sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Ciência e Pseudociência

As redes sociais trouxeram consigo alguns benefícios, sobretudo no que toca a partilha de informação. Contudo esta partilha de informação significa que literalmente tudo é partilhado, desde a descoberta de um novo exoplaneta pela NASA até às teorias de conspiração do Manel dos Limões que passa os dias a fumar uns charros e a insultar qualquer ser humano que discorde das suas teorias.


Por este motivo explico a diferença entre o que é a ciência e o que o Manel dos Limões faz quando não está a fumar um charro (eu sei, estou a generalizar, há pessoal com habilitações académicas que cai facilmente no logro da pseudociência).


A Ciência procura a crítica, é através da crítica dos pares (outros cientistas) que pode evoluir. A Pseudociência odeia a crítica, transformando em inimigo qualquer pessoa que ouse duvidar do que é dito.


A Ciência usa um vocabulário próprio, claro, sem possibilidade de segundas interpretações. A Pseudociência prefere o calão, e palavras que confundam e possam ser interpretadas de várias maneiras.


A Ciência declara uma descoberta depois de muito estudo, análise de dados, e anos de investigação. A Pseudociência gosta da grandiosidade das suas descobertas, sem qualquer base  credível, porque alguém disse logo tem que ser verdade.


A Ciência segue um rumo através de evidências, coloca-se questões e procura respostas. A Pseudociência dá primeiro as respostas e depois procura a evidência que demonstre que a resposta está correcta.


A Ciência tem em conta todos os dados e argumentos, experimenta e assume erros. A Pseudociência procura apenas os dados que suportem as suas teorias, descartando qualquer facto desfavorável às mesmas. 


A Ciência recorre a métodos de investigação rigorosos e promove a repetição desses métodos por cientistas em qualquer parte do mundo. A Pseudociência não possui método, não permite a repetição de um teste e exige que se acredite no que é dito sem considerar qualquer argumento ou análise.


A Ciência baseia-se na revisão por pares de qualquer resultado, outros cientistas irão analisar o que é descoberto e verificarão a veracidade do mesmo. Há um mundo de competitividade onde um cientista sobretudo irá verificar a veracidade do que é descoberto por outro cientista. A Pseudociência é feita por indivíduos que regra geral trabalham por conta própria, assumem estar certos e não permitem que outros critiquem ou investiguem as suas descobertas assombrosas.


A Ciência é criada a partir de um raciocínio lógico e cuidadoso, há toda uma sequência de eventos estudados e elaborados pelo cientista por forma a não permitir a subjectividade. A Pseudociência recorre a teorias inconsistentes e contraditórias, muitas vezes carentes de qualquer lógica e sem fundamento.


A Ciência muda. O que ontem era verdade, hoje é duvidado e amanhã é falso. A Ciência evolui, assume erros e muda de acordo com novos dados que vão surgindo. A Pseudociência é sobretudo dogmática, como a religião. Obriga os seus seguidores a acreditar no que é dito sem questionar. É imutável. Se era verdade para o Homem de Neandarthal, também é verdade hoje. 


Hoje em dia vivemos inundados por informação pseudocientífica. Muitas pessoas pegam num parágrafo que leram no Facebook, mais umas linhas no Twitter, mais o que está escrito no livro do Génesis e elaboram uma teoria que acreditam ser à prova de qualquer análise ou crítica independente. 


Quando te chegar informação acerca do que quer que seja, ser-te-à relativamente fácil verificar a sua veracidade. Alguns dos erros mais comuns na pseudociência:


  • Não há indicação de um estudo específico efectuado (há uma diferença entre afirmar “O ensaio na Jonhs Hopkins que envolveu 12 mil participantes - link para o ensaio aqui”, e “um estudo mostrou que 67% das pessoas morreram”);
  • Erros ortográficos. Embora cientistas estejam mais interessados nas suas investigações do que na ortografia e gramática, eles sabem que um artigo para ser publicado não pode conter erros;
  • Afirmações generalizadas e sem apontarem estudos concretos (nota a diferença entre “Segundo um estudo da Oxfam efectuado no Uganda e Quénia, e que envolveu 65 mil participantes, 97% das pessoas não sobrevivem ao Ébola - link para o estudo aqui” e a afirmação “Depois de visitar o Uganda e Quénia sei que as mortes provocadas pelo Ébola são muito menos do que os media afirmam”);
  • Artigos científicos fazem referência ao cientista, ou cientistas, envolvido assim como o laboratório, técnicas utilizadas, dados demográficos, métodos, enquanto que o pseudocientista refere-se a si mesmo como autor inquestionável das suas descobertas, sem qualquer apresentação de dados verificáveis por terceiros;
  • Generalizações, são por norma o campo da pseudociência. A Ciência gosta de números factuais, vive o sadomasoquismo da bio-estatística. Já a Pseudociência atira com números ao ar. Um exemplo disto é a percentagem de mortes causadas pelo covid19. O valor estatístico tem sofrido alterações praticamente todas as semanas, porque cientistas continuamente analisam dados e procuram respostas. A Pseudociência desde o início da pandemia que não altera esta percentagem (indo de 0,9% a 1,7%);
  • Sim, há médicos a falar abertamente de ciência, regra geral são aqueles que não fazem ciência nem lidam diariamente com o drama de perder uma vida ou sentir a impotência de não poder ajudar quem sofre.


Resumindo e simplificando este artigo, quando te bater à porta um artigo científico verifica apenas se nesse artigo há indicações específicas acerca dos estudos feitos, onde foram feitos, como foram feitos, e quem os fez. O artigo que faz afirmações sem apresentação de dados verificáveis é invariavelmente pseudociência (gostaram da minha generalização? Podem acreditar, levo anos a generalizar, sou perito nisto).

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Aprender a amar


Amar outro ser humano é algo universal e essencial ao bem-estar físico, mental e emocional de qualquer um de nós.

Todavia não há um curso, uma aula, um workshop, que nos ensine com especificidade quais os gestos que demonstram amor e quais os que demonstram carência afectiva ou mesmo abuso.


Sentirmo-nos amados provoca no nosso cérebro um cocktail fascinante de dopamina, serotonina, umas quantas endorfinas, e eventualmente ocitocina. Estas moléculas são responsáveis por nos fazer sentir que estamos protegidos, podemos confiar, é seguro sermos quem somos e podemos expressar-nos sem receio.


Apesar de cada um de nós ter formas específicas de se sentir amado e de mostrar que ama, há comportamentos de base que todos podemos cultivar.


Tradicionalmente as formas como amamos são:


  1. Ser de serviço. Implica preparar uma refeição, dar banho, fazer um recado, ajudar a resolver um problema que afecta o outro, estar disponível para ouvir;
  2. Partilha de momentos. Ir passear de mãos dadas, ver uma série ao lado do outro, ir de férias com o outro, rir e chorar com o outro;
  3. Presentes. Oferecer um presente significa “pensava em ti quando não estavas presente”. 
  4. Elogios e Reconhecimento. Agradecer algo que o outro fez ou disse, notar o novo penteado ou o casaco que combina com os sapatos, o trabalho feito, etc;
  5. Toque físico. Uma carícia, um abraço, ou aconchego.


Todos temos uma forma principal e uma secundária de mostrar que amamos e também temos uma forma principal e secundária de nos sentirmos amados. E podem não ser as mesmas! Por exemplo, eu amo sendo de serviço a outros e com presentes. Mas sinto-me amado com presentes e reconhecimento. Ou seja, eu não preciso que alguém reconheça quando sou útil. Mas quando sou útil e a outra pessoa reconhece o meu serviço sinto a serotonina até aos dedos dos pés!


O mais importante disto é não fingir. Jamais ser de serviço para que o outro nos ame, ou dar um presente porque sabemos que é assim que o outro se sente amado. Ser natural e autêntico é o mais importante.


Outro aspecto do amar: ouvir o outro sem o querer corrigir, mostrar-lhe que está errado ou que deve mudar. Ouvir, mostrar interesse genuíno por aquilo que o outro diz. Não interromper o discurso do outro. Na comunicação com outros é mesmo importante manter presente isto: o que estou a dizer é útil ou acrescenta bondade na vida do outro? A comunicação numa relação íntima deve ser fluída, não mais que dois minutos ou três de conversa e deixar espaço para que o outro se expresse também. Caso não respeitemos estes tempos, e se o que dizemos não é útil ao outro, ele ou ela irá naturalmente produzir epinefrina, a molécula da luta ou fuga. 


Quando amamos é ainda importante ser professor e aluno. Quer isto dizer que faz parte de uma relação indicar ao outro quando tem um comportamento inapropriado, e permitir que o outro também nos diga quando somos nós. Não levar a peito estas aprendizagens. A melhor forma de o fazer é focar a atenção no comportamento e não na pessoa. Há uma diferença entre dizer “Estás atrasado” e dizer “quando te atrasas eu faço filmes mesmo negativos, sei que o problema é meu, como poderíamos ultrapassar isto?” - e ouvir a resposta sem querer que o outro mude. E podemos ainda verificar onde é que nós também nos atrasamos.


Vamos agora ver os sinais que nos indicam que um relacionamento é tóxico e até perigoso.

        1. Intensidade

Uma relação intensa, em que acreditamos que não conseguimos viver sem o outro, mas queremos que o outro seja como nós queremos para podermos estar bem. É normal haver alguma intensidade no início da relação, mas o importante é ficar atento a como evolui. Se a relação é feita continuamente de altos e baixos, estamos muito bem ou estamos muito mal, amo-te muito e não te posso ver à frente, isto significa que estamos a alimentar uma relação tóxica. 

        2. Isolamento 

É natural de início querer estar o máximo de tempo com a outra pessoa. Mas se continuamente queremos o outro presente, em que exigimos que exclua tempo com a família e amigos, em que o outro não pode ter actividades sem a nossa presença, estamos a caminhar para uma relação tóxica. Observa sobretudo se criticas os amigos do outro ou tentas dizer-lhe quais os amigos que deve manter e quais devem ser afastados.

        3. Ciúme 

Quando há uma necessidade de saber onde o outro está, com quem está e o que está a fazer. Acusar o outro de flirtar, de mostrar interesse em outros. Isto demonstra uma insegurança e carência afectiva tóxicas.

        4. Inferiorizar 

O proverbial “deita abaixo”. Quando fazemos acusações e não aceitamos uma explicação, mas quando o outro nos acusa a nós temos sempre uma justificação. Apontamos o dedo para ferir, afirmamos que o outro é menos que, não presta ou tem pouco valor na nossa vida. As nossas palavras fazem o outro saber que é o elemento fraco da relação.

        5. Volatilidade 

Quando a relação é feita de extremos opostos diariamente. Ao invés da Intensidade, na Volatilidade damos por nós a chorar e a dar muita importância a coisas sem importância. Queremos ser o centro do universo do outro. O outro tem que adivinhar o nosso estado emocional continuamente. Afirmamos que o outro é importante na nossa vida e o amamos, e no minuto seguinte estamos a mostrar-lhe todas as suas falhas. Impomos condições mas não queremos assumir a nossa parte da disfuncionalidade na relação. Normalmente acreditamos que as nossas falhas são ridiculamente sem importância enquanto as falhas do outro são um tsunami de horrores e sofrimento.

        6. Imaturidade

Quando interpretamos o comportamento do outro continuamente de forma negativa, vemos no outro alguém que propositadamente nos quer magoar, não comunicamos claramente as nossas necessidades ou exageramos os defeitos do outro. Colocamo-nos no centro da vida do outro e queremos que nos faça garantias que nenhum ser humano pode garantir (“promete nunca olhar para outro homem/mulher”, “tens que me conquistar” ou “prova-me que posso confiar em ti”). 


O Romantismo e como este é tóxico para qualquer relacionamento adulto


Inicialmente o Romantismo era uma corrente literária que passou eventualmente a uma filosofia de vida. Esta filosofia de vida pressupõe uma narrativa fantasiosa impossível de realizar enquanto seres humanos.


No Romantismo os dois apaixonados sentem imediatamente no primeiro encontro que estão destinados um para o outro. Nada nem ninguém os irá separar. Haverá drama, provocado por familiares, amigos e um, ou uma, estranho que irá testar o amor que um sente pelo outro. No Romantismo encontramos uma felicidade intensa, uma atmosfera de luxo (desde banquetes a passeios à beira mar ou num bosque cuidado e lindo como as estrelas). O Romantismo não tem crianças para educar, cozinhas para arrumar, empregos que exigem muito tempo e energia nem horas de carro ou transportes públicos para o trabalho. No Romantismo não há envelhecer, os personagens morrem cedo, por vezes dias depois de se conhecerem. O amante compreende e conhece na totalidade o ser amado. Sabe o que outro quer, quando quer e como quer. 

E, acima de tudo, o Romantismo afirma que a pessoa amada não tem defeitos e é possível amar a totalidade que é, sem tirar nem pôr. 


Obviamente isto é uma receita para o desastre. 


Primeiro, é impossível compreender o outro. Compreendermo-nos a nós mesmos é em si uma tarefa herculeana, como poderá o outro compreender um décimo da complexidade que somos?


Em segundo lugar, sabemos hoje que aquilo a que chamamos “apaixonar” nada mais é que um truque do nosso cerebelo que reconhece na outra pessoa alguém que nos irá proporcionar as mesmas experiências emocionais que vivenciamos nos primeiros anos de vida (o cérebro não gosta de aprender novas formas de se relacionar com outros, prefere manter a aprendizagem inicial, gasta menos energia). 


Terceiro, amar outro ser humano significa aceitar as suas falhas tanto como as suas virtudes. Isto significa que as duas pessoas numa relação assumem um compromisso de se educar um ao outro. Sem levar a peito nem exigir que o outro assimile a aprendizagem imediatamente ou mude logo que é chamado à atenção. 


Quarto, amar outro ser humano não pode ser uma vida de passeios, banquetes e hotéis de cinco estrelas. Significa sim momentos gratificantes e momentos difíceis, confusos e de um desentendimento temporário. 


Quinto, amar outro ser humano é sabê-lo tão vulnerável quanto nós. Que muitas vezes iremos falhar, como o outro também irá falhar. Significa uma aventura. Ao contrário do Romantismo, que é todo ele rosas e perfumes caros, com a adição de um personagem que tenta desestabilizar a relação, uma aventura significa momentos de stress, de não saber o que fazer, parar, respirar fundo, e continuar. 


Sexto, o Romantismo diz-nos que não deve haver qualquer esforço na relação, tudo deve ser fluído e transparente. A realidade diz-nos que a transparência não é possível enquanto ficarmos amuados com os comportamentos do outro.


Maturidade implica saber que não é o comportamento do outro que nos magoa, mas apenas a nossa interpretação desse comportamento. Qualquer “deverias” ou “tens que” ou “precisas de” são elementos tóxicos numa relação a dois. Porque cada uma destas obrigações implica a rejeição da individualidade. 


Para terminar, já pensaste porque os filmes do Walt Disney terminam sempre após a boda com um “foram felizes para sempre”?… Porque se o filme continuasse iríamos descobrir que o “felizes para sempre” não existe, é um mito. 


Então, ao invés do Romantismo, podemos criar na relação um espaço para aprendizagem, para sentir medo, mágoa e ternura, sexo e arrumar a cozinha. Uma relação com maturidade incluirá o bom e o mau, em medidas muito idênticas. 


O importante é manter presente que não é o que o outro faz ou diz que nos causa qualquer emoção, mas sim a nossa interpretação daquilo que o outro diz ou faz. Então, perante uma situação de stress que é aparentemente provocada pelo outro, podemos questionarmo-nos. Qual a interpretação que estou a fazer deste comportamento? Onde aprendi a reagir desta forma a este comportamento? De que maneira eu tenho o mesmo comportamento?


E isto é, resumidamente, o que torna uma relação a dois madura, adulta.


PS. A única pessoa que pode rejeitar-nos, magoar-nos ou deixar-nos infelizes é aquela que vemos em frente do espelho todas as manhãs. Os outros irão reflectir aquilo que tentamos esconder.

Ciência e Pseudociência

As redes sociais trouxeram consigo alguns benefícios, sobretudo no que toca a partilha de informação. Contudo esta partilha de informação si...