“Quando vemos outro ser humano como sendo
básico ou atrasado, nós tornamo-nos atrasados e básicos.”
Este é um verdadeiro mantra da nova espiritualidade.
Em tudo semelhante ao “tu és divino” ou “tu és o universo”.
Estes mantras provocavam-me algum prurido sobretudo
porque não conseguia ver de que forma poderiam ser verdade. Ouvia isto e
acreditava que de uma forma mágica o outro sentia o que eu sentia, via o que eu
via, compreendia o que eu compreendia. Um filme de terror.
De que forma poderia eu ser quem tu és?
Talvez eu não seja quem tu és do ponto de vista do
observador, em que ambos temos um corpo físico diferente. Talvez este “eu sou
tu” esteja mais relacionado com o eu ver-te, contar uma história acerca de quem
tu és, e ao identificar-me com essa história, estar a falar de mim. É a história
que eu conto e na qual acredito que me permite interagir contigo.
Se conto a história da tua bondade, generosidade e
simpatia irei aproximar-me de ti. Se conto a história da tua histeria, má
educação e ganância irei afastar-me de ti. Em realidade não estou a aproximar-me
ou afastar-me de ti mas da história que conto acerca de ti.
Então eu sou literalmente tu porque as histórias que
conto acerca de ti nascem em mim. Não há nada que veja em ti que não esteja já em
mim.
Para algumas pessoas isto pode ser difícil de
assimilar. Deixo alguns exemplos.
·
Os alunos são mal-educados (eu sou mal-educado quando critico pessoas
que não conheço, quando insulto o condutor que faz uma manobra perigosa sem
saber o motivo, quando um amigo me ignora na rua, muito provavelmente porque
não me viu, e mais tarde julgo-o depreciativamente. Sou mal-educado, mas como
sou só um e os alunos são tantos, a minha má educação passa-me despercebida);
·
O pai foi violento fisicamente (eu sou violento nos meus amuos, sou
violento quando os outros não se comportam como eu quero, sou violento quando
me deito abaixo, sou violento quando a vida não acontece como eu quero, sou
violento quando esqueço a bondade da vida);
·
A vizinha é alcoólica (a minha dependência é a aprovação dos outros e
sou incapaz de dizer “não” para obter essa aprovação, a minha dependência são
as novelas ou os programas chamados “reality shows”, a minha dependência é o
corpo perfeito e saudável, a minha dependência é o sexo ou a pornografia, a
minha dependência é a necessidade de ter sempre razão);
·
O irmão é mentiroso (eu sou mentiroso de cada vez que digo sim e quero
dizer não, sou mentiroso ao fazer um frete só para que gostem de mim, sou
mentiroso quando finjo gostar de algo, sou mentiroso quando falo de alguém que
não conheço);
·
A filha da vizinha é prostituta (eu prostituo-me quando faço algo a
troco de dinheiro e nem sequer desfruto da tarefa, prostituo-me quando não vivo
a minha vida para me dedicar à vida dos outros, eu prostituo-me quando ofereço
algo e espero um retorno);
Observação: quais os comportamentos que não gostas nos outros? Onde é que tu
demonstras o mesmo comportamento?
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Se te deres tempo suficiente irás descobrir que tudo
aquilo que pensas dos outros está já em ti. Por este motivo os moralistas são
mais cedo ou mais tarde descobertos como mentirosos ou adúlteros ou outras
qualidades menos apropriadas. As pessoas que se dedicam a mostrar aos outros as
boas maneiras, e a criticar os outros por não viverem de acordo com os seus
elevados padrões de moralidade, são as mais falsas. Usam a simpatia e a
caridade para esconder as suas feridas emocionais por sarar. Os que atacam e
criticam escondem o medo e a vergonha de serem descobertos como vulneráveis ou
fracos. E todos somos fracos e vulneráveis.
Cada ser humano que tenta magoar-te é um ser humano
que foi danificado algures na infância ou adolescência. Tu és esse ser humano. Descobre
as tuas feridas e trata-as, com respeito e carinho por ti.
Só tens que dedicar algum tempo a ti mesmo. A
olhar-te sem necessidade de ter razão. Irás descobrir que és tudo o que pensas
dos outros. Poderás acreditar, por exemplo, que as tuas mentiras são
inconsequentes ou sem importância. Não deixam de ser mentiras. Poderás pensar
que a violência que te infliges a ti mesmo não magoa outros, mas a realidade é
que quando te magoas a ti, irás magoar outros.
Sempre que queremos que outros se comportem de
maneira diferente daquela que se comportam estamos em realidade a pedir-lhes
que finjam, que deixem de ser verdadeiros. Tal como nós.
Olha para as pessoas à tua volta. Descobre-te
através do que vês nelas.
Presta atenção sobretudo se te consideras uma pessoa
tolerante. A tolerância é nada mais que arrogância disfarçada de bondade.
Quando afirmas que toleras outros, o que estás realmente a afirmar é que estás
tão acima desses outros que permites que eles sejam quem são. Aqueles que
toleras em realidade consideras como errados mas inocentes ou coitados. É muita
maldade. Ou aceitas os outros como são ou não aceitas. Desiste de ser uma
pessoa boazinha, não funciona. Carl Jung colocou esta questão de uma maneira
deliciosa: preferes ser uma pessoa boa ou uma pessoa completa?
sempre que me "trabalho", que me questiono, verifico que sou igualzinha ao outro que critico, que me incomoda, que não aceito, ...
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