num estado de felicidade. Há morte, há doença,
há divórcio, há desemprego, há fome, há injustiça. Como manter-me num estado de
felicidade perante os desafios que a vida nos lança? Iremos falhar.
Por
outro lado o nosso cérebro está biologicamente construído para nos manter
vivos. Procura consciente e inconscientemente tudo aquilo que percepcione como
uma ameaça à sua existência. Há dez mil anos essa ameaça era um mamute. Hoje é
uma fila do trânsito. A resposta fisiológica ao mamute e à fila do trânsito é a
mesma. Surge o stress. Queremos mudar o que está a acontecer porque a um nível inconsciente
o cérebro vê a situação de stress como uma ameaça ao seu bem-estar.
Por
outro lado um recém-nascido aprende que precisa da atenção dos adultos para que
a sua vida seja sustentável. Se chorar será alimentado, acarinhado, etc. E como
não desaprendemos isto, passamos toda uma vida a buscar a atenção dos outros
porque o cérebro tem um só registo: preciso da atenção dos outros para estar
vivo.
Como
seria a tua vida sem a necessidade da atenção dos outros? Como seria a tua vida
se soubesses que tudo acontece para te apoiar? Se soubesses que aquilo que
aparentemente é mau esconde algo de positivo?
É
aqui que surge o conceito de felicidade. Queremos tudo o que há de positivo,
queremos pessoas boas e amáveis, relacionamentos funcionais, um corpo saudável
e elegante, uma conta bancária sustentável, um emprego que nos garante prazer.
E aí sim, seremos felizes.
Talvez
nunca se tenha tratado de ser feliz. Talvez seja mais uma questão de estar em
paz com o que acontece, incluindo um estado emocional que provoca desconforto.
Cada
emoção pode ser vista como uma mensagem da alma, do Além. Uma tristeza pode
significar apenas um aviso para tirar tempo para estarmos sós, connosco, para
nos dedicarmos a nós, para verificar o que queremos e não queremos. Uma raiva
pode ser tão-só um grito a dizer “não é por aí”.
Em
vez de afirmações positivas e estados de negação, talvez fosse melhor prestar
atenção ao que os nossos estados emocionais significam. Não há emoções
negativas, há emoções que comunicam connosco, com a mente racional. Receber
cada emoção como uma visita, ouvi-la, aprender algo acerca de nós e da vida, é
o caminho para a paz.
A
felicidade não é possível porque é uma teoria que luta com a própria
existência. Já a paz é possível a qualquer um.
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