“Sim, há maus momentos na vida. As boas
notícias é que estão todos no passado.”
Desde muito cedo, devido em parte às experiências de
vergonha, começamos a acreditar numa história falsa acerca de quem somos. É a
história do coitadinho. Ninguém gosta de mim. Eu não sou merecedor. Eu estou
só. Eu não sou importante. Eu estou perdido. Eu não valho nada. Eu não presto.
Eu sou um produto danificado. Há algo de errado comigo.
Esta é a história que contamos: há algo de errado
comigo. E tenho as provas todas em como isto é verdade. Claro que há algo de
errado comigo quando:
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Não tenho amigos;
·
Não tenho namorada/esposa;
·
Não tenho saúde;
·
Sou obeso;
·
Não tenho dinheiro;
·
Não consigo fazer as coisas bem feitas;
·
Ninguém me compreende;
·
Odeio o meu emprego e não consigo mudar;
·
A esposa pede o divórcio;
·
O filho não fala comigo;
·
_____________________ (acrescenta a tua desculpa favorita).
O que fazemos é generalizar a partir de eventos da
infância. Construímos uma lenda baseada no sofrimento. E reunimos os elementos
certos para repetir esta história diariamente, assim mantemos intacto o
conceito que temos acerca de quem somos. Tu acreditas saber quem és através do
que fazes. Pelo menos é assim que muitas vezes te defines. Se alguém te
perguntar qual a tua profissão, observa que em vez de dizeres “a minha
profissão é engenharia civil ou electricista” o que respondes é “eu sou
engenheiro civil, ou electricista”.
Observação: o que acreditas acerca de ti? Sem qualquer filtro verifica o que
acrescentas a seguir a “eu sou”. Tem em conta as qualidades negativas e
positivas.
|
E sou inteligente porque tenho um curso superior (se
tiveres um doutoramento é mais fácil convencer os outros). Eu sou casado (tenho
mulher para o provar). Eu sou pai (tenho os filhos para o provar). Eu sou
trabalhador (e saio de casa todos os dias às oito da manhã e regresso às oito
da tarde para o provar). E sou anti-social (detesto festas). E sou muito
sensível (choro quando a colega fala mal de mim). E sou muito justo (e discuto
com todos os que não concordarem comigo para que vejam o quanto sou pela
justiça).
Compreendes que a partir do momento em que acreditas
algo acerca de ti, terás que ter a experiência para demonstrar que aquilo em
que acreditas é verdade?
Para poder largar esta história de coitadinho é
importante começares por observar quais os comportamentos, atitudes e
pensamentos que acontecem quando estás a viver a tua história de coitadinho.
Por exemplo, dentro da tua história os pensamentos habituais podem ser qualquer
coisa como “ninguém me compreende”, “tenho muito que fazer”, “não tenho
dinheiro para comprar isto ou aquilo”. O teu comportamento dentro da tua
história pode ser jogar na defensiva. Alguém emite uma opinião acerca de ti e
tu agrides imediatamente esse alguém verbalmente. Ou ficas atento à condução de
outros condutores para poderes buzinar ou insultar. Ou dizes que sim com medo
que a outra pessoa deixe de gostar de ti. Dentro da tua história comes mais do
que precisas ou não és capaz de ir dormir sem comer qualquer coisa antes.
É fácil saber quando estás a repetir padrões de
sofrimento e a viver dentro da tua história. Sentes stress. Este stress pode
ser na forma de tristeza, angústia, ansiedade, mágoa, raiva, ódio, frustração
ou medo. Isto não significa que não haja momentos de tristeza na tua vida.
Claro que há ou haverá. Fazem parte de estar vivo. Mas há a tristeza com a qual
não lutas (por exemplo quando morre uma pessoa que te é querida) e há tristeza
que não gostas mesmo nada (por exemplo quando o filho tira negativa a Entropia
Gastronómica).
A emoção que mais facilmente pode causar danos
sérios, a ti mesmo e a outros, é a raiva. Ensinaram-nos a conter a raiva quando
esta surge. Isto é um erro, porque a raiva acumulada irá fortalecer a nossa
vergonha e medo. E eventualmente irá explodir. Não significa isto que tens que
gritar com os outros ou partir a loiça sempre que o jantar fica queimado. Mas
podes arranjar um tempo para libertar a raiva em grandes quantidades. Depois de
quatro ou cinco sessões de libertação da raiva, libertar a raiva em público
será um processo natural e sem consequências. Pode até ser divertido.
Para libertar a raiva já acumulada gosto de ensinar
um processo que aprendi com a Debbie Ford e que funciona como uma grande
catarse. É um processo que para quem participa parece simples e no entanto
exige alguma preparação por parte do facilitador, incluindo o resgate de
aspectos identificados nos participantes. Este é o principal motivo porque
muitas pessoas que facilitam o trabalho da sombra não conseguem fazer um
trabalho apropriado com os participantes.
Para te ajudar no teu processo de libertação de
raiva, deixo algumas sugestões minhas e de alguns queridos amigos que
aprenderam as suas próprias técnicas.
O passo mais importante é deixar que o sentimento de
raiva surja primeiro, obviamente. Para algumas pessoas este passo é simples porque
se encontram continuamente num estado de ansiedade ou nervosismo. Mas para a
maiorias das pessoas não é assim tão fácil estar em contacto com esta emoção
excepto quando estão já envolvidas na situação que provoca o sentimento de
raiva.
Se conseguires tornar-te consciente, no meio de uma
discussão ou confusão, que o que sentes é raiva, sem explicar-te (o explicar-te
irá alimentar ainda mais este sentimento de raiva) limita-te a afastar-te
fisicamente da pessoa ou pessoas e quando estiveres a uma distância segura (por
exemplo, fechado numa casa de banho) dá dois gritos bem fortes. Isto é
suficiente para a maioria das pessoas. Depois respira fundo duas ou três vezes.
Foca a tua atenção nas sensações do corpo. E regressa ao local inicial. E podes
sempre dizer o que fizeste, ou não.
Outra forma de libertar raiva é à beira mar ou no
campo, sem outros por perto. Primeiro foca a atenção em situações do passado
que sentes terem sido injustas e te tenham magoado. E quando a sensação se
tornar visceral, grita. Dá murros no ar se necessário. Termina sempre com meia
dúzia de respirações profundas. Podes ainda gritar dentro do carro, sobretudo
ao passar num túnel. Ou dar uns murros fortes numa almofada.
Quando sentimos esta emoção o nosso corpo prepara-se
fisiologicamente para uma situação de luta ou fuga. Isto significa que o teu
corpo irá produzir alguns químicos potentes que te permitam sobreviver. Só para
teres uma ideia, numa situação de stress o corpo produz glucagon, um
polipeptídeo que tem o efeito oposto ao da insulina. Ou seja, aumenta os níveis
de açúcar no sangue. Este açúcar encontra-se armazenado no fígado. Uma molécula
de glucagon provoca a libertação de cem milhões de moléculas de glicogénio no
fígado (açúcar). Consegues imaginar a tempestade química que ocorre no teu
corpo numa situação de raiva? E esta tempestade tem que rebentar em algum
lugar.
Pratica a libertação de raiva com alguma frequência
durante pelo menos três a quatro meses. Lembra-te que o que provoca stress são
sempre situações em que estamos a viver dentro da nossa história de coitadinho.
Se prestares atenção irás notar que ao longo do dia
terás momentos em que te sentes bem e em paz com a vida, e terás momentos em
que te sentirás mal, em stress. No primeiro caso estarás a viver fora da tua
história pessoal de coitadinho, e no segundo caso estarás completamente dentro
da tua história.
Para te ajudar a melhor identificares a tua história
de coitadinho deixo-te o meu exemplo.
Dentro da minha história de coitadinho:
Pensamentos
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Comportamentos
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Atitudes
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Locais
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-“Não tenho
dinheiro!”
-“Tenho
muito que fazer”
-“Tenho
contas para pagar”
-“Estou
lixado!”
-“Tenho um
problema”
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-Gasto
dinheiro em coisas que não preciso
-Olho
muitas vezes para o relógio
-Como mais
do que preciso
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-Sabichão
que precisa de ter a resposta pronta
-Vaidoso
-Egoísta,
quero a atenção toda
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-Centros
comerciais
-Em família
-Reuniões
de negócios
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Fora da minha história de coitadinho:
Pensamentos
|
Comportamentos
|
Atitudes
|
Locais
|
-“tenho
dinheiro suficiente agora”
-“Posso
descansar”
-“De
momento não tenho contas para pagar”
-“Estou
bem, a minha vida é boa!”
-“Gosto de
viver!”
|
-Antes de
comprar algo verifico se realmente preciso
-Esqueço as
horas
-Como pouco
e fico satisfeito com pouca comida
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-Ouvinte,
não interrompo o outro
-Sinto-me
bem com o que visto sem precisar que os outros gostem
-Dou
atenção aos outros
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-Em férias
-Refeição
com amigos
-Em passeio
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Se prestares atenção será fácil verificar que são
mais as vezes que te encontras dentro da tua história do que fora dela. É ok. O
importante é começares a estar consciente deste drama.
Observação: quais as situações onde mais facilmente ficas stressado? O que
podes fazer para não entrar em stress nessas situações?
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Podes ainda criar estratégias para sair da tua
história. É importante que estas estratégias sejam físicas, algo que te obrigue
a movimentar o corpo. Isto porque uma vez dentro da tua história é muito
difícil saíres. Experimenta deixar de te preocupar quando estás preocupado e
verás como é difícil.
As minhas estratégias incluíam dar dois saltos no ar
(e sim, cheguei a fazê-lo dentro de lojas, quando estava à beira de comprar
algo que não precisava ou a preocupar-me com dinheiro), trautear “uma pequena
música da noite” do Mozart, beliscar-me, bater palmas e andar ao pé coxinho.
E agora que sabes que vivemos muitas vezes dentro
das nossas histórias de coitadinhos, por favor abstém-te de avisar os outros
quando vivem dentro das suas! Só irás dar força às suas sombras, vergonhas,
medos e culpas. Este trabalho é para ti, não é para impingir aos outros à tua
volta.
Sempre que estiveres a queixar-te de algo ou alguém
podes ter a certeza que estás dentro da tua história. Uma coisa é expor ao
médico os sintomas do mal-estar ou informar o advogado da situação que te leva
a processar o vizinho. Outra coisa é falares dos sintomas do teu mal-estar à
irmã, ao tio, ao vizinho e à senhora na caixa do supermercado.
Compreendes agora melhor a importância das emoções
negativas? Servem muitas vezes para te informar do quanto estás dentro da tua
história de coitadinho. Um amuo, uma raiva, uma insegurança, uma frustração.
Emoções que te pretendem acordar. Quanto mais intensa a emoção mais imerso
estarás na tua história. A depressão é viver continuamente dentro da tua história.
É a versão adulta da birra infantil.
A depressão é a forma passiva-agressiva de dizermos
“não gosto como a vida acontece”. E a vida não quer saber da nossa opinião.
Talvez haja pessoas tristes devido a disfunções orgânicas. Digo talvez porque
todas as pessoas, sem excepção, que passaram por mim até hoje com o diagnóstico
de depressão eram realmente pessoas imersas numa história acerca da injustiça
da vida e de como estavam magoadas com a vida. E isto é apenas a minha opinião,
não tens que acreditar. Questiona.
O que fazes para te deprimir? Em que pensas? Quais
são os pensamentos em que acreditas para ficar deprimido? E será que isso em
que acreditas está a acontecer agora? Quem é que serias tu se não pudesses
acreditar nesses pensamentos que não controlas? Estas questões fazem parte de
um trabalho poderoso da Byron Katie. Se quiseres saber mais, está disponível gratuitamente
em www.thework.com
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