sexta-feira, 17 de junho de 2011

Quem me quer aturar?...

Ontem estava a jantar em casa de uma querida amiga que decidiu afastar-se do companheiro de 20 anos. Dizia-me que estava farta de o aturar.

Observei que não sabia o significado do que me dizia. Sempre a aprender. O que significa aturar outro ser humano?... Perguntei-lhe como é que o aturava.

A resposta dela foi qualquer coisa como “Emídio, numa relação tens sempre que aturar a outra pessoa, quer gostes quer não!”

Não respondi. Se o fizesse seria como espetar-lhe uma faca no peito.

Desde que saí da casa dos meus pais aos dezoito anos, que nunca aturei ninguém. Já me tinha esquecido do que era isso. Olhei para as relações que tenho, os pais, amigos, todas as relações. E não descobri onde estava a aturar quem quer que fosse. Se faço algo por alguém é por mim que o faço. Faço o que faço porque não vejo um motivo para não o fazer. Faço-o porque me faz sentir bem comigo. Se os outros gostam ou não é secundário.

Observei com mais atenção.

O que significa “aturar” outra pessoa? E porque o faríamos?

Aturar o outro significa abdicar do que queremos numa relação. Significa fingir para que o outro goste de nós. E começa o inferno. Porque no fundo sabemos que o outro se mantém na relação não porque nos ama, mas porque ama quem fingimos ser.

Aturamos o outro porque queremos algo em troca. Pode ser segurança, carinho, validação, a necessidade de companhia, o conforto de não estarmos sós.

Ou seja, se estamos numa relação e aturamos a outra pessoa, é apenas porque queremos algo em troca. Não somos honestos com o outro. Não seria mais fácil aturarmos primeiro a nós mesmos? E dar a nós mesmos o que esperamos dos outros?

Como poderá alguém validar-me se eu mesmo não sei quem sou? Ao longo dos anos fui engolindo tantas coisas que não gostava, fui fingindo tanto, que no final perdi noção de quem sou e do que quero.

Quando quero algo e não o obtenho a causa é sempre a mesma: a mente está a acreditar em pensamentos contrários ao que eu quero. A mente é a causa, a vida é o efeito. Sem mente a vida não tem significado.

Como pode alguém amar-me quando os meus pensamentos são de guerra? Não gosto disto, não quero aquilo, odeio aqueloutro... Quero que tu sejas quem não és para eu te amar, é o que dizemos. Quero que abras o teu coração à minha pessoa, e depois de o fazeres eu poderei fazer o mesmo.

A verdade é que só aturamos os outros porque queremos. Porque acreditamos em mentiras há milhares de anos. Queremos ser validados. Queremos alguém que concorde com as nossas histórias, porque se mergulharmos bem dentro de nós saberemos que são uma mentira.

Muitas pessoas à minha volta dizem que a verdade dói. Descubro que a verdade é deliciosa, descobrir que vivíamos na mentira é que pode doer.

E se tiver coragem suficiente descobrirei que não sou eu que te aturo a ti, mas és tu que me aturas a mim, porque eu não sou capaz de me aturar a mim. Delicioso e libertador descobrir isto.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Meter o nariz onde não somos chamados

Observo como muitas pessoas me dizem que têm receio de participar num processo da sombra humana. Eu compreendo. Hoje observei com atenção este processo enquanto o aplicava numa cliente. Observava como alguém que observa um filme.

E descobri o que eu estava a fazer a esta cliente. A acordá-la. E descobri que ninguém gosta de ser acordado.

Imagina que passas um dia a trabalhar sem qualquer pausa. À noite chegas a casa e ainda tens que cozinhar o jantar, ajudar os filhos, arrumar a cozinha. Quando te vais deitar estás dorido e o teu corpo pede descanso. Deitas-te. E adormeces imediatamente. O que aconteceria se alguém te aparecesse em casa e te acordasse às duas da manhã? E mais! Acordava-te e mostrava-te como não tinhas feito nada ao longo do dia anterior, apenas fingiste. Não parece muito convidativo.

Mas é a dormir que andamos. Há milhares de anos. E acordar dói sempre. Não queremos acordar. Preferimos o sofrimento conhecido ao passeio pelo desconhecido e misterioso.

Encontro muitas pessoas que aparentemente estão a acordar. Mas continuam a fingir. Sabem todos os conceitos new age, compreendem todas as filosofias, falam de outras dimensões, comunicam com os anjos, conseguem manter sempre uma calma artificial. Enfim, sei do que falo, também já o fiz.

A mente que acredita que sabe está irremediavelmente perdida. Ou não. Mas estará sempre fechada.

Porque continuamos a dormir e a não querer acordar? Porque motivo sofremos?

O meu filho está muito doente. Os políticos mentem. A loja ao lado foi assaltada. A minha amiga foi assassinada. O meu pai faleceu. Tenho um cancro. A empresa onde trabalhava fechou as portas. Os colegas não me respeitam. O marido é alcoólico. Fui maltratado pelos meus pais. Só há desgraças no mundo. Os terroristas matam inocentes. Os medicamentos estão cada vez mais caros. Não posso confiar nos outros. A vida é injusta, coitado de mim.

Podes fazer alguma coisa em relação a cada uma das situações anteriores?... Nada. Zero.

E enquanto te dedicas a sofrer por aquilo que não controlas, há alguém a viver a tua vida? Ninguém. Enquanto tu falas e pensas em tudo o que está errado, enquanto te dedicas à vida dos outros, não te apercebes que não estás presente para a única pessoa que te é importante: tu mesmo.

Não estou a dizer que és mais importante que os outros. Não és. Mas és a pessoas mais importante para ti. Assume a tua vida. A cem por cento.

Hoje apareceu-me uma cliente com o seu filho, diagnosticado como sofrendo de comportamento anti-social. A senhora falava comigo e chorava. Perguntei-lhe se ela tinha algum problema. Olhou para o filho. Não compreendi. Voltei a perguntar. Ela apontou para o filho e começou a soluçar.

Mas se quem aparentemente tem um problema é a criança, porque motivo chora a mãe? Ou seja, não chega a criança sentir que é diferente do grupo, tem ainda a mãe a responsabilizá-la pela sua felicidade. Loucura!

Se a pessoa que me é mais querida fosse diagnosticada com uma doença e lhe fosse dito que teria apenas uma semana de vida, a única coisa que eu poderia fazer seria tirar essa semana para estar com esta pessoa. Desfrutar da sua companhia. Viver a pura felicidade de partilhar momentos. Mas fá-lo-ía em paz. Seria suficiente uma pessoa a sofrer.

E neste planeta as pessoas morrem. Ou pelo menos os corpos morrem. É o que acontece aqui, nesta realidade. As pessoas não podem morrer porque vivem onde sempre viveram: na nossa mente e no nosso coração.

E por vezes recordamos as pessoas cujos corpos partiram e choramos. Essas lágrimas são amor puro. Mas o ego chama-lhe tristeza pela perda. E sofremos. Como podemos perder algo que nunca possuímos? Se nem sequer a roupa que temos vestida é nossa. Um dia morremos e a roupa fica.

Acordar é isto: abandonar os negócios dos outros e dedicarmo-nos a nós. Se o fazemos com respeito por quem somos iremos sempre projectar paz, serenidade, calma, bem-estar.

Há muito tempo que não encontro uma pessoa triste, zangada, frustrada, danificada. Pelo menos enquanto está à minha frente. É que, caso ainda não tenhas acordado, eu sou tu. E não, tentar explicar isto não é possível. Ou o sentes ou não. E é ok.

Eu amo-te, sejas tu quem for. E isso não significa que vou dar-te pancadinhas nas costas, nem fingir acreditar nas tuas histórias. Nem sequer tenho que te conhecer. E amo-te tal como és. Não exijo nada. Se o que queres é sofrer, eu amo-te. Se o que queres é queixar-te, eu amo-te. Se o que queres é dormir, eu amo-te. E se quiseres acordar, podes vir ter comigo, eu ajudo-te (aviso que irá doer de início).

Na vida não há erros, apenas o ego consegue ver erros onde não existem.

terça-feira, 7 de junho de 2011

A Vergonha Saudável

A vergonha saudável permite-nos saber que somos limitados. Diz-nos que ser humano significa ser limitado. Em realidade o ser humano é limitado. Nenhum ser humano alguma vez poderá ter um poder ilimitado. O poder ilimitado que muitos gurus modernos apregoam é uma oferta feita de promessas falsas. Os seus discursos chamando-nos para o nosso poder ilimitado transformou-os em pessoas ricas, mas nós continuamos com a nossa vida na mesma, ou quase. Continuamos a enfrentar os mesmos conflitos, as mesmas situações adversas, as mesmas discussões, os mesmos relacionamentos. Em realidade estes gurus tocam nos nossos egos e movimentam a energia aí escondida: a vergonha tóxica.

Enquanto humanos somos “perfeitamente imperfeitos”. Ser limitado está na nossa natureza. Muitos problemas graves podem surgir do facto de não aceitarmos que somos limitados. A vergonha saudável ensina-nos sobre os nossos limites. Como todas as emoções quando são expressas de uma maneira saudável, a vergonha impele-nos na direcção das nossas necessidades básicas.

A vergonha saudável mantém-nos com os pés na terra. É como uma luzinha amarela que nos avisa das nossas limitações humanas. É a energia emocional que nos recorda que não somos Deus – que todos nós cometemos erros e precisamos de ajuda. A vergonha saudável dá-nos autorização para sermos humanos.

A vergonha saudável é parte integrante do poder humano presente em cada um de nós. Permite-nos conhecer os nossos limites, e, assim, utilizar a nossa energia de uma maneira mais eficiente. Conseguimos orientar-nos melhor quando estamos conscientes dos nossos limites. Não desperdiçamos as nossas capacidades indo atrás de objectivos que nos ultrapassam, ou querendo mudar aquilo que não nos é possível mudar. Não perdemos tempo criando objectivos irreais. A vergonha saudável permite-nos orientar a nossa energia para atingirmos o melhor que há em nós. E este melhor é muito variável, de pessoa para pessoa.

A espiritualidade é um acto de abraçar o sagrado em nós. A espiritualidade está relacionada com uma vida interior com valores e significados precisos. Está também relacionada com a nossa finitude – o nosso assombro e estupefacção perante os mistérios da vida. A espiritualidade diz respeito ao amor, à verdade, à bondade, à beleza, ao dar e receber. Sem impor qualquer condição. Amar o amigo que concorda connosco e ser contra a guerra, ou contra o cancro, é um sinal nítido de um ego espiritualizado. A vergonha doentia espiritualiza o ego e educa-o. Assim, consegue manter-se sempre a lutar contra a corrente, contra o fluir natural da vida.

A espiritualidade é o objectivo último de qualquer ser humano, a necessidade última. Leva-nos a procurar transcender-nos e tornarmo-nos conscientes da fonte verdadeira da vida: o desconhecido maravilhoso.

A nossa vergonha saudável é essencial como alicerce da nossa espiritualidade. Ao recordar-nos das nossas limitações básicas, esta vergonha permite-nos saber que não somos Deus. E mostra-nos a direcção para um significado abrangente da realidade

É na nossa vergonha saudável que experienciamos a humildade. Sem necessidade que os outros acreditem em nós, nem necessidade de manipular o que os outros dizem de nós. O silêncio impera.

A vergonha doentia leva o ego a continuamente se justificar. A necessidade de justificarmos um nosso comportamento nada mais é que a necessidade de manipular os outros para que pensem de nós o que queremos que pensem de nós.

Por exemplo no FaceBook podemos descobrir muitas pessoas com um perfil sem nome próprio, recorrendo a nomes virtuais que a mente associa facilmente com a espiritualidade, ou com uma foto de anjos ou estrelinhas ou golfinhos. É uma forma da vergonha doentia, escondida atrás de uma máscara, tentar manipular os outros. No fundo é uma tentativa do ego gritar aos outros “quero que pensem que sou uma pessoa boa e espiritualmente evoluída”. E em realidade, quando se é evoluído não é preciso convencer ninguém do que quer que seja. A perfeição está sempre presente.

Um nome é um nome. A foto da face é uma foto da face. Não há necessidade de esconder nem manipular. Por este motivo afirmo que já encontrei muitas pessoas que se afirmam como “ateus” que vivem uma espiritualidade mais viva e honesta que muitas pessoas que se julgam espirituais.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A passividade não é uma opção, excepto quando é.

Em cada momento, cada ser humano neste planeta está a fazer o melhor que é capaz de acordo com o nível de consciência em que se encontra. Da mesma forma que seria absurdo esperar que uma criança de seis meses caminhasse habilmente, não é menos absurdo que uma pessoa menos consciente tenha um comportamento mais consciente. Não é possível.

Assim, seria um absurdo da minha parte esperar que alguém insensível de repente se transformasse numa pessoa carinhosa. E quem será mais insensível, a pessoa que, sabe-se lá porquê, não é capaz de demonstrar carinho, ou a pessoa que observa e se afasta porque não gosta de pessoas insensíveis?

Quem será mais cruel, a pessoa que, sabe-se lá porquê, acredita que a guerra é a única solução para as situações que a vida lhe lança, ou aquela que a olha com desdém e aponta o dedo por ser quem é?

Quando alguém grita, não estarei eu a gritar ainda mais alto na minha cabeça para que essa pessoa se cale?

Quando alguém me falta ao respeito, não estarei eu faltando-me ainda mais ao respeito ao permitir-me olhar com desprezo para essa pessoa que não sabe mais?

Quando alguém fala mal de mim, não estarei eu a fazer pior ao falar dessa pessoa aos meus amigos e colegas?

Quando alguém está doente, e sente-se mal, não estarei eu a aumentar o seu sofrimento ao mostrar-me preocupado com a sua condição?

A Sombra Humana é tudo isto: aquilo que apontamos aos outros andamos nós a fazê-lo. Mas estamos inconscientes dos nossos actos. E ao estar inconscientes, iremos atrair mais pessoas que nos mostrem o que andamos a fazer, por forma a termos a oportunidade de crescer.

Por outro lado, enquanto não nos tornamos conscientes das qualidades humanas que rotulamos de negativas, estas ganham poder no nosso subconsciente. Por volta dos quarenta anos começam a controlar a nossa vida. Não é por acaso que se chama “crise da meia-idade”.

Mas estas qualidades, ditas negativas, quando trazidas à luz do consciente, são verdadeiros aliados que nos podem ajudar a crescer, a ser melhores e a criar harmonia à nossa volta.

Para tornar estas qualidades conscientes temos que começar em primeiro lugar, a expô-las. Uma a uma. Assumir que existem em nós. E depois observar de que maneira nos podem ser úteis. Esta é a parte que mais desafios cria. Como poderia a estupidez, a burrice, a antipatia, a crueldade, ser-nos útil? Podem. Mas enquanto não assumirmos estas qualidades elas irão surgir sempre na nossa vida através dos outros.

Por outro lado, a Sombra leva-nos a lutar continuamente contra Aquilo Que É.

Estamos a passar por uma experiência que rotulamos de negativa, e a nossa mente luta para que a experiência não aconteça, quando está a acontecer!

Vou pegar na doença, como exemplo.

Observa-te quando estás doente. E observa a energia que gastas a lutar contra a doença. Essa energia poderia ser útil ao corpo para lidar com a doença. O corpo sabe o que fazer. Até agora manteve-te vivo sem teres que saber como se processa a digestão, a troca de oxigénio, o batimento cardíaco, a circulação sanguínea, etc.

O primeiro passo para a saúde passa por amar a doença. Isto não significa não ir ao médico ou outro profissional de saúde! Significa apenas fazer as pazes com a doença, deixar de a ver como o inimigo a abater.

O que observo neste planeta é que os corpos adoecem. Eventualmente acontece a todos. E quando eu não quero estar doente estou a lutar com a Realidade (para mim Realidade, Universo, Deus, é a mesma coisa). A única forma de amar a doença é ver os benefícios da sua manifestação no corpo. De que forma esta doença é uma prova de amor da Realidade? O que há de bom nesta doença? Há sempre algo.

Apenas alguns dos benefícios de uma qualquer doença:

- Aproxima-nos daqueles que são realmente importantes para nós;

- Permite-nos descansar;

- Dá-nos a coragem de pedir ajuda;

- Permite que outros sejam de serviço;

- Dá-nos tempo de avaliar a nossa vida;

- Ensina-nos, entre outras coisas, que nada é assim tão importante;

- Mostra-nos a nossa vulnerabilidade;

- Ajuda-nos a fazer mudanças radicais na nossa vida;

- Educa-nos sobre todas a bênçãos presentes na nossa vida;

- Dá-nos uma oportunidade de amar incondicionalmente.

E a lista não termina aqui! Amar a doença não significa ficar de braços cruzados. Procura ajuda profissional. Aquela em que tu acreditas ser a melhor para ti. Mas vai ao encontro dessa ajuda em paz, tranquilidade, a amar a vida, em vez de mostrar ingratidão para com a vida.

A forma mais rápida de ultrapassar qualquer desafio é assumir que queremos a experiência do desafio, amamos a sabedoria da vida através desse desafio, e procuramos ajuda. Em paz.

Há uns dias fiz uma viagem de 400 quilómetros. O carro estava cheio de poeira. À nossa frente havia muitas nuvens de chuva. E no entanto, ao longo de mais de 300 quilómetros, a chuva caía sempre onde o carro não se encontrava. Eu queria tanto apanhar chuva para lavar o carro de uma maneira ecológica! E a chuva estava sempre um passo à nossa frente. E de repente apercebi-me que em realidade não queria lavar o carro da maneira mais fácil e ecológica! Não queria a chuva a fazer o meu trabalho! Queria chegar a casa e ser eu a lavar o carro. Era o que estava a acontecer, gostasse ou não da experiência. Comecei a fazer mentalmente uma lista de todos os benefícios de não apanhar chuva ao longo do percurso. Ainda não tinha terminado a lista quando a chuva caiu sobre nós! Forte e capaz de limpar qualquer sujidade externa no carro! Fiquei desapontado uns breves instantes. Agora que já não queria que chovesse, que via todos os benefícios por não chover, a vida escolhe chover.

Quando estiveres a passar por uma experiência que consideres negativa, começa por assumir que queres essa experiência. Isto não é ser masoquista mas apenas estar em congruência com a realidade. Porque motivo quero a experiência de estar cansado? Porque estou! Porque motivo quero a experiência de um relacionamento tumultuoso? Porque o estou a viver! Porque motivo quero a experiência de não ter dinheiro? Porque não o tenho!

E depois dedica uma hora a escrever os benefícios da experiência. Escreve até sentires plena gratidão por estares a passar por essa experiência!

E isto também se pode aplicar ao futuro, claro. Se estás preocupado com uma situação que poderá ou não acontecer no futuro, começa já a ver os benefícios da situação. Imagina o pior cenário possível. E descobre os benefícios!

Deixo-te um exemplo recente meu. Tinha algum dinheiro amealhado para ir de férias em Agosto. Entretanto esqueci-me que tinha concorrido para um projecto na Tanzânia para ir como voluntário. Quando me aceitarem, pediram-me (de uma maneira tão diplomática como só os britânicos sabem) que enviasse o dinheiro para as viagens e demais custos (esta quantia não é obrigatória por parte dos voluntários, mas ajuda muito a organização). O meu objectivo era apenas a experiência de ir para um lugar remoto e ajudar pessoas da melhor forma que fosse capaz. Aqui estava a oportunidade. Paguei. Entreguei todo o dinheiro que tinha amealhado. Senti-me a pessoa mais feliz do mundo!

Entretanto recebo também a confirmação de que posso ser aprendiz na Escola da Byron Katie na Alemanha. Para o privilégio de servir a aprender com esta pessoa extraordinária pedem-me três mil euros. Confesso que existia em mim um desejo ardente de participar nesta semana especial a aprender a simplesmente ser. Mas também sei que financeiramente não é uma possibilidade viável. Elaborei uma lista com todos os benefícios por não poder participar nesta semana com a Byron Katie, e o que descobri deixou-me tão grato à vida! É claro que não é para ir à Alemanha e estar com a Byron Katie!

A mente luta nesta fase. É natural. A mente quer sempre ter razão, e raramente a tem. Observava os pensamentos, velozes. “Se estivesses com a Byron antes de ir para a Tanzânia, irias levar mais contigo para África.” “Se não tivesses feito a candidatura para ir para África, agora podias ir para a Alemanha!” e por aí fora. Um inferno!

Depois surgiu a parte deliciosa. Neste momento na Alemanha parece que há uma qualquer coisa que afecta seriamente a saúde das pessoas (como se o facto de estarmos vivos não fosse suficiente para que algo nos afecte!). É óbvio que a vida sabe que estou preparado para os desafios na Tanzânia, caso contrário eu teria obstáculos na candidatura. Não ir à Alemanha deixa-me tempo para mim. Para me dedicar à minha horta, por exemplo! E depois de uma lista com mais de vinte itens, foi fácil ver porque motivo é bom para mim não ter a experiência de estar uma semana com a Byron. Aceito a paz.

Será que vou à Alemanha? Esta é uma questão que me provoca um sorriso. Ir ou não ir é irrelevante. Estar presente agora é-o mais.

Qual é o teu maior desafio no presente? Consegues ver benefícios nesse desafio? Enquanto os não vires ser-te-á muito difícil sair da situação. Descobre os benefícios. Dedica-te. E quando sentires gratidão pela experiência presente, a vida irá observar que já não precisas da experiência. E, com muito carinho, enviar-te-á nova experiência. Afinal é disso que trata a vida.

Poderias estar num lugar mais delicioso agora?

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Amor não é uma condição, nem provoca sofrimento

Estive a trabalhar com uma querida amiga que está a passar por uma situação de separação, ao fim de 12 anos de casamento.

O homem que amava trocou-a pela sua melhor amiga, a quem agora rotula de “hipócrita”.

Foi delicioso observar como em menos de uma hora esta amiga descobriu todas as mentiras em que estava a acreditar para manter-se num espaço de sofrimento (a que eu chamo o inferno pessoal).

A minha experiência ensinou-me que se eu te der as respostas, elas serão sempre minhas. Nunca as irás aplicar no teu dia-a-dia. Mas quando me limito a fazer-te as perguntas e tu encontras as respostas bem dentro de ti, oh meu Deus! A delícia de te observar a conquistar a paz e amor que sempre foste!

Esta minha amiga começou a relação a mentir-se a ela mesma. Acreditava que a sua função era fazer o companheiro feliz, e a função do companheiro era fazê-la a ela feliz. Esta é a receita ideal para criar um inferno. Só posso fazer-me feliz a mim, e dar o exemplo.

A minha amiga descobriu que queria ver o companheiro feliz, com ela! Ou seja, o discurso na sua mente era algo como isto: “quero que sejas feliz. Aqui está a condição: só o podes ser ao meu lado!” Ou seja, em realidade o que ela pensava, apesar de não estar consciente, era isto: “Não quero saber da tua felicidade para nada. Quero é que fiques ao meu lado independentemente do que for melhor para ti!”

Porque a realidade é esta: se amamos alguém ao ponto de desejar que esse alguém seja feliz, nunca poderemos ter a arrogância de saber o que fará essa pessoa feliz. Se impomos a condição de que queremos que o outro seja feliz, AO NOSSO LADO, então não amamos. Tornamo-nos ditadores.

Observa como ao longo do dia vais ditando como queres que os outros sejam para TU estares bem! Queres o filho saudável (por que outro motivo ficas preocupado ou ansioso quando ele está doente?), queres o companheiro ao teu lado e a apoiar-te sempre (por que outro motivo ficarias revoltada se ele partisse?), queres a mãe a sorrir e a concordar com as tuas decisões (então porque raio lhe pedes a opinião?).

Quando amamos verdadeiramente, e não impomos condição alguma, permitimos que cada um seja feliz à sua maneira. Há muitas maneiras de ser feliz. Deixando uma relação para começar outra, vivendo com um cancro (as pessoas com um cancro, caso não tenhas reparado não estão a morrer mais do que aquelas que não têm: estão vivas.), dependente do álcool, viciado no jogo, a criticar pelas costas os amigos, a viver na rua... muitas maneiras de se ser feliz. Só que a mente não se apercebe disto. Como é que eu sei o que é melhor para ti? Aquilo que está a acontecer agora é o melhor para ti. Não há excepções.

A única relação íntima possível é contigo mesmo. Os outros, os maridos, os filhos, os amigos, só te irão devolver o amor que sobra de ti depois de te amares. E se para tu estares bem precisas que os outros estejam bem (de acordo com os teus padrões, claro) então não amas: impões a tua vontade. É duro viver com alguém que nos impõe continuamente a sua vontade. Um inferno. Começas a ver porque as pessoas se afastam? Ninguém gosta de ditadores.

O meu irmão ficou com o pé negro depois de uma pancada. O olhar dele mostrava-me dor. Mas era a sua dor, não era a minha. Porque motivo haveria eu de ficar triste? O universo precisava de alguém com dores no pé, o meu irmão foi o voluntário. Eu fui o voluntário que lhe fez um tratamento. Em paz, tranquilo. Em realidade sorria. Fui de serviço a Deus. Poderia haver algo melhor na vida?

Quando alguém está doente, e com dores, sofre (pelo menos até acordar). E quando essa pessoa nos olha nos olhos e vê preocupação, ou medo, ou ansiedade, irá acreditar que o seu estado é pior do que aquilo que pensava antes de nos olhar.

É assim que ensinamos os mais pequenos. “Olha como eu sofro quando o pai chega atrasado!” ou “Olha como fico triste quando tiras uma negativa!” Isto é ensinar as crianças a procurar a paz e a felicidade fora delas, onde nunca a encontrarão.

A realidade nunca nos desilude, só nós temos esse poder. A realidade é aquilo que é. Como é que eu sei que o companheiro da minha amiga está melhor com outra mulher? É com a outra mulher que ele está. A realidade não nos engana. Mas se acreditar que o lugar dele é com a minha amiga, irei torná-lo no meu inimigo. A guerra começa sempre naquele que se defende.

É engraçado como nos afastamos daqueles que chamamos de amigos. Até acordarmos, os nossos amigos são aquelas pessoas que concordam com as nossas histórias.

(Eu): tive um dia terrível no trabalho!

(Amigo): coitado, tens um trabalho pesado!

(Eu): hoje tive uma discussão com o meu filho, não arruma o quarto!

(Amigo): o teu filho nem sabe a sorte que tem contigo, coitado de ti.

(Eu): A minha professora chumbou-me!

(Amigo): é uma cabra!

Quando os nossos amigos deixam de concordar com as nossas histórias, arranjamos muito rapidamente uma desculpa para nos afastarmos. Não gostamos que discordem das nossas histórias de coitadinho.

Por isso digo que enquanto não amares a guerra, o cancro, a violência doméstica, os políticos, irás projectar tudo o que pensas destes no primeiro instante que um amigo não concordar contigo.

Consegues ver onde andas tu em guerra? Quando queres que os outros sejam quem não são. Consegues ver onde te andas a odiar? Quando dedicas tempo a falar mal dos que não estão presentes. Consegues ver onde és estúpido? Quando não te respeitas e deixas para amanhã o que sabes que é para fazer agora.

A minha experiência ensinou-me que as pessoas à nossa volta são os professores que precisamos. Se apenas estivermos dispostos a aprender.

Ah! No final da nossa conversa, a minha amiga conseguiu conhecer o companheiro pela primeira vez. E agora ama-o tanto que só quer mesmo que ele fique com a sua amiga. E conseguiu ainda telefonar à amiga (a que era hipócrita) e pedir-lhe perdão por não a ouvir.

Claro que numa relação a dois é importante o dar e receber. Eu dou, e nesse momento recebo! E se a outra pessoa dá algo, delicioso! Mas não dou à espera de receber. Isso não é dar, é uma troca comercial com a etiqueta do preço escondida. Quando dou e espero receber, mais cedo ou mais tarde irei cobrar. E quando aqueles que amo escolhem afastar-se, eis a oportunidade de estar a sós com a pessoa mais amorosa do mundo: eu! Pelo menos para mim.

E respeitar-me não significa que irei fazer sempre o que me pedes. Pedes algo e verifico se posso fazer o que me pedes. Sem violar a minha integridade. Hoje pedes-me para ir ao cinema contigo. Não vejo porque não, tenho a tarde livre. Amanhã pedes-me para ficar contigo à noite, e eu já tinha dito ao meu pai que iria jantar com ele. Digo-te que agradeço o teu pedido, mas já tenho outros compromissos. E amo-te à mesma. E se tu não estás em paz contigo, irás acusar-me de ser insensível e distante. É ok, meu querido. Também sou isso.

Haverá algo melhor que a paz? Só o amor incondicional.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Vou ser pontual. Ou não.

A mente tem esta capacidade brilhante de interpretar a realidade à sua maneira, por forma a criar um falso estado de tranquilidade.

Observo como algumas pessoas me dizem, sem qualquer desconforto, que estão a seguir o meu conselho, porque é a realidade. E então dizem coisas como “prometo chegar a horas. Ou não.” e “Eu vou jantar contigo. Ou não.” e “Eu termino este projecto até quinta-feira. Ou não.”

E depois não cumprem e, aparentemente, é perfeitamente ok, porque tinham avisado que poderiam não cumprir.

Chamo a isto manter-se num estado de negação da realidade.

Quando me comprometo a algo e afirmo que há uma possibilidade de não cumprir não estou a dizer que posso ter um ataque de preguiça, ou que de repente surgiu algo melhor. Não podia estar mais longe da doce realidade!

O que eu quero dizer é muito mais simples. Eu prometo ir à tua festa de anos. Ou não. Este “ou não” significa apenas que a Vida pode ter outros planos para mim. Ser atropelado por um camião, por exemplo. Ou um amigo ou familiar ser hospitalizado. Ou ter um enfarte que me atira para um hospital (ou cemitério). É isto o que significa “ou não”.

Mas jamais me ocorreria comprometer-me a fazer algo e mais tarde mudar de ideia e fazer outra coisa, ou comprometer-me com outra pessoa. Isto é viver em estado de negação (para não falar em oportunismo).

A pessoa que se compromete comigo a um encontro, por exemplo, e depois não aparece é a pessoa perfeita para a próxima vez que eu quiser marcar um encontro com alguém que não aparece. Não fico magoado nem triste. Rapidamente sei que a Vida tem outros planos para mim. Mas não volto a contar com essa pessoa. Ela é a pessoa que não cumpre.

Claro que se esta pessoa não cumpre por motivos de força maior, eu compreendo. Não vejo porque motivo não haveria de compreender.

Por outro lado, presto sempre atenção ás desculpas e justificações dadas. Gosto da realidade. Basta dizer “o meu pai está mal.” Eu compreendo. Não há necessidade de prosseguir com aquelas histórias que dizem “quero que penses de mim o que eu mesmo não sou capaz de pensar de mim.”

Observa-te de cada vez que estiveres a justificar-te. Descobre onde estás a mentir. Eu sei que estás. Se estivesses a ser sincero não te justificavas, não precisarias que outros pensassem de ti o que quer que seja.

Somos educados a pensar que é falta de educação faltar a um compromisso e depois não nos justificarmos. A falta de educação pode ser o faltar ao compromisso porque surgiu algo melhor. Mas não é a justificação que irá remediar essa falta. Desiste de te justificares. E quando tiveres mesmo a necessidade de te justificar, sê breve.

A justificação, na grande maioria das vezes, é uma forma de manipular os outros. Por detrás da justificação há a necessidade de mostrar que somos pessoas boas. Se somos pessoas boas porque motivo haveríamos de necessitar de uma justificação?

Recordo-me das palavras do Yoda (Guerra das Estrelas): “Ou fazes ou não fazes, não há tentar.”

Quantas pessoas se refugiam em desculpas como estas:

“Não sou capaz.”

“Não tenho tempo.”

“Eu tentei mas...”

“Não sei o que acontece, mas vou deixando as coisas por fazer...”

“Eu podia fazer melhor, mas...”

Estas desculpas são mesmo e irremediavelmente os pregos com que construímos uma casa de falhanços.

Se estiveres num processo de acordar irás observar o seguinte:

- Consegues ouvir uma voz suave que te diz o que é para fazer a seguir;

- Não tentas “destruir” o ego (querer destruir uma ilusão é acreditar que é real);

- Raramente, ou nunca, precisas de te desculpar;

- As pessoas à tua volta sentem-se bem;

- Os outros sabem que estás presente e consegues ouvir de verdade;

- Não tentas manipular ninguém (nem mesmo os filhos);

- Ninguém te consegue magoar;

- Respeitas-te continuamente e observas que ninguém te falta ao respeito;

- Não dependes das opiniões dos outros sobre o que fazes ou dizes;

- A imperturbabilidade é o teu estado natural ao longo do dia;

- Não tentas “desapegar-te” das coisas e pessoas. O tentar o desapego é uma das actividades favoritas de um ego espiritualizado. Em vez disso, desfrutas de cada coisa e pessoa no momento, sem qualquer expectativa nem receio;

- Não impinges a tua filosofia a quem quer que seja. Eu, por exemplo, que me considero a começar a levantar um nadinha as pálpebras, sei que ninguém tem que seguir a minha filosofia nem sequer tem que fazer um curso meu ou ler o que quer que seja de minha autoria. A única coisa que espero de qualquer pessoa é que seja quem ela é;

- Quando estás com alguém, seja quem for, entregas-te completamente a essa pessoa. Só ela existe;

- Observas, observas, observas. Sem necessidade de comentar o que quer que seja. Excepto se te for pedido um comentário. E mesmo assim, estarás perfeitamente tranquilo para o não fazer;

- Consegues ver perfeição em tudo;

- Deixas de ditar como as coisas deveriam ser;

- Sentimentos de ódio, revolta, ansiedade, angústia, tristeza, são situações que ultrapassas em minutos.

Claro que posso estar completamente errado. Mas para mim funciona. Para ti? Descobre o que te faz sentir bem e sem necessidade de te desculpares.

A outra forma deliciosa de manipular os outros é fazer-lhes uma pergunta e quando não gostamos da resposta insistimos na pergunta. Seria mais íntegro fazer a pergunta e informar os outros de qual a resposta que esperamos ouvir.

terça-feira, 3 de maio de 2011

A causa de todo o sofrimento


“Ainda que se possa fazer todos os filmes mentais possíveis e impossíveis, sempre em número ilimitado porque na mente de cada um manda o próprio, ou assim se julga, raramente, para não se dizer nunca, o filme acontece na realidade. A única sala de cinema onde passa é dentro da cabeça do visado e em mais lado nenhum.” Luís Miguel Rocha in A Mentira Sagrada (Porto Editora, 2011)
É este o motivo de todo o sofrimento. Os filmes que fazemos na nossa cabeça e que nunca correspondem à realidade.
A realidade é aquilo que acontece e, para sofrer, o ser humano tem que acreditar que não deveria acontecer. A realidade tem uma forma deliciosa de ganhar sempre.
Sofremos quando a pessoa amada é infiel (e não deveria ser, claro). Sofremos quando o filho faz uma birra (e não deveria fazer). Sofremos quando há uma guerra (e não deveria haver). Sofremos quando estamos desempregados (e não deveríamos estar). Sofremos quando estamos cansados (e não deveríamos estar). Sofremos quando alguém nos chama de estúpidos (e não deveria chamar).
Poderíamos começar a tornar-nos conscientes de algo tão simples como Aquilo Que Está A Acontecer?
A mente divide a realidade em bom e mau, certo e errado. É aqui que sofre. E se em vez de certo e errado pudesse a mente ver perfeição? A mente vê a duas cores. E normalmente as cores que consegue ver são estas: eu estou certo e tu estás errado. Puro inferno.
Aquilo Que É, É. E ganha sempre. Por mais que tu chores, grites, fiques triste, zangado, enraivecido. A Realidade não quer saber. Acontece sem a tua autorização. Pessoas gritam, o sol nasce no horizonte, uma criança nasce, lixo amontoa-se na rua, alguém morre, um foguete vai para o espaço, uma mosca cai no prato com sopa. Tudo a acontecer sem a tua autorização.
E depois acreditamos arrogantemente que não deveria ser assim. E garantimos o nosso sofrimento.
Se é tão fácil ser-se fiel, poderias tu começar a dar o exemplo? Sê fiel aos teus sonhos.
Se é assim tão fácil permanecer calmo, poderias começar tu a dar o exemplo? Mantêm-te calmo quando eu estou aos gritos no meu inferno pessoal.
Se é assim tão fácil ser-se honesto, poderias tu ser esse exemplo? Sê honesto quando te perguntam se te amas incondicionalmente tal como és.
Se é assim tão fácil sentir-se feliz e em paz, poderias dar-nos o exemplo? Poderias manter-te em paz e feliz quando eu estou triste e desiludido?
Dá-nos o exemplo que queres que nós sejamos. Mostra-nos que é fácil ser quem tu queres que nós sejamos. Assim como assim, nunca nos irás mudar. Apenas podes mudar-te a ti mesmo. Caso ainda não tenhas reparado. Esta é a doce realidade. Tão simples.
A realidade nunca é aquilo que tu acreditas que deveria ser. É muito mais simples.
É Aquilo Que É.
E tu só tens duas opções. Amar ou odiar. Paz ou sofrimento. E a realidade é tão deliciosa que respeita a tua decisão. E continuará a acontecer sem a tua autorização.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A dor dói. Mas será verdade?

Ontem quis ter a experiência da dor. Como sei que queria esta experiência? Tive-a. Poderia a vida ser mais carinhosa?

Estava a assar sardinhas na brasa e os meus dedos escolheram pegar numa brasa. Poderia dizer que me tinha enganado, e pegado numa brasa em vez da sardinha. E começaria o meu inferno pessoal. A realidade é que os meus dedos queriam pegar numa brasa, porque foi no que pegaram.

E como não largaram a brasa de imediato, soube que queria ter a experiência da dor, de uma queimadura.

Entretanto as minhas pernas mexeram-se rapidamente e levaram-me à casa de banho. Estava curioso. O que iria fazer ali? A mente observava as dores provocadas pela queimadura e questionava-se.

“Não deveria estar com dores” – ria-me.

“Não vou poder fazer massagens” – ria-me.

“O que é que vou fazer agora?” – e continuava a rir-me.

A mente tentava deliciosamente arranjar pretextos para me causar sofrimento. Não conseguia. E experienciava as diferentes nuances da queimadura. As mãos agarraram num frasquinho de óleo puro de alfazema, abriram-no e despejaram o líquido sobre a queimadura. “Ah! Então é isto que a vida quer!”

A vida continuava a fluir através de mim, sem um grama de resistência da minha parte.

Claro que a mente queria queixar-se. Queixar-se a alguém como se os outros fossem um analgésico. A mente ainda não descobriu que a queixa é completamente inútil. Sem utilidade. Se acreditasse na mente, e me queixasse, estaria louco.

A dor física é algo natural. Mas o que pude observar é que o que causa mal-estar, sofrimento, não é a dor física mas a luta que a mente trava contra essa dor. A desejar que não exista, quando está presente. A querer as coisas diferentes daquilo que são.

Depois a vida levou-me para o jardim. Os dedos latejavam. Eu observava, à procura de pensamentos que pudessem causar-me sofrimento. Veio apenas mais um: “Este latejar provoca-me muito desconforto”. E vi imediatamente que o que me provocava desconforto era o pensamento. O latejar mantinha-se independentemente de a mente querer ou não a experiência. Mas eu sabia que queria esta experiência, pelo simples facto de estar a passar por ela.

Os pássaros chilreavam, gotas de chuva caiam, o vento soprava, e os meus dedos latejavam. Mantive-me envolvido na experiência total de estar vivo.

Eventualmente o latejar desapareceu, voltou ao lugar de onde tinha vindo: nada. E sorriu. É para lá que também um dia eu irei. Delicioso.

domingo, 10 de abril de 2011

Quero ter uma conta aberta no FB. Será verdade?...

Através desta rede social tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas especiais. Todas, sem excepção, me foram úteis na descoberta de quem sou. Sinto-me privilegiado. Algumas destas pessoas já conheci ou fiquei a conhecer pessoalmente. E é delicioso poder abraçar cada uma, sentir todo o carinho delicioso que brota de cada uma, sem esperar nada em retorno.

Pela minha experiência pessoal, o FB mostrou-me, tanto como na vida real, que só conseguimos abraçar a nossa luz depois de atravessada a escuridão. Aquela escuridão que tentamos a todo o custo que ninguém consiga descobrir. Enquanto as feridas da nossa infância e adolescência não forem saradas, por mais meditações e figurinhas de luz que imaginemos, iremos continuamente projectar os aspectos rejeitados da nossa alma.

Este é o crime de todos aqueles que não gostamos: mostram-nos as nossa qualidades deserdadas, doentes e que só conseguimos aguentar porque as projectamos sobre os outros, aqueles a quem apontamos o dedo. E uma vida assim nunca pode ser fácil.

Por outro lado, descubro que ninguém tem que fazer rigorosamente nada. Ninguém tem que mudar, nem evoluir, nem ser melhor. Apenas eu. Sou a única pessoa que posso mudar. Os outros podem fazê-lo, claro, mas não faço disso uma exigência para os amar.

Descubro que cada ser humano é digno de ser amado, independentemente do que fez ou disse, ou deixou de fazer ou dizer.

Descubro que todos somos amor puro, mas muitos esquecemo-nos disso, perdemos consciência que somos amor, e procuramo-lo continuamente nos lugares errados: fora de nós.

Descubro ainda que não há nada de que me possam acusar que não seja verdade. E observo que as pessoas com quem contacto presencialmente sentem um carinho especial por mim. É o carinho, o amor, que sempre esteve dentro de cada uma. Limito-me a recordar-lhes isso. E estar presente para cada uma, sem qualquer condição, é suficiente. Descubro que na presença do amor incondicional qualquer ser humano tem a capacidade de se tornar consciente que é isso: amor incondicional.

Perdoo a todas as pessoas que me enviaram mensagens e ás quais não respondi. Há já algum tempo que desisti de as ler. Eram uma média de 30 a 40 por dia.

O FB foi ainda um teste delicioso para comprovar que de facto ninguém tem o poder suficiente para me magoar, apenas eu tenho esse poder. E sinto que o estou a perder a uma velocidade deliciosamente ideal.

Aprendi que é delicioso viver uma vida em que só desejamos que os outros sejam quem são e nunca quem gostaríamos que fossem.

Aprendi a ouvir sem a necessidade de me defender. A defesa é sempre o primeiro acto de guerra, e como diz a querida BK, todas as guerras se resolvem numa folha de papel.

Aprendi que não penso, sou pensado. E que para sofrer tenho que acreditar nos pensamentos como sendo de minha autoria. Nunca o são. Fluem. E são iguais aos do meu vizinho, do meu amigo e do meu pai. Não há pensamentos novos que causem stress emocional. São sempre os mesmos.

Sinto que estou a viver um momento de crise. Uma oportunidade única de crescimento e bem-estar. É isso que significa para mim a palavra crise. Não estou a tentar embelezar o belo nem a negar o que quer que seja. Uma crise é sempre uma oportunidade de crescimento. Se tivermos a coragem de abrir os olhos em vez de apontar o dedo.

As mudanças que observo à minha volta são muitas e muito aceleradas. Escolho o silêncio, a calma, a paz e o amor. Continuarei a escrever no meu blog, ou não. E irei continuar a enviar com alguma periodicidade a newsletter aos que estão inscritos nela, ou não. De qualquer forma, a minha caixa de correio electrónica mantém-se receptiva a qualquer email: emidiocarvalho@gmail.com . Mas por favor não me enviem emails reencaminhados (aqueles com um FWD), nunca os abro.

Escolho dedicar uma grande parte do tempo disponível à preparação da primeira Escola Residencial, com a duração de uma semana, em Julho. É um desejo do meu coração que cada pessoa que participe consiga todos os objectivos que a levarão até lá. E sei que irá acontecer.

Porque, com a ajuda do FB, descobri que na presença do amor, a realidade torna-se amorosa, deliciosa, de braços abertos, e sempre com um sorriso. A vida flui. Eu sigo este fluir. Assombrado. Deliciado. Sem histórias. Tudo e nada na perfeição.

Ah! E é verdade, adoro cada amigo virtual do FB! Cada um é sempre tão perfeito, tão igual a si mesmo, tão autêntico. Como poderia não amar cada um? Impossível.

E a vida continua, sempre a fluir. Vou a Madrid, ou não. Vou à Madeira, ou não. Sempre curioso. Será que isto irá acontecer?... Estou curioso. E a vida sorri sempre, nunca me decepciona. A vida é aquilo que é e nunca aquilo que o ego gostaria que fosse.

Não é delicioso?

sábado, 26 de março de 2011

Recebi este email ontem, da querida A.

Um ano depois de começar o Curso de Educação Emocional...

Olhei para a altura em que encontrava algo de bom para cada situação do passado, sobretudo o que vivi com o pai e tinha de fazer um esforço. Não sentia o que escrevia...

Ontem, observei o presente ... e numa conversa com o pai, apercebi-me que ele já não me conta a sua história de vitima da infância e da adolescência.

Conta-me novas histórias, que não me lembro alguma vez de ter ouvido. Vi uma pessoa corajosa, determinada, ousada, aventureira; uma pessoa que venceu graças às situações adversas.

De repente soltou-se uma voz: Sou eu, sou eu, sou eu! E ainda estou de boca aberta.

Não sei que é feito da pessoa que se lamenta e que me conta histórias de coitadinho. Não consegui mesmo ver !

A primeira vez que me apercebi disto foi este mês e pareceu-me curioso. Ontem à noite repetiu-se e foi aí que eu vi. Fui eu que mudei !

E disse-lhe ... afinal tu eras corajoso, aventureiro, bom comunicador, dinâmico, saías de qualquer situação difícil... ele ficou calado e depois disse... Bem é verdade! Eu fiquei de boca aberta e imóvel. Não tive qualquer outra reacção...

Agora estou a trabalhar a filha e estou parva com tanta coisa que estou a descobrir através dela.

O comportamento da filha (fez o que disse que ía fazer e não ligou ao que eu lhe dizia, ou seja, eu disse-lhe para ir para o ATL no intervalo das aulas e ela disse que não ia e não foi) e quando me perguntei de que forma faço o mesmo, comecei a ver inúmeras cenas do passado, que quando comecei este curso só via a vitima e agora saltaram com nova dimensão ... ex. Tinha 4 anos e ia varias vezes passar a tarde a casa de uma vizinha velhota e almoçava lá também. Uma vez eu disse que não queria comer porque não gostava da comida. A vizinha, zangou-se comigo, pegou-me pelo braço e levou-me a casa e disse à minha mãe que eu lhe tinha chamado ''velha'' e por isso não me queria mais em sua casa. A memória que ficou a repetir-se muitos anos foi '' injustiça. ela mentiu e eu disse a verdade''.

Ontem, quando me saltou esta memória veio de outra maneira: sorri para mim e disse-me ''eu tinha muita personalidade; já era muito corajosa; já me respeitava; a vizinha não devia saber lidar com a situação e inventou uma desculpa! ''

E a seguir a esta comecei a ver sem esforço uma série de outros eventos que rotulei estes anos todos de injustos, e só via o meu lado corajoso; o meu lado em que me respeitei, mesmo quando outros me '' abandonaram '' e esta não é a verdade; para chegar aqui, vi primeiro que eu é que me abandonei todas a vezes que considerei que outros me abandonaram, desde os 5 anos ... e como a emoção era forte, lembrei-me do que costumas dizer... encontra o oposto ... fui à procura e libertou-me quando encontrei nas mesmas situações as atitudes em que me respeitei, em que fui corajosa, em que fui ousada, em que fui amorosa ... e já não vi as outras.

Tenho percepção que só vemos uma coisa boa ou uma coisa má de cada vez. Não se consegue ver as duas. Quando estou a focar-me nestas atitudes corajosas, ousadas, determinadas, amorosas, estou a sentir uma emoção/energia que inunda o meu corpo de algo parecido com abundância, compaixão, aceitação, amor-próprio, gratidão... deus, não sei o que lhe posso chamar mas é isto que estou a sentir desde ontem.

Desde que comecei esta parte do Curso, que a maioria desistiu de fazer, entro várias vezes ao longo do dia em estado de observação e vejo mais do que todos os 8 meses anteriores do Curso; se pudesse dizer a todos os que desistiram ou os que estão a fazer e não pensam continuar, dizia-lhes ... não sabem o que estão a perder.

Quando cheguei a Dezembro acreditava que já tinha trabalhado muito o pai, a mãe, o marido, os filhos, a sogra ... mentira ... com a observação continua é que estou a ver mais, mas estou é a ver mais de mim !

Por outro lado estou também a encontrar resistência, dificuldade em dar resposta diferente às situações em que estou a querer agradar ... sinto-me sem controlo nenhum. Apanho-me inúmeras vezes ao longo do dia com intenções subtis, a dizer coisas e a ver em simultâneo a intenção que está por trás e estou consciente de estar a manipular. O receio do que possam pensar de mim; no trabalho está a acontecer todos os dias; com o marido também; com amigos; com vizinhos; com os filhos; mesmo encontrando as razões que estão por trás e sabendo que é mentira, não estou a conseguir de momento ter outra atitude. As desculpas e as explicações.

Neste momento agradeço-te por me dares estas ferramentas para trabalhar e agradeço-me por ter pegado nelas. Uma vezes consigo e outras não. Estou com a percepção de que isto é o principio. O Curso pode terminar mas o estado de observação de mim e da realidade não. E isso só depende de mim.

Um abraço muito apertado.

(o meu corpo e eu desfrutamos neste momento a sensação de plenitude ''está a valer a pena !'' ehehe :)))


NB - Só tenho a acrescentar uma recordação à querida A: eu não fiz nada. Nunca fiz mais nada a não ser observar-te e respeitar o teu processo, o teu caminhar. A vida é sempre deliciosa, quer estejamos acordados ou não. E o que observo é que tu, querida amiga, estás a acordar do sono profundo da mente. Poderia a vida ser mais deliciosa?

domingo, 20 de março de 2011

Pensamentos soltos que foram surgindo ao longo do dia de hoje

Um amante daquilo que é espera com alegria tudo o que possa vir na sua direcção. A vida, a morte, a doença, a perda, tremores de terra, bombas, tudo aquilo a que a mente possa chamar de “mau”. A Vida irá trazer-lhe tudo o que precisa, para lhe mostrar aquilo que ainda não ama. Nada fora de mim pode causar-me sofrimento. Apenas os pensamentos por questionar podem causar dor, tudo o mais é um paraíso.

Eu estou livre para ir a qualquer lugar, porque não consigo projectar perigo. Em realidade Emídio é apenas um conceito, e há algum tempo que deixei de acreditar em conceitos. Sem a história de quem o Emídio é, ou deveria ser, estou livre para ser uma expressão da Vida. Não há um lugar onde não possa ir. E eu adoro ir, porque adoro a viagem e a pessoa com quem viajo. Que pode ser a pessoa a ler isto. Uma mente que não acredita em si encontra-se em paz, a sanidade presente. Uma mente sem mentiras curva-se perante a beleza da sua reflexão no mundo à sua volta. Não adiciona nem subtrai nada à realidade. Sabe a diferença entre a realidade e a fantasia e assim não consegue conceber o conceito de perigo.

Qualquer pessoa que acredite no mal irá ter medo e, por conseguinte, sentir-se confusa. O mal é apenas mais uma história que nos impede de experienciar o amor. O que observo é que Deus, Universo, Fonte, é tudo, e é Amor Incondicional. Apenas a mente confusa é capaz de criar separação, de ver o mundo a duas cores. E se acredita no medo irá necessitar de se defender. Começa a guerra.

Não há nada mais carinhoso que uma mente aberta. Uma vez que não acredita naquilo que pensa, torna-se flexível, porosa, sem oposição, sem defesa. Nada a consegue dominar. Nada a consegue resistir. Mesmo a coisa mais impenetrável do mundo – uma mente fechada que precisa de ter razão – não consegue resistir ao seu poder. Eventualmente até a mente mais endurecida se torna flexível e fluida na presença da mente aberta.

As pessoas têm medo de ser nada. Mas ser nada é apenas um aspecto daquilo que é. Nada não só é um motivo para celebrar como também para sentir gratidão e não ter medo. Sem a história de stress em que a mente acredita – o mundo é perigoso, há mal, preciso de ganhar dinheiro – o stress desaparece. Quando não acreditas nos teus pensamentos apenas pode existir alegria e riso.

Apenas a mente que acredita nos seus pensamentos é capaz de criar a imperfeição.

Tudo na vida acontece sem a nossa aprovação. A rosa abre-se e deixa cair as pétalas. Eventualmente morre. Sem qualquer indicação da tua parte um carro buzina na rua, uma criança salta, o sol brilha, a tua amiga telefona-te. Sem qualquer interferência da tua parte os países entram em guerra, os teus pais discutem e os teus amigos falam nas tuas costas. Sem o teu consentimento crianças nascem, amantes abraçam-se e uma refeição é preparada. Poderia a vida ser mais deliciosa?... Tudo a acontecer para ti, para que te descubras. A vida, esta dança perfeita que te mostra continuamente quem és e não exige nada de ti.

Quando estou com uma pessoa pela primeira vez sinto uma torrente de gratidão e amor pela vida. Sei que toda a minha vida aconteceu para este momento especial. Para te ver e desfrutar desta oportunidade única de te amar por seres quem és e não quem eu gostaria que fosses. Não tenho uma história de ti, dedico-me a ouvir-te. A tua história, que é uma mentira, é tão deliciosa que é uma honra e um privilégio poder ouvir-te. Apenas a mente confusa acredita em histórias de sofrimento e separação. Mas não espero que me compreendas, nem exijo de ti outra coisa que não seres quem tu és. E neste espaço, sem qualquer expectativa, posso abraçar-te. Oh meu Deus, poderia a vida ser mais deliciosa?!

domingo, 13 de março de 2011

A Realidade é sempre deliciosa

A realidade é sempre muito clara e simples quando a mente se encontra desperta e num estado de simplicidade. O problema começa quando a mente decide que há um qualquer significado escondido por detrás da realidade, daquilo que está a acontecer. Mas a realidade é aquilo que é, aquilo que está a acontecer agora. O que quer que seja que esteja a acontecer é bom, e se não consegues ver esta bondade podes sempre questionar os pensamentos que ocorrem na tua mente e discutem com a realidade.

Quando vejo as coisas e as pessoas sem uma história, faço uma escolha entre o aproximar-me ou afastar-me, sem discussões internas e sem juízos de valor. Nem sequer preciso de saber porque o faço. E este movimento é sempre perfeito, e eu nem tenho que perguntar-me porque ocorre.

E porque na realidade nada tem segundos significados, a realidade é esta: homem sentado numa cadeira em frente a um computador, a pressionar teclas num teclado, que olha de vez em quando pela janela, bebe água de um copo. Poderia a vida ser mais simples? É só isto o que está a acontecer agora. É a única história possível. Quando amamos aquilo que é, a vida torna-se simples e carinhosa. Quando a mente descobre que tudo é como deveria ser.

Mas se olhares para mim e contares uma história, irás distorcer a realidade e entrar em guerra. A tua mente pode pensar algo como “Emídio, a arquitectar um plano para convencer alguém a fazer algo que não quer fazer, e que não sabe o quanto custa a vida, a divertir-se à minha custa.” Entras numa história e discutes com a realidade. E a realidade tem uma forma doce de vencer sempre. Observa sempre que entras em stress, estarás a discutir com a realidade.

Observo um jovem a chamar nomes a uma mulher idosa. As pessoas à minha volta começam a comentar. Começam a discutir com a realidade. O que dizem é isto: “não tem vergonha! Olha como insulta a pobre velhota! Se fosse meu filho levava um par de estaladas na cara!” – e não conseguem observar o que acontece. Acreditam numa história que diz que os mais novos não deveriam dizer o que dizem, e sobretudo a alguém mais velho. A realidade? As pessoas dizem o que dizem e fazem o que fazem. Não é certo nem errado, é o que é. Observo que as pessoas que tecem os comentários entram em stress. Eu observo. Procuro em mim onde ando a desrespeitar-me. Ah! Já sei! Deito-me tarde e levanto-me cedo, bebo demasiado café, ando a correr, não tenho meditado, preocupo-me com o bem-estar dos outros (como se eu pudesse fazer alguma coisa em relação ao que os outros sentem!). E a lista continua. Sorriu. Mentalmente agradeço ao jovem. Depois observo que a discussão não existe. Parou. O jovem dá dois beijos à idosa e parte. Ela senta-se na mesa ao meu lado. Olho para ela e sorriu. Tem uma expressão deliciosa. Ela sorri de volta e diz “é a juventude!” Concordo. Gosto desta história simples. E aprecio o pastel de nata, enquanto as pessoas à minha volta ainda discursam sobre o que aconteceu antes, aquilo que já não é. Agarram-se ao passado.

Quando falo e escrevo faço-o a partir de um eu que sei que não existe, é mais uma mentira. Eventualmente descobrirás a mentira também. Também falo a partir de Deus, da Terra, de um grão de areia. Se estas coisas existem mesmo, eu sou a sua origem. E eu acredito que sou estas coisas porque não tenho um ponto de referência para “eu”.

Se conseguires contemplar a realidade sem uma história, a vida torna-se carinhosa. Para sofreres tens que impor um “deveria” ou “quero” ou “preciso”. Acreditas mesmo que é possível compreender a vida a partir de vinte e três consoantes e vogais?

Eu sou tudo, a mente é tudo. Falo a partir de um “eu” para evitar a alienação dos outros. Durante uma semana vivi sem “eu” e observei como os outros ficavam confusos. Dizia: “ele agora gostava de beber vinho” e as pessoas olhavam-me confusas. Então aprendi a substituir a referência à mente e chamar-lhe um “eu”.

Falo com as pessoas a partir de um ponto em que sou amigo e se as pessoas confiarem em mim é porque vou ao seu encontro a partir do mesmo nível em que elas se encontram. Sinto-me apaixonado. É uma relação amorosa de mim para mim, e inclui tudo. Ao ir ao encontro dos outros sem qualquer imposição ou condição é ir ao meu encontro sem qualquer condição ou imposição. Sinto-me apaixonado por tudo. Vaidade pura. Ontem dei um beijo à porta da casa – é tudo eu.

Gosto de falar como um ser humano – é o meu disfarce. Uma das primeiras coisas que notei, quando comecei a abrir os olhos, foi a consciência que sou tudo o que observo. Não há nada que não seja eu. E depois apaixonei-me por tudo, pelos olhos, pelas mãos, pelas pernas, pelo solo, pela chuva, pelo carro que buzina. Nada está separado da mente. Eu sou isso. E sou isso. E sou isso também. Sou tudo e sou nada. Nada se encontra separado.

Olho para o céu e não sei que é céu até lhe colocar o rótulo. E no momento em que coloco o rótulo torna-se realidade. Antes de haver um rótulo não há realidade.

E é delicioso observar como a minha mente raramente acredita em si mesma. Sem um significado tudo existe de maneira perfeita. Eu sou o velho e o novo, o princípio e o fim, eu sou tu, eu sou tudo – este batimento extático, esta alegria sem nome, esta dança contínua, este nada luminoso.

Até começar a acordar precisei de questionar tudo. Tudo o que a mente acreditava. E observar como tudo era mentira. E inicialmente assustei-me. E depois descobri que o próprio medo era uma mentira.

A realidade é sempre carinhosa, sem decepções – é aquilo que é, sem uma história.

terça-feira, 1 de março de 2011

A Vida a Fluir

Esta tarde regressava a casa no comboio. Um casal sentado à minha frente sorria.

Meditava sobre a mente. A mente. Acredita que é a autora dos pensamentos que percorrem a nossa cabeça. Não se apercebeu ainda que a sua atitude é esquizofrénica.

Os pensamentos de qualquer pessoa não são seus. Da mesma maneira que eu não controlo conscientemente o sangue que corre nas minhas veias, nem o batimento cardíaco, nem sequer o movimento das minhas pernas, também os meus pensamentos não são controláveis. Simplesmente surgem.

E observo que todos os pensamentos que me fazem sofrer são uma mentira.

“Preciso de uma casa. Preciso de companhia. Preciso de dinheiro. Preciso de um carro. Preciso de ficar curado. Preciso que me ames. Preciso que gostem de mim. Preciso de agradar aos outros. Preciso de ser pontual. Preciso de trabalhar. Preciso, preciso, preciso....” – e observo que é tudo mentira.

“Deveria ser mais simpático. Deveria fazer sol. Deveria trabalhar menos. Deveria ganhar mais. Deveria haver paz no mundo. Deveria chover. Deveria, deveria, deveria...” – e observo mais uma vez que é tudo mentira.

Mas a mente esquizofrénica acredita que os pensamentos são seus. Não se apercebe que são os pensamentos da humanidade, há milhares de anos.

Amamos o nosso cônjuge e quando descobrimos que nos foi infiel (como se tal fosse possível), sofremos. A única pessoa que tem o poder de ser infiel na minha vida sou eu mesmo. Quando não me ouço. Quando tento agradar. Quando compro o amor dos outros com amabilidades. Estou a trair a minha integridade. Os outros apenas reflectem o que ando a fazer há muito tempo.

Mas a mente esquizofrénica acredita que os outros é que detêm o poder sobre si. O seu pensamento é algo parecido a isto: “Se apenas os outros fossem diferentes de quem são, eu estaria bem.” Chama-se a isto um egoísmo doentio.

E depois a mente cria opiniões. As minhas opiniões. E nem se apercebe que as minhas opiniões não têm nada de original. São idênticas a milhares de outras opiniões e a milhares de indivíduos. E quando a mente se identifica com essas opiniões torna-se o seu pior inimigo. Porque agora que determina que estas opiniões são suas, irá ter que as defender sempre que forem postas em causa. E de cada vez que alguém contrariar uma opinião minha irei defender-me porque a mente se identifica com essa opinião. A identificação com uma opinião significa apenas que o ego acredita que é a opinião. E se alguém tem uma opinião diferente, para o ego isso significa apenas um ataque ao “eu”. Não é por acaso que muitas vezes chegamos ao ponto de matar para defender uma opinião.

E a mente acredita que a sua opinião é melhor que a dos outros. A mente esquizofrénica.

Quando o comboio chegou a Avanca saí. Sorria, enquanto meditava sobre a mente.

Ria-me de mim. Das minhas opiniões. Da mente que mente para poder assegurar o seu sofrimento.

E de repente não sabia quem era nem onde estava. Surgiu o pensamento “quem és?”... E não havia resposta. Não havia um nome, um adjectivo, uma qualidade. Nada. Apenas um sentimento que tentarei colocar por palavras. Era como se o sol estivesse a nascer dentro do meu corpo. Queimava cada célula. Recordo-me de chorar. E de abrir os braços. Nunca tinha estado ali antes. As casas, os terrenos, os cães, as pessoas. Tudo uma novidade! Para terem uma ideia, imaginem que viveram toda a vida na selva e de repente aterra à vossa frente um Boeing 747! E pessoas vestidas saem do avião. E mostram-vos um iPad! Com um vídeo da Lady Gaga!

Acho que o que sentia a Vida (não era eu, o Emídio, era a vida através deste corpo) era paz, amor, serenidade. E ao mesmo tempo uma tempestade de vazio. Mas isto são palavras. E são as que melhor sou capaz de utilizar para descrever esta experiência.

E apesar de não saber onde estava nem quem era, sentia que era levado pelo caminho certo para mim. Não era eu a caminhar. Era caminhado. E talvez fosse alegria a causa das lágrimas. E talvez fosse paz a causa de andar com os braços abertos, como as crianças quando fazem de conta que voam.

De repente uma mulher disse isto: “Boa tarde, Dr Emídio.” E imediatamente respondi: “Ah! É isso, chamo-me Emídio!”

Nesse momento o Emídio regressou, olhou a Carla, funcionária do Crédito Agrícola e sorriu. Estava à entrada de casa.

Não sei o que a Carla ficou a pensar. É irrelevante. Mas a Vida, oh, a Vida! Sempre tão deliciosa! Sempre a oferecer-nos carinho incondicional.

Senti fisicamente que não é possível sofrer. O sofrimento só é possível quando a mente acredita numa mentira. Quando acredita que é o centro do Universo e não consegue ver que é a Vida a fluir. Sem rótulos.

Já em casa deitei-me. Parecia cheio de energia e ao mesmo tempo esgotado. E as sensações voltaram. Mas desta vez diferentes. Senti que era a Ângela, o André, A Rosa, o Rui, o João, a mãe, o avô... o amor tem destas coisas. E sei que não foi um trabalho da mente esquizofrénica. Porque a mente esquizofrénica precisa de se agarrar a conceitos e compreender.

Amo-te.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A perfeição é outro nome para a realidade

A única forma de conseguirmos ver algo como imperfeito é acreditando numa história que contamos e que vai contra a realidade. Isto é feio, é injusto, é inapropriado, é falso, é grosseiro, é mau. Mas será verdade?

Pego neste copo com sumo de frutas e observo que está lascado. E é um copo belo quando o olho sem contar uma história de como deveria ser diferente.

Observo o sem-abrigo a pedir dinheiro, com roupa suja e rasgada. E vejo a beleza do ser humano. Se não acreditar numa história que diz que não deveria haver pessoas sem-abrigo, ou que as pessoas sem-abrigo são perigosas, limito-me a observar a sua beleza e digo-lhe “obrigado”. Muitas pessoas já me observaram a agradecer a pessoas que pedem, sem dar nada. Não tenho nada para dar naquele momento para além da gratidão por ser testemunha da vida a fluir deliciosamente.

Ouço falar de guerra em países distantes. Sem a história de que não deveria haver guerra permaneço calmo. Pergunto-me se posso fazer algo. Posso procurar em mim um sentimento de paz. A guerra é perfeita. Podemos descobrir o amor incondicional, esquecermos os nossos dramas e ajudar a pessoa ao nosso lado.

Estou sentado no chão da sala. Qualquer pessoa poderia pensar que o meu comportamento é inapropriado. Há sofás na sala. Observo os sofás, e o meu corpo senta-se no chão. Perfeito. Delicioso. Outra pessoa poderá pensar que estou a desfrutar do chão. Histórias. Depois observo como as minhas pernas se esticam. Não fui eu quem as esticou. Elas tomaram a decisão de o fazer por mim. A vida flui. Perfeita.

Só a mente que acredita nos seus pensamentos é capaz de ver imperfeição onde não existe.

Estou completamente receptivo a qualquer desconforto. A ficar sem pernas, a perder a visão, a morrer numa explosão. Sei que é sempre perfeito. Como sei isto? Não consigo encontrar qualquer stress.

Uma vez acordei e não conseguia ver do olho esquerdo. Os médicos tinham dito que se o vírus atingisse o nervo óptico eu ficaria cego. Acordei de madrugada, cego. E só sentia paz. Um cego vê tanto! E que perfeição da vida! Bebi um sumo de laranja e voltei para a cama. Delicioso! A vida queria-me cego e sabia que era para o meu bem. Durante a noite a vida mudou de ideia e acordei com a visão restaurada. Delicioso.

As doenças são más. Outra história. As doenças são o que são: a vida a fluir. Pelo menos neste planeta. E observo que quando não luto, quando abro os braços à experiência, aquilo que outros vêem como um problema dissolve-se. Lembro-me das palavras da Debbie Ford: aquilo a que resistes, persiste.

Quanto mais lutamos contra algo, quanto mais queremos as coisas diferentes, maior é o nosso sofrimento.

E no amor a vida é ainda mais deliciosa. Eu amo-te. É a minha função. E tu ama quem te apetecer, é a tua função. E eu sei que me irás amar. Até ao dia em que mudes de ideia. E é sempre delicioso. Eu amo-te tanto que nem preciso que estejas vivo para te amar.

Mas se acreditar numa história que diz que para te amar tu tens que me amar de volta, irei criar um inferno na minha vida. Quando imponho as minhas condições à vida torno-a imperfeita. Antes das minhas condições a vida é perfeita. E continuará a ser perfeita, mas eu não conseguirei ver a perfeição.

Quando eu resisto à história que me conto, sofro. Não é a experiência que é má. É a minha história que afirma que a experiência deveria ser diferente daquilo que é.

Como é que eu sei que deveria ficar cego temporariamente? Fiquei.

Deus, Realidade, Universo, é sempre carinhosamente amoroso. A única coisa que me causa sofrimento é a história em que acredito. Para sofrer a mente tem que acreditar numa mentira. E a mentira é esta: a realidade é imperfeita. Não é. Nunca.

Independentemente do que está a acontecer, o amor é tudo o que existe. E manifesta-se como um copo lascado, uma sopa fria, um sem-abrigo, um cancro, uma flor, uma guerra, um abraço. E flui continuamente, quer eu ame ou não.

Quando a mente compreende que é apenas o reflexo do amor que criou tudo torna-se plena e vivencia um deleite supremo. Tudo é motivo de deleite. E nada é motivo de deleite também. Deleita-se na liberdade carinhosa de saber que é tudo e nada, sem identidade. Dança com a vida.

Tudo o que me aconteceu até hoje foi um presente deste amor. Não há excepções.

Acreditar na imperfeição é sofrer. E é mentira. Até isto que escrevo acaba por ser mentira. Não há nada para lá da mente.

Poderia a vida ser mais deliciosa?

Ciência e Pseudociência

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