“Não é o que acontece que causa sofrimento, é o
significado que atribuímos ao que acontece.”
Este livro é para as pessoas que se encontram
cansadas de livros de auto-ajuda, de seminários dedicados à deusa interior, de
workshops para o guerreiro da luz, e de conferências sobre vidas passadas. Ou
seja, para aqueles que se estão a passar com tanta teoria que em nada facilita
esta coisa a que se chama vida.
Ouvimos muitos gurus e mestres discursar sobre tudo
o que é quântico, como se soubessem do que falam. Agora a Física Quântica é o
bode expiatório que tudo explica e em que tudo se encaixa na perfeição. Depois
de dois anos a estudar esta ciência apenas posso afirmar isto: nem os próprios
cientistas que dedicam a sua vida ao assunto compreendem muito bem o que se
está a passar.
Lemos acerca da matéria, iões, fotões, energia e
universos paralelos. Mas o que raio é tudo isso? E será que preciso de
compreender isso para estar de bem com a vida?
Depois, para os mais sofredores de entre nós, temos
ainda a oferta de almas gémeas. E os karmas familiares. Se isto não é
masoquismo, só pode ser sadismo. O karma, muito resumidamente, e para o comum
dos mortais, resume-se a isto: numa outra vida passada fizeste asneira e agora
estás a pagar. É o mesmo que meterem-te na prisão por um crime que cometeste
mas nem tu nem ninguém sabe qual foi o crime. Vais pagar por um crime, mas não
sabes que crime! Se isto não é uma aberração, só pode ser humor negro.
Permitimos, inconscientemente, que a nossa vida se
tornasse tão rápida, tão agitada, que vivemos continuamente em modo reactivo. A
reagir ao relógio, aos telemóveis, ao emprego, ao companheiro, aos filhos, à
televisão, ao trânsito, às promoções nas lojas. Sempre a reagir a algo.
Reagimos ao que a mãe diz. Reagimos ao que a amiga faz. Reagimos ao que
acontece e ao que não acontece. E isto é viver um inferno.
Experimenta parar um pouco e observar. Cinco minutos
são suficientes. Observa os pensamentos que se sucedem, sem decidires que são
bons ou maus. Simplesmente mantém-te presente para os pensamentos que vão
surgindo.
Experimentação: faz uma lista das coisas, pessoas e situações às quais reages
negativamente. Experimenta depois travar-te, não reagir.
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Observa como a respiração acontece sem a tua
intervenção consciente. Os músculos contraem e relaxam em sintonia, o cérebro
produz químicos específicos para que esses músculos funcionem de maneira
correcta, o ar entra e sai. Tudo na perfeição. E tudo sem a tua intervenção
directa. Observa como levas a comida à boca, a digeres e separas os nutrientes
que necessitas daqueles que não são precisos. E mais uma vez sem a tua
intervenção directa. Não tens que saber quais os órgãos que produzem enzimas
para que a digestão aconteça! E observa ainda o sangue. A forma como o sangue
leva nutrientes e oxigénio a todo o corpo. Como o coração abranda ou acelera
sem que dês qualquer instrução consciente. A vida vive-se em ti sem a tua
autorização. Para o tempo suficiente para te tornares consciente de tudo isto. Uma
tarde, um dia. Faz nada excepto observar a vida a acontecer.
Observa agora os teus pensamentos. Observa como vão
surgindo do nada e regressam ao nada. “Está a chover”, “O meu pai não gosta de
mim”, “preciso de mais dinheiro”, “não sei o que fazer”, “isto está difícil”,
etc. Estes pensamentos que vão aparecendo ao longo do dia. Será que és tu a
pensar, a escolher cada pensamento, ou será que os pensamentos simplesmente
surgem? Observa como os pensamentos que surgem e causam sofrimento são
repetidos. São a história que afirma “coitado de mim”.
De onde surgem estes pensamentos? Os pensamentos que
afirmam que não és capaz, que não mereces, que a vida é injusta, que ninguém te
compreende, que estás só. Talvez estes pensamentos não sejam teus. Talvez
alguém te tenha ensinado a acreditar neles. Pondera um pouco isto: se fosses o
único ser humano no planeta, alguma vez terias estes pensamentos?
Talvez tu não penses, talvez sejas pensado. Talvez
os pensamentos que causam sofrimento tenham origem na sociedade à tua volta. Já
te deste conta que a mesma situação pode ser causa de alegria numa sociedade, e
tristeza noutra?
E talvez nem sequer consigas controlar esta coisa de
pensar. Talvez os pensamentos surjam, as histórias constroem-se e tu és o mero
espectador.
Pela manhã despertas. E nem sequer pensas “agora vou
pensar no dia entediante que tenho pela frente! Vou aborrecer-me até à morte, e
assim consigo sair da cama de mau humor!”. O que acontece é que os pensamentos
simplesmente aparecem. Um atrás do outro. E há pensamentos que não te afectam,
e outros que te afectam. Para descobrires porque motivo uns pensamentos te
afectam e outros não, descobre a tua história de coitadinho. Por exemplo,
talvez acredites que ninguém gosta de ti, ou que não vales nada, que estás só,
que a vida é dura, que nunca fazes nada bem feito. Mais adiante iremos ver
quais as histórias em que acreditamos e que são a causa do sofrimento. Para já,
e para começares a descobrir-te, imagina que a tua história anda à volta de
“ninguém gosta de mim”.
Experimentação: tenta pensar aquilo que estás a fazer no momento. Por exemplo “eu
agora estou a caminhar para a sala. Os meus pés avançam, um e depois outro.
Agora acendo a luz”.
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Acordas pela manhã e os pensamentos vão surgindo.
Qualquer coisa como “Oh, tenho que me levantar! Não me apetece nada ir
trabalhar hoje. Deixa ver como está o tempo. Não sei se vista a camisa azul ou
a verde. Talvez a azul se estiver bom tempo. Tenho que comer mais fruta, estou
a engordar. Deixa-me ir beber um copo de água.” Pensamentos inocentes vão
surgindo. Sem interrupção. Nem te apercebes quando te levantas, ou quando já
estás na casa de banho, ou a tomar o pequeno-almoço. Tudo vai acontecendo,
enquanto os pensamentos acerca do que não está a acontecer vão surgindo na
mente. Mais ou menos pacífico, até surgir um pensamento que tu identifiques
como sendo a tua história. Aparece, por exemplo, o pensamento “O meu colega não
respondeu à mensagem que lhe enviei ontem!” – este pensamento confirma a tua
história de ‘ninguém gosta de mim’, por exemplo. A partir daqui a mente começa
a carregar outros pensamentos que ajudam a manter a história intacta. “Talvez
esteja zangado comigo! Também pudera, quem é que suporta aquele idiota? Ainda
por cima fala mal de mim nas minhas costas!”. E por aí fora. E assim
transforma-se um bom começo de dia num inferno.
Todavia fica atento a observar como apesar dos
pensamentos que vão surgindo na mente, a vida se vai vivendo. Levantas-te,
cuidas de ti, comes, preparas-te para ir trabalhar, e nem sequer te apercebes
que tens pés! Ou que as tuas mãos fizeram tantas coisas ainda antes de sair de
casa! Ou que tens casa!
Para já não é necessário ficares a pensar como
escapar disto. Não é possível escapar. Não há uma estratégia. Não há pensamento
positivo algum que te ajude. Porque o pensar é automático. Mais tarde poderás descobrir-te
e os pensamentos que antes te causavam sofrimento deixarão de te visitar com
tanta frequência.
Presta ainda atenção como independentemente do que
tu consideras certo ou errado, cada ser humano faz o que faz. Talvez muito do
certo e errado seja uma questão de educação, ou cultural.
Observação: a vida acontece à tua volta. Presta atenção apenas. Desde as nuvens
ao autocarro, da criança que chora ao mendigo que pede esmola. Limita-te a
observar a vida durante algum tempo.
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Pessoas gritam, atravessam-se à tua frente, ficam
doentes, enriquecem, casam-se, perdem o emprego, zangam-se. Tudo a acontecer à
tua volta. E tu não tens qualquer poder para mudar o que quer que seja neste
preciso momento. Então para quê ficar magoado? Consegues que a criança doente
melhore só porque tu ficas preocupado? Não me parece. Consegues que a amiga
deixe de falar mal de ti nas tuas costas só porque amuas à frente dela? Também
não me parece. E consegues que a mãe goste mais de ti porque lhe ofereces flores?
Pois é. Não controlas nada à tua volta. Então para quê reagir ao que acontece
de aparentemente mau à tua volta? A tua vida seria melhor se reagisses sempre
ao que os outros fazem ou dizem. Acreditas mesmo nisto?
Talvez a vida não aconteça para te provocar ou
magoar. Talvez a vida aconteça como acontece para te acordar.
A única coisa que te peço por agora é que estejas
atento a este fenómeno: toda a vida acontece sem o teu envolvimento consciente.
O coração bate, o estômago recebe alimentos, os dedos mexem-se. E nem uma vez
estiveste consciente de isto acontecer. Amigos afastam-se, casais separam-se,
empregos desaparecem, doenças acontecem. E mais uma vez, não houve qualquer
envolvimento consciente da tua parte.
E é verdade que há uma corrente de pensamento que
afirma que tu crias a tua realidade e tudo o que te acontece. Considero isto
absoluta ingenuidade. Pondera a possibilidade de esta filosofia ser incompleta
e reducionista. Se nós criamos a nossa própria realidade, então o que podemos
dizer do cancro, da guerra, do divórcio? Talvez esta filosofia apenas ajude a
aumentar o sentimento de culpa e vergonha. Porque se és tu quem cria o cancro,
então também tu podes eliminar esse cancro, segundo esta filosofia. Talvez não
seja assim. Talvez seja ainda mais simples.
Por agora, apenas vai prestando atenção à vida a
acontecer. Observa como os teus olhos vêem estas palavras e o cérebro as
interpreta. Observa como os dedos tocam estas folhas, e as sensações que daí
surgem. Observa os sons à tua volta. A sensação da roupa a tocar-te na pele. Os
pés a suportar o peso do corpo. Tudo a acontecer sem teres que dar uma ordem.
Sem saber o nome de um músculo, de um som, de um cheiro.
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