sábado, 2 de fevereiro de 2019

Um coitadinho à solta


“Sim, há maus momentos na vida. As boas notícias é que estão todos no passado.”
Desde muito cedo, devido em parte às experiências de vergonha, começamos a acreditar numa história falsa acerca de quem somos. É a história do coitadinho. Ninguém gosta de mim. Eu não sou merecedor. Eu estou só. Eu não sou importante. Eu estou perdido. Eu não valho nada. Eu não presto. Eu sou um produto danificado. Há algo de errado comigo.
Esta é a história que contamos: há algo de errado comigo. E tenho as provas todas em como isto é verdade. Claro que há algo de errado comigo quando:
·       Não tenho amigos;
·       Não tenho namorada/esposa;
·       Não tenho saúde;
·       Sou obeso;
·       Não tenho dinheiro;
·       Não consigo fazer as coisas bem feitas;
·       Ninguém me compreende;
·       Odeio o meu emprego e não consigo mudar;
·       A esposa pede o divórcio;
·       O filho não fala comigo;
·       _____________________ (acrescenta a tua desculpa favorita).
O que fazemos é generalizar a partir de eventos da infância. Construímos uma lenda baseada no sofrimento. E reunimos os elementos certos para repetir esta história diariamente, assim mantemos intacto o conceito que temos acerca de quem somos. Tu acreditas saber quem és através do que fazes. Pelo menos é assim que muitas vezes te defines. Se alguém te perguntar qual a tua profissão, observa que em vez de dizeres “a minha profissão é engenharia civil ou electricista” o que respondes é “eu sou engenheiro civil, ou electricista”.
Observação: o que acreditas acerca de ti? Sem qualquer filtro verifica o que acrescentas a seguir a “eu sou”. Tem em conta as qualidades negativas e positivas.
E sou inteligente porque tenho um curso superior (se tiveres um doutoramento é mais fácil convencer os outros). Eu sou casado (tenho mulher para o provar). Eu sou pai (tenho os filhos para o provar). Eu sou trabalhador (e saio de casa todos os dias às oito da manhã e regresso às oito da tarde para o provar). E sou anti-social (detesto festas). E sou muito sensível (choro quando a colega fala mal de mim). E sou muito justo (e discuto com todos os que não concordarem comigo para que vejam o quanto sou pela justiça).
Compreendes que a partir do momento em que acreditas algo acerca de ti, terás que ter a experiência para demonstrar que aquilo em que acreditas é verdade?
Para poder largar esta história de coitadinho é importante começares por observar quais os comportamentos, atitudes e pensamentos que acontecem quando estás a viver a tua história de coitadinho. Por exemplo, dentro da tua história os pensamentos habituais podem ser qualquer coisa como “ninguém me compreende”, “tenho muito que fazer”, “não tenho dinheiro para comprar isto ou aquilo”. O teu comportamento dentro da tua história pode ser jogar na defensiva. Alguém emite uma opinião acerca de ti e tu agrides imediatamente esse alguém verbalmente. Ou ficas atento à condução de outros condutores para poderes buzinar ou insultar. Ou dizes que sim com medo que a outra pessoa deixe de gostar de ti. Dentro da tua história comes mais do que precisas ou não és capaz de ir dormir sem comer qualquer coisa antes.
É fácil saber quando estás a repetir padrões de sofrimento e a viver dentro da tua história. Sentes stress. Este stress pode ser na forma de tristeza, angústia, ansiedade, mágoa, raiva, ódio, frustração ou medo. Isto não significa que não haja momentos de tristeza na tua vida. Claro que há ou haverá. Fazem parte de estar vivo. Mas há a tristeza com a qual não lutas (por exemplo quando morre uma pessoa que te é querida) e há tristeza que não gostas mesmo nada (por exemplo quando o filho tira negativa a Entropia Gastronómica).
A emoção que mais facilmente pode causar danos sérios, a ti mesmo e a outros, é a raiva. Ensinaram-nos a conter a raiva quando esta surge. Isto é um erro, porque a raiva acumulada irá fortalecer a nossa vergonha e medo. E eventualmente irá explodir. Não significa isto que tens que gritar com os outros ou partir a loiça sempre que o jantar fica queimado. Mas podes arranjar um tempo para libertar a raiva em grandes quantidades. Depois de quatro ou cinco sessões de libertação da raiva, libertar a raiva em público será um processo natural e sem consequências. Pode até ser divertido.
Para libertar a raiva já acumulada gosto de ensinar um processo que aprendi com a Debbie Ford e que funciona como uma grande catarse. É um processo que para quem participa parece simples e no entanto exige alguma preparação por parte do facilitador, incluindo o resgate de aspectos identificados nos participantes. Este é o principal motivo porque muitas pessoas que facilitam o trabalho da sombra não conseguem fazer um trabalho apropriado com os participantes.
Para te ajudar no teu processo de libertação de raiva, deixo algumas sugestões minhas e de alguns queridos amigos que aprenderam as suas próprias técnicas.
O passo mais importante é deixar que o sentimento de raiva surja primeiro, obviamente. Para algumas pessoas este passo é simples porque se encontram continuamente num estado de ansiedade ou nervosismo. Mas para a maiorias das pessoas não é assim tão fácil estar em contacto com esta emoção excepto quando estão já envolvidas na situação que provoca o sentimento de raiva.
Se conseguires tornar-te consciente, no meio de uma discussão ou confusão, que o que sentes é raiva, sem explicar-te (o explicar-te irá alimentar ainda mais este sentimento de raiva) limita-te a afastar-te fisicamente da pessoa ou pessoas e quando estiveres a uma distância segura (por exemplo, fechado numa casa de banho) dá dois gritos bem fortes. Isto é suficiente para a maioria das pessoas. Depois respira fundo duas ou três vezes. Foca a tua atenção nas sensações do corpo. E regressa ao local inicial. E podes sempre dizer o que fizeste, ou não.
Outra forma de libertar raiva é à beira mar ou no campo, sem outros por perto. Primeiro foca a atenção em situações do passado que sentes terem sido injustas e te tenham magoado. E quando a sensação se tornar visceral, grita. Dá murros no ar se necessário. Termina sempre com meia dúzia de respirações profundas. Podes ainda gritar dentro do carro, sobretudo ao passar num túnel. Ou dar uns murros fortes numa almofada.
Quando sentimos esta emoção o nosso corpo prepara-se fisiologicamente para uma situação de luta ou fuga. Isto significa que o teu corpo irá produzir alguns químicos potentes que te permitam sobreviver. Só para teres uma ideia, numa situação de stress o corpo produz glucagon, um polipeptídeo que tem o efeito oposto ao da insulina. Ou seja, aumenta os níveis de açúcar no sangue. Este açúcar encontra-se armazenado no fígado. Uma molécula de glucagon provoca a libertação de cem milhões de moléculas de glicogénio no fígado (açúcar). Consegues imaginar a tempestade química que ocorre no teu corpo numa situação de raiva? E esta tempestade tem que rebentar em algum lugar.
Pratica a libertação de raiva com alguma frequência durante pelo menos três a quatro meses. Lembra-te que o que provoca stress são sempre situações em que estamos a viver dentro da nossa história de coitadinho.
Se prestares atenção irás notar que ao longo do dia terás momentos em que te sentes bem e em paz com a vida, e terás momentos em que te sentirás mal, em stress. No primeiro caso estarás a viver fora da tua história pessoal de coitadinho, e no segundo caso estarás completamente dentro da tua história.
Para te ajudar a melhor identificares a tua história de coitadinho deixo-te o meu exemplo.
Dentro da minha história de coitadinho:
Pensamentos
Comportamentos
Atitudes
Locais
-“Não tenho dinheiro!”
-“Tenho muito que fazer”
-“Tenho contas para pagar”
-“Estou lixado!”
-“Tenho um problema”
-Gasto dinheiro em coisas que não preciso
-Olho muitas vezes para o relógio
-Como mais do que preciso
-Sabichão que precisa de ter a resposta pronta
-Vaidoso
-Egoísta, quero a atenção toda
-Centros comerciais
-Em família
-Reuniões de negócios


Fora da minha história de coitadinho:
Pensamentos
Comportamentos
Atitudes
Locais
-“tenho dinheiro suficiente agora”
-“Posso descansar”
-“De momento não tenho contas para pagar”
-“Estou bem, a minha vida é boa!”
-“Gosto de viver!”
-Antes de comprar algo verifico se realmente preciso
-Esqueço as horas
-Como pouco e fico satisfeito com pouca comida
-Ouvinte, não interrompo o outro
-Sinto-me bem com o que visto sem precisar que os outros gostem
-Dou atenção aos outros
-Em férias
-Refeição com amigos
-Em passeio

Se prestares atenção será fácil verificar que são mais as vezes que te encontras dentro da tua história do que fora dela. É ok. O importante é começares a estar consciente deste drama.
Observação: quais as situações onde mais facilmente ficas stressado? O que podes fazer para não entrar em stress nessas situações?
Podes ainda criar estratégias para sair da tua história. É importante que estas estratégias sejam físicas, algo que te obrigue a movimentar o corpo. Isto porque uma vez dentro da tua história é muito difícil saíres. Experimenta deixar de te preocupar quando estás preocupado e verás como é difícil.
As minhas estratégias incluíam dar dois saltos no ar (e sim, cheguei a fazê-lo dentro de lojas, quando estava à beira de comprar algo que não precisava ou a preocupar-me com dinheiro), trautear “uma pequena música da noite” do Mozart, beliscar-me, bater palmas e andar ao pé coxinho.
E agora que sabes que vivemos muitas vezes dentro das nossas histórias de coitadinhos, por favor abstém-te de avisar os outros quando vivem dentro das suas! Só irás dar força às suas sombras, vergonhas, medos e culpas. Este trabalho é para ti, não é para impingir aos outros à tua volta.
Sempre que estiveres a queixar-te de algo ou alguém podes ter a certeza que estás dentro da tua história. Uma coisa é expor ao médico os sintomas do mal-estar ou informar o advogado da situação que te leva a processar o vizinho. Outra coisa é falares dos sintomas do teu mal-estar à irmã, ao tio, ao vizinho e à senhora na caixa do supermercado.
Compreendes agora melhor a importância das emoções negativas? Servem muitas vezes para te informar do quanto estás dentro da tua história de coitadinho. Um amuo, uma raiva, uma insegurança, uma frustração. Emoções que te pretendem acordar. Quanto mais intensa a emoção mais imerso estarás na tua história. A depressão é viver continuamente dentro da tua história. É a versão adulta da birra infantil.
A depressão é a forma passiva-agressiva de dizermos “não gosto como a vida acontece”. E a vida não quer saber da nossa opinião. Talvez haja pessoas tristes devido a disfunções orgânicas. Digo talvez porque todas as pessoas, sem excepção, que passaram por mim até hoje com o diagnóstico de depressão eram realmente pessoas imersas numa história acerca da injustiça da vida e de como estavam magoadas com a vida. E isto é apenas a minha opinião, não tens que acreditar. Questiona.
O que fazes para te deprimir? Em que pensas? Quais são os pensamentos em que acreditas para ficar deprimido? E será que isso em que acreditas está a acontecer agora? Quem é que serias tu se não pudesses acreditar nesses pensamentos que não controlas? Estas questões fazem parte de um trabalho poderoso da Byron Katie. Se quiseres saber mais, está disponível gratuitamente em www.thework.com

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A sombra humana alimenta-se da vergonha




“A vergonha maior do ser humano é fingir ser quem não é.”
Há vergonhas presentes em nós que podem ser úteis. Por exemplo a vergonha de atirar com lixo para o chão impede que o chão fique sujo. Ou a vergonha de que os outros nos vejam como gulosos impede-nos de comer mais doces. Há depois vergonhas que possuímos e não queremos que outros descubram. Por exemplo a vergonha de limpar o nariz com o dedo, ou a vergonha de fantasiar com a vizinha do lado. Estas vergonhas também são úteis porque impedem-nos de magoar outros ou a nós mesmos.
E depois há as vergonhas que já esquecemos e nos prejudicam, levando-nos a actos de auto-sabotagem. Verifica se te identificas em alguma das vergonhas apresentadas a seguir.
-       A vergonha de ser inteligente. Uma criança que gosta da leitura e de estudar mas que nasce no seio de uma família que preza a actividade física, ou que dá mais valor a ganhar dinheiro. Esta criança é gozada, ou até humilhada, por não saber fazer outra coisa a não ser estudar. Os pais olham para esta criança e afirmam coisas como “coitada, nunca chegará a ser alguém” ou “não és capaz de fazer nada bem feito”. Por mostrar a sua inteligência, a criança é acusada de estar errada e irá crescer com esta vergonha. Irá criar problemas na sua vida, irá sabotar qualquer oportunidade de sucesso, porque escondido no passado está a vergonha de ser diferente, errada.
-       A vergonha de ser carinhoso. A criança que é muito afectuosa, que gosta de dar mimos, muitos beijos e festas. Numa família em que o contacto íntimo é mal visto esta criança será envergonhada. Irá ser-lhe dito para não tocar nos outros, que é mau fazer festas a outros. E esta criança irá crescer com a vergonha de ser emocionalmente carente. E irá esconder esta vergonha tornando-se numa pessoa fria, distante, a detestar o contacto físico íntimo.
-       A vergonha de ser criativo. A criança que adora experimentar e é capaz de colocar detergente da loiça no aquário para lavar os peixinhos. Os adultos não irão querer saber porque o fez. E se perguntarem porque o fez será com o tom de voz que indica à criança que qualquer que seja a resposta, será errada. Depois de algumas experiências em que é humilhada ou feita ver que é má, a criança irá sentir vergonha da sua capacidade inventiva e maneira diferente de ver a vida. E irá crescer com esta vergonha de ser criativa. Irá esconder esta vergonha num emprego desenxabido onde fará todos os dias as mesmas coisas sem necessidade de recorrer ao seu espírito criativo.
-       A vergonha de ser independente. A criança que é criticada por não ter amigos, ou porque não brinca com os irmãos. Como adultos consideramos uma criança que gosta de estar na sua companhia como sendo uma criança sem aptidões sociais. Iremos forçar a criança a socializar. Esta criança irá ser envergonhada por ser “anti-social”. Como adulto esta criança irá tornar-se dependente da aprovação dos outros. Será incapaz de dizer não, sempre disponível para os outros e nunca para si.
A nossa maior vergonha, e a causa de muita auto-sabotagem e repetição de padrões que causam sofrimento, tem a sua origem numa qualidade muito positiva: o nosso dom.
Experimentação: uma forma rápida de ficares em paz com as tuas qualidades negativas é assumindo-as perante aqueles que te são importantes. Eu descobri que por vezes sou burro e estúpido, e também posso ser mesquinho.
Para descobrires qual é o teu dom, a qualidade que te é inata e que te ajudará a viver a vida na totalidade, começa por dedicar algum tempo a observar qual a qualidade negativa que se repete na tua vida. Talvez seja a preguiça, a inveja, a mentira, a frieza, a desorganização, a desobediência, a tristeza, a solidão, a mesquinhez, a insegurança, a desconfiança, o medo de arriscar. Observa qual é a qualidade negativa que está em ti e que te prejudica. Para muitas pessoas é uma qualidade tão simples como a necessidade de estar certo, de ter razão.
Pedia-te para parares de ler até descobrires a tua qualidade negativa número um. Pede ajuda a amigos e familiares. Diz-lhes que não ficarás magoado mas que precisas da sua ajuda e que te digam qual o maior defeito que vêem em ti. Outra forma de descobrires esta qualidade negativa é dedicar algum tempo aquilo que mais te envergonharia que outros dissessem de ti. Qual a qualidade negativa que mais vergonha te poderia causar?
Quando tiveres a certeza da tua qualidade negativa, a que mais danos te causa, faz uma visita rápida ao teu passado. Pega em dez situações dolorosas do passado e verifica se essa qualidade estava presente. Outra forma de descobrires esta qualidade é perguntares-te porque fizeste o que fizeste, porque reagiste como reagiste. O motivo porque esta qualidade se manifesta na tua vida é simplesmente porque quando demonstraste o seu oposto foste envergonhado, humilhado ou castigado. Pode ser que te recordes deste evento inicial ou não.
A qualidade negativa que domina as nossas vidas tende a ser um padrão que se repete na família. Em algumas famílias é a mentira, noutras a violência, noutras ainda é a arrogância. Normalmente esta qualidade só se encontra bem visível num membro da família. A chamada “ovelha negra” da família. Em realidade esta é a pessoa que carrega a sombra da família e que permite que a mesma funcione na sua disfuncionalidade. Na família trabalhadora há um preguiçoso. Na família honesta há um mentiroso ou ladrão. Na família poupada há um gastador. Na família sóbria há um alcoólico.
Se soubéssemos como a sombra actua no seio da família, não haveria necessidade de um membro carregar a vergonha de todos os outros membros. E como resgatar a qualidade que projectamos neste membro da família? Podemos começar pela compaixão para com esta pessoa. Não recriminar, antes estar grato. Parece um paradoxo. Mas diz-me, se tu mesmo fores uma pessoa violenta ou dependente do álcool, quem ouvirias mais facilmente: a pessoa que te ama, te respeita e não julga, ou a pessoa que te critica, que se zanga contigo e te condena?

Ciência e Pseudociência

As redes sociais trouxeram consigo alguns benefícios, sobretudo no que toca a partilha de informação. Contudo esta partilha de informação si...