quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A vida acontece sem a tua autorização.


“Não é o que acontece que causa sofrimento, é o significado que atribuímos ao que acontece.”
Este livro é para as pessoas que se encontram cansadas de livros de auto-ajuda, de seminários dedicados à deusa interior, de workshops para o guerreiro da luz, e de conferências sobre vidas passadas. Ou seja, para aqueles que se estão a passar com tanta teoria que em nada facilita esta coisa a que se chama vida.
Ouvimos muitos gurus e mestres discursar sobre tudo o que é quântico, como se soubessem do que falam. Agora a Física Quântica é o bode expiatório que tudo explica e em que tudo se encaixa na perfeição. Depois de dois anos a estudar esta ciência apenas posso afirmar isto: nem os próprios cientistas que dedicam a sua vida ao assunto compreendem muito bem o que se está a passar.
Lemos acerca da matéria, iões, fotões, energia e universos paralelos. Mas o que raio é tudo isso? E será que preciso de compreender isso para estar de bem com a vida?
Depois, para os mais sofredores de entre nós, temos ainda a oferta de almas gémeas. E os karmas familiares. Se isto não é masoquismo, só pode ser sadismo. O karma, muito resumidamente, e para o comum dos mortais, resume-se a isto: numa outra vida passada fizeste asneira e agora estás a pagar. É o mesmo que meterem-te na prisão por um crime que cometeste mas nem tu nem ninguém sabe qual foi o crime. Vais pagar por um crime, mas não sabes que crime! Se isto não é uma aberração, só pode ser humor negro.
Permitimos, inconscientemente, que a nossa vida se tornasse tão rápida, tão agitada, que vivemos continuamente em modo reactivo. A reagir ao relógio, aos telemóveis, ao emprego, ao companheiro, aos filhos, à televisão, ao trânsito, às promoções nas lojas. Sempre a reagir a algo. Reagimos ao que a mãe diz. Reagimos ao que a amiga faz. Reagimos ao que acontece e ao que não acontece. E isto é viver um inferno.
Experimenta parar um pouco e observar. Cinco minutos são suficientes. Observa os pensamentos que se sucedem, sem decidires que são bons ou maus. Simplesmente mantém-te presente para os pensamentos que vão surgindo.
Experimentação: faz uma lista das coisas, pessoas e situações às quais reages negativamente. Experimenta depois travar-te, não reagir.
Observa como a respiração acontece sem a tua intervenção consciente. Os músculos contraem e relaxam em sintonia, o cérebro produz químicos específicos para que esses músculos funcionem de maneira correcta, o ar entra e sai. Tudo na perfeição. E tudo sem a tua intervenção directa. Observa como levas a comida à boca, a digeres e separas os nutrientes que necessitas daqueles que não são precisos. E mais uma vez sem a tua intervenção directa. Não tens que saber quais os órgãos que produzem enzimas para que a digestão aconteça! E observa ainda o sangue. A forma como o sangue leva nutrientes e oxigénio a todo o corpo. Como o coração abranda ou acelera sem que dês qualquer instrução consciente. A vida vive-se em ti sem a tua autorização. Para o tempo suficiente para te tornares consciente de tudo isto. Uma tarde, um dia. Faz nada excepto observar a vida a acontecer.
Observa agora os teus pensamentos. Observa como vão surgindo do nada e regressam ao nada. “Está a chover”, “O meu pai não gosta de mim”, “preciso de mais dinheiro”, “não sei o que fazer”, “isto está difícil”, etc. Estes pensamentos que vão aparecendo ao longo do dia. Será que és tu a pensar, a escolher cada pensamento, ou será que os pensamentos simplesmente surgem? Observa como os pensamentos que surgem e causam sofrimento são repetidos. São a história que afirma “coitado de mim”.
De onde surgem estes pensamentos? Os pensamentos que afirmam que não és capaz, que não mereces, que a vida é injusta, que ninguém te compreende, que estás só. Talvez estes pensamentos não sejam teus. Talvez alguém te tenha ensinado a acreditar neles. Pondera um pouco isto: se fosses o único ser humano no planeta, alguma vez terias estes pensamentos?
Talvez tu não penses, talvez sejas pensado. Talvez os pensamentos que causam sofrimento tenham origem na sociedade à tua volta. Já te deste conta que a mesma situação pode ser causa de alegria numa sociedade, e tristeza noutra?
E talvez nem sequer consigas controlar esta coisa de pensar. Talvez os pensamentos surjam, as histórias constroem-se e tu és o mero espectador.
Pela manhã despertas. E nem sequer pensas “agora vou pensar no dia entediante que tenho pela frente! Vou aborrecer-me até à morte, e assim consigo sair da cama de mau humor!”. O que acontece é que os pensamentos simplesmente aparecem. Um atrás do outro. E há pensamentos que não te afectam, e outros que te afectam. Para descobrires porque motivo uns pensamentos te afectam e outros não, descobre a tua história de coitadinho. Por exemplo, talvez acredites que ninguém gosta de ti, ou que não vales nada, que estás só, que a vida é dura, que nunca fazes nada bem feito. Mais adiante iremos ver quais as histórias em que acreditamos e que são a causa do sofrimento. Para já, e para começares a descobrir-te, imagina que a tua história anda à volta de “ninguém gosta de mim”.
Experimentação: tenta pensar aquilo que estás a fazer no momento. Por exemplo “eu agora estou a caminhar para a sala. Os meus pés avançam, um e depois outro. Agora acendo a luz”.
Acordas pela manhã e os pensamentos vão surgindo. Qualquer coisa como “Oh, tenho que me levantar! Não me apetece nada ir trabalhar hoje. Deixa ver como está o tempo. Não sei se vista a camisa azul ou a verde. Talvez a azul se estiver bom tempo. Tenho que comer mais fruta, estou a engordar. Deixa-me ir beber um copo de água.” Pensamentos inocentes vão surgindo. Sem interrupção. Nem te apercebes quando te levantas, ou quando já estás na casa de banho, ou a tomar o pequeno-almoço. Tudo vai acontecendo, enquanto os pensamentos acerca do que não está a acontecer vão surgindo na mente. Mais ou menos pacífico, até surgir um pensamento que tu identifiques como sendo a tua história. Aparece, por exemplo, o pensamento “O meu colega não respondeu à mensagem que lhe enviei ontem!” – este pensamento confirma a tua história de ‘ninguém gosta de mim’, por exemplo. A partir daqui a mente começa a carregar outros pensamentos que ajudam a manter a história intacta. “Talvez esteja zangado comigo! Também pudera, quem é que suporta aquele idiota? Ainda por cima fala mal de mim nas minhas costas!”. E por aí fora. E assim transforma-se um bom começo de dia num inferno.
Todavia fica atento a observar como apesar dos pensamentos que vão surgindo na mente, a vida se vai vivendo. Levantas-te, cuidas de ti, comes, preparas-te para ir trabalhar, e nem sequer te apercebes que tens pés! Ou que as tuas mãos fizeram tantas coisas ainda antes de sair de casa! Ou que tens casa!
Para já não é necessário ficares a pensar como escapar disto. Não é possível escapar. Não há uma estratégia. Não há pensamento positivo algum que te ajude. Porque o pensar é automático. Mais tarde poderás descobrir-te e os pensamentos que antes te causavam sofrimento deixarão de te visitar com tanta frequência.
Presta ainda atenção como independentemente do que tu consideras certo ou errado, cada ser humano faz o que faz. Talvez muito do certo e errado seja uma questão de educação, ou cultural.
Observação: a vida acontece à tua volta. Presta atenção apenas. Desde as nuvens ao autocarro, da criança que chora ao mendigo que pede esmola. Limita-te a observar a vida durante algum tempo.
Pessoas gritam, atravessam-se à tua frente, ficam doentes, enriquecem, casam-se, perdem o emprego, zangam-se. Tudo a acontecer à tua volta. E tu não tens qualquer poder para mudar o que quer que seja neste preciso momento. Então para quê ficar magoado? Consegues que a criança doente melhore só porque tu ficas preocupado? Não me parece. Consegues que a amiga deixe de falar mal de ti nas tuas costas só porque amuas à frente dela? Também não me parece. E consegues que a mãe goste mais de ti porque lhe ofereces flores? Pois é. Não controlas nada à tua volta. Então para quê reagir ao que acontece de aparentemente mau à tua volta? A tua vida seria melhor se reagisses sempre ao que os outros fazem ou dizem. Acreditas mesmo nisto?
Talvez a vida não aconteça para te provocar ou magoar. Talvez a vida aconteça como acontece para te acordar.
A única coisa que te peço por agora é que estejas atento a este fenómeno: toda a vida acontece sem o teu envolvimento consciente. O coração bate, o estômago recebe alimentos, os dedos mexem-se. E nem uma vez estiveste consciente de isto acontecer. Amigos afastam-se, casais separam-se, empregos desaparecem, doenças acontecem. E mais uma vez, não houve qualquer envolvimento consciente da tua parte.
E é verdade que há uma corrente de pensamento que afirma que tu crias a tua realidade e tudo o que te acontece. Considero isto absoluta ingenuidade. Pondera a possibilidade de esta filosofia ser incompleta e reducionista. Se nós criamos a nossa própria realidade, então o que podemos dizer do cancro, da guerra, do divórcio? Talvez esta filosofia apenas ajude a aumentar o sentimento de culpa e vergonha. Porque se és tu quem cria o cancro, então também tu podes eliminar esse cancro, segundo esta filosofia. Talvez não seja assim. Talvez seja ainda mais simples.
Por agora, apenas vai prestando atenção à vida a acontecer. Observa como os teus olhos vêem estas palavras e o cérebro as interpreta. Observa como os dedos tocam estas folhas, e as sensações que daí surgem. Observa os sons à tua volta. A sensação da roupa a tocar-te na pele. Os pés a suportar o peso do corpo. Tudo a acontecer sem teres que dar uma ordem. Sem saber o nome de um músculo, de um som, de um cheiro.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Aviso à Navegação (introdução do livro Simples)


A experiência humana neste planeta é feita de eventos intensos. Há situações de crianças que passam fome, adolescentes que são violadas, pais que morrem deixando filhos pequenos, mulheres usadas para o tráfico de droga, adultos que abusam de crianças de variadas maneiras.
Este livro não pretende ser a solução para estes desafios. Enquanto ser humano permite-te a humildade suficiente para ajudar apenas a pessoa mais próxima de ti. Ou permite-te estender a mão e pedir ajuda.
Ninguém é independente, e ninguém possui a solução para os desafios da humanidade. Mas podes começar por ti mesmo. Hoje. Se consegues ler este livro então já és beneficiado o suficiente para poder fazer uma diferença. Podes parar a violência em ti. Podes começar por ti. E depois poderás ajudar outros.
Há sofrimento na humanidade e não é minha intenção desvalorizar esse sofrimento. É real.
A minha intenção é partilhar com quem está preparado para se questionar e descobrir como pode terminar o seu sofrimento pessoal. Se conseguires dissolver o teu sofrimento serás menos um ser humano a participar no sofrimento da humanidade, e um exemplo para outros. E isto é tudo.
Já tive o privilégio de me sentar com pessoas que perderam todos os seus bens, que perderam os seus filhos, que foram maltratadas na infância de maneiras violentas, pessoas que não tinham uma cama onde dormir. Pessoas que foram literalmente abandonadas pelos pais quando tinham quatro ou cinco anos de idade. Pessoas que viram um ente querido morrer devido aos efeitos das drogas que consumiam. Pessoas que foram violadas por um progenitor. Pessoas que realmente sofreram.
E no entanto a razão deste livro é apenas aliviar um pouco do sofrimento na tua vida. Questiona aquilo em que acreditas. É tudo o que te peço, se fores capaz. Se não fores capaz, é ok.
A vida é perfeita neste momento, para ti apenas. E é neste momento que tu podes começar a descobrir-te. A fazer as pazes com a vida. Independentemente do que te aconteceu, agora é o único momento que existe.
Permite-te por vezes não saber. Permite-te perder a razão. Permite-te ficar em silêncio quando à tua volta parece existir apenas caos.
Desejo-te uma boa viagem.
Emídio Carvalho

Ciência e Pseudociência

As redes sociais trouxeram consigo alguns benefícios, sobretudo no que toca a partilha de informação. Contudo esta partilha de informação si...